Há três anos Tom McNally, um filósofo e professor universitário irlandês, conseguiu através de financiamento coletivo (crowdfunding, em português) os recursos necessários para produzir esse livro ilustrado. Ele mesmo, também um artista plástico, produziu quarenta e seis ilustrações inspiradas em um episódio do "Finnegans Wake" de James Joyce, conhecido como "The Ondt and the Gracehoper". As ilustrações foram produzidas a partir de telas (50x70 cm.) originalmente pintadas à óleo e com tinta acrílica. A edição ficou a cargo da respeitada editora irlandesa Lilliput Press. O livro foi lançado em 2014, exatamente num Bloomsday (aquele que comemorava os 110 anos do dia imortalizado por Joyce em seu "Ulysses"). Além das quarenta e seis ilustrações, associadas a quarenta e seis trechos do episódio, encontramos no livro um longo ensaio assinado por McNally ("Philosophy, Art and the Search for Meaning in Finnegans Wake"), onde ele faz uma detalhada análise de seu entendimento deste episódio em particular e de toda a proposta original do livro. Ele simpatiza com aqueles que defendem que na concepção de Joyce o entendimento não é necessário, mas sim que o leitor deva concentrar-se sempre em ouvir sua própria voz durante a leitura e que através desta experiência ter acesso inconsciente ao idiossincrático senso de humor do livro. Trata-se afinal de um livro pleno de humor e jogos verbais. Para ele, afinal um sujeito especializado em filosofia da linguagem e também em Ludwig Wittgenstein, os conjuntos de letras do livro parecem inicialmente formar palavras conhecidas, mas a chave para o entendimento mais profundo do livro está no som que associamos aos novos arranjos de letras que Joyce propõe, inventa, grafa. Ele usa argumentos de filósofos da linguagem, sobretudo Donald Davidson, e de vários outros comentadores da obra de Joyce para justificar sua interpretação. Suas ilustrações foram criadas como um exercício de facilitação, uma forma de auxiliar o leitor a ultrapassar a história do episódio (de resto uma versão não moral da conhecida fábula de La Fontaine "A cigarra e a formiga") e explorar as muitas outras camadas de entendimento, como acontece com os livros para crianças. As ilustrações são de fato muito bonitas, algo geometrizadas, produzidas com uma paleta de cores suaves, frias. O livro inclui também uma apresentação assinada por Danis Rose, talvez o maior especialista em "Finnegans Wake", responsável pela edição definitiva e mais recente do livro, em 2010. Como já disse uma vez Margot Norris para entender o "Finnegans Wake" devemos aceitá-lo como um quebra-cabeças cuja chave é o próprio quebra-cabeças. O Finnegans jamais fará sentido como o "Ulysses", o "Retrato do artista quando jovem" ou qualquer romance convencional fazem, pois esperar isso implicaria em um quadro conceitual e numa epistemologia que Joyce propositalmente pretendia minar (textualmente ela diz - no 'The decentered universe of Finnegans Wake: a structuralist analysis', de 1976, "In other words, expecting the work to 'make sense' in the way Portrait, Ulysses or traditional novels 'make sense' implies a conceptual framework and epistemology that Joyce strongly intimated he wanted to undermine"). Beleza. Devemos agradecer os 91 sujeitos que contribuíram com os cinco mil euros necessários para a produção desse belo livro. E por fim, me cabe lembrar que hoje, 2 de fevereiro, é dia de aniversário do Joyce. Happy birthday Jim.
[início: 16/06/2015 - fim: 02/02/2016]
"The Ondt and the Gracehoper", James Joyce, ilustrações de Thomas McNally, Dublin/Ireland: Lilliput Press, 1a. edição (2014), capa-dura 17,5x25 cm., 136 págs., ISBN: 978-1-84351-627-9
Um comentário:
Aniversário de Joyce e dia de Iemanjá, a rainha do mar. Salve, mestre tecedor de livros lidos, lindos, preciosos, incansável na sua trajetória de jamais deixar uma página sem sua luneta lúcida. grande abraço, dessa que vos admira,
vera queiroz
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