Os anos de viagens a Barcelona para reencontrar as meninas também foram os anos de descoberta de autores espanhóis. Mas são sempre os amigos, antes de nosso vaidoso sentido literário, quem de fato nos mostra o caminho até os escritores que acabarão por nos conquistar. Pois foi doña Sturza, entusiasta das letras e do castellano, quem apresentou-me primeiro Manuel Vázquez Montalbán (era um presente de viagem, o "Mares do Sul", que levei junto a BCN naquele longuínquo 2007). De lá para cá acabei lendo quase tudo dele que encontrei. Montalbán foi um escritor e jornalista prolífico, que participou ativamente na luta contra a ditadura franquista e no processo de redemocratização da Espanha. Ele conseguia dedicar-se simultaneamente (e bem) tanto ao registro popular da cultura (através de seus romances, contos, textos para jornais e revistas, nas críticas de cinema, teatro, música e gastronomia) quanto na reflexão acadêmica destes mesmos temas (em seus ensaios mais longos, artigos, aulas em universidades e palestras). Mesmo sendo um típico jornalista (que parecia ter nascido em uma redação) Montalbán tinha uma sólida formação universitária. José Colmeiro, professor universitário espanhol atualmente radicado em Auckland (Nova Zelândia), reúne neste "El ruido y la furia" transcrições de longas entrevistas que fez com Montalbán. São três séries: Julho de 1987, Dezembro de 1992 e Março de 1996, que ocupam dois terços do livro. Nelas encontramos discussões seminais sobre o contexto histórico e cultural que definiu cada faceta da atividade profissional a que Montalbán se dedicou. Nas entrevistas acompanhamos a evolução das preocupações e reflexões de Montalbán sobre a realidade espanhola da segunda metade do século XX e a inserção da Espanha no contexto do mundo em complexa globalização, notadamente após a queda do Muro de Berlin. Além das entrevistas o livro oferece uns mimos que fazem a alegria dos leitores: (i) uma bibliografia completa de e sobre Montalbán; (ii) uma divertida entrevista ficcional com o personagem mais famoso dele (o detetive Pepe Carvalho), através de diálogos retirados dos livros originais; (iii) um prólogo assinado por Lluís Bassets, jornalista catalão contemporâneo de Montalbán; (iv) dois ensaios curtos de Montalbán ("Contra la pretextualidad" e "El desencanto ya no es lo que era"), duas pequenas maravilhas que parecem ter sido produzidas agora mesmo, nesta conturbada segunda década do século XXI (e dizer que ele já está morto há mais de dez anos, arre!); (v) um texto crítico muito bom, assinado por José Colmeiro, em que a produção literária, as atividades profissionais e o engajamento político de Montalbán são detalhadamente discutidos. Que sorte ter encontrado esse livro. Preciso achar um outro texto de Colmeiro dedicado a Montalbán que escapou-me na última viagem a Madrid. Seguro que sim.
[início: 24/08/2014 - fim: 30/08/2014]
"El ruido y la furia: Conversaciones con Manuel Vázquez Montalbán, desde el planeta de los simios", José Colmeiro, Madrid:Iberoamericana / Vervuet, 1a. edição (2013), brochura 15x22,5 cm., 162 págs., ISBN: 978-84-8489-755-2
3 comentários:
Guina, acabei de chegar de lá. Mais detalhes por e-mail (posteriormente). Por agora basta dizer que, com uma dezena de livros de Javier Marias na mala, e mais um de seu pai, já no embarque, absolutamente decido a não levar mais nada, nadinha, nem mesmo um pacote de balas, vejo uma revista que me chama a atenção, entro na loja pra dar uma enrolada, e encontro uma pilha com Así empieza lo malo, um volume caro, grande e pesado, que ainda nem teve lançamento oficial. Aí fica difícil resistir.
Conte a viagem e os livros. Fiquei curioso. Abraços.
Sim, assim que me estabilizar do fuso horário diferente vou ajeitando as coisas.
Dei uma folheada em Así empieza lo malo, e digo com certa certeza que figurará entre as obras-primas do Midas de Madri. Marias não erra. Por sorte agora posso me dar ao luxo de sempre sair de casa com um livro dele. Comprei doze, entre eles uma caixa com todo o ciclo de Oxford.
Ah, comprei um livro de Eduardo Mendoza (La Ciudad de los Prodígios), autor que muito agrada a Hughes e a Marias. Já leste algo dele?
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