sábado, 31 de março de 2007

libro negro

Ganhei este livro de presente de aniversário. O autor é catalão e minha amiga Eliana me disse que eu devia ler algo dele antes de viajar a Barcelona. Estava envolvido com o Quarteto de Alexandria do Durrell e gostei da coincidência. Na última hora decidi levar o livro junto com a bagagem e li quase metade no avião. Agora, nestes dias longos, no metrô e nos ônibus catalães acabei terminando. Montalbán foi um escritor muito respeitado e influente, principalmente nos anos que se seguiram a redemocratização espanhola. Tem uma obra muito vasta, incluindo romances, poesias, ensaios, críticas gastronômicas e literárias, textos políticos e também sua produção acadêmica como professor de história na universidade autônama de barcelona. Mas este blog é sobre livros e não - quase infelizmente, posso dizer - sobre os escritores. Rosa de Alexandria é um dos livros da série Carvalho, um inspetor/detetive particular que tem um refinado sentido gastronômico e uma notável capacidade de entender a psicologia de assassinos, psicopatas, prostitutas e policiais. É um bom livro. Há um crime para ser solucionado e após várias peripécias somos apresentados ao assassino. Nada que você não tenho lido antes em Dashiell Hammett, em Patricia Highsmith, em Rubem Fonseca, etcetera e tal, mas é sempre bom ler algo de um escritor sobre o qual nunca havíamos lido nada. O interior da Catalunha é descrito de uma forma muito vívida e detalhes da transição do franquismo para o regime democrático são colocados de forma sutil. Há muito humor e ironia neste belo livrinho, que sempre vou associar a esta conturbada barcelona de hoje em dia. A Companhia das Letras lançou vários livros desta série Carvalho (é incrível como não podemos mesmo acompanhar tudo o que é lançado neste mundo vasto das letras). Para quem gosta de romances policiais é mesmo uma bela surpresa.
"A Rosa de Alexandria", Manuel Vázquez Montalbán, tradução de Rosa Freire d'Aguiar, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2006) ISBN: 85-359-0775-0

terça-feira, 20 de março de 2007

mexicano curioso


Este é um livro curioso que li basicamente no ônibus, viajando. Ele demonstra que não há limites à criação literária e no fundo sempre haverá um sujeito que vai inventar um jeito diferente de contar uma história. O mexicano David Toscana tem 46 anos e já publicou vários livros e os teve traduzido para várias línguas. O último leitor é o primeiro livro dele traduzido para o português brasileiro. Trata-se de um romance sobre um velho senhor que é o bibliotecário de uma cidade perdida nos desertos do México que lentamente vai substituindo a vida factual pelo universo dos livros, confundindo-os e reinterpretando-os repetidas vezes. A cidade está sem água já há vários meses. O bibliotecário têm um filho que logo no primeiro capítulo do livro retira o corpo de uma menina de seu poço (o único da região que ainda tinha água potável na cidade). Ela foi aparentemente morta e jogada lá. Curioso como vários livros que li recentemente usam este artifício de apresentar um crime logo no primeiro capítulo - "Meu nome é vermelho" do Ohram Pamuk, prêmio Nobel do ano passado, é um dos casos; "Eragon", do jovem Paolini, outro. Todo aquele que gosta de literatura não convencional vai gostar deste curto livro. Como não conheço quase nada da história mexicana fiquei na dúvida se certos personagens são mesmo reais ou tudo é mesmo invenção. De resto, um jovem (!?) escritor latino-americano nos é apresentado e isto é sempre uma boa novidade. Gostei mesmo do livro. Recomendo. Soube que a Casa da Palavra também lançou "Santa Maria do Circo", um romance que é "realismo desvairado", nas próprias palavras do autor. Vou procurar deixar aqui minha cabotina resenha (quando terminar de ler, é claro!).

"O último leitor", David Toscana, tradução de Ana Pelegrino e Magali Pedro, editora Casa da Palavra, 1a. edição (2005) ISBN: 85-87-22096-9

sábado, 17 de março de 2007

balthazar

Não leia esta resenha se você ainda não leu o Justine, ou melhor, faça o que lhe aprouver, mas cuidado. Este é um livro que me surpreendeu e isto é sempre uma coisa que alegra o dia de um leitor. Terminei Justine, li outras cositas, pensei na vida e resolvi ler um tanto mais do Durrell, antes destas férias atrasadas de 2006. Balthazar é arrebatador. Justine terminou com um enigma: quem afinal tinha matado Capodistria durante a caçada de patos? Ele era o sujeito que havia estuprado Justine quando garota e o impacto do assassinato nas complexas relações entre Nessin, Justine, o narrador, Melissa, Clea fecham o volume. Mas o que dizer deste segundo movimento do quarteto? Como um palimpsesto tudo o que sabíamos do Justine é reavaliado e algo novo e soturno é acrescentado ao texto. O narrador não era seu único amante, nem mesmo o mais devotado. A nova camada transforma profundamente cada um dos personagens. Como em nosso mundo real onde o hábito, fiel camareiro, se esgota e enfim deixa o tempo e a vida desnudarem as pessoas e as relações, no livro sentimos o impacto das nuances. Tanto na vida quanto na literatura assim acabamos por ver mais bem definidas as muitas encarnações dos membros de nosso círculo de amizades e afinal (melhor dizer, principalmente, mais importante) de nós mesmos. Talvez eu não deva acrescentar mais nada das surpresas de Balthazar pois agora estou a entender os hábitos dos confrades leitores do Quarteto de Alexandria. Imergir neste livro é adentrar em um mundo mágico e vívido, onde os personagens parecem reais demais para estarem aprisionados em um romance da primeira metade do século passado. Começo a entender a mística do livro e o silêncio discreto de seus iniciados admiradores.
"Balthazar - O Quarteto de Alexandria", Lawrence Durrell, tradução de Daniel Pellizzari, editora Ediouro, 1a. edição (2006) ISBN: 85-00-01757-0

sexta-feira, 16 de março de 2007

mangá ulysses

Vamos a ver. Será mesmo muita falta de critério minha considerar este pequeno folheto do David Lasky como um "livro"? Não é um livro, mas é um adorável resumo do Ulysses, meu livro de cabeçeira desde 1982. O que fazer então? Resenhá-lo, claro. E ademais estamos quase nas vésperas do Bloomsday então acho que vale a pena registrar a pequena Odisséia que fez este livreto chegar à Santa Maria. Primeiro eu achei o autor, um artista chamado David Lasky, de Nova Iorque, através do Flickr. Havia lá uma foto de um pacote destes livretos, feitos em 1991 para um Bloomsday de lá. Escrevi a ele dizendo que queria um exemplar, ele enviou o folheto para meu caro Paulo Piquini no Colorado pela bagatela de U$2,00 dólares. Os correios fizeram seu trabalho novamente e eis que o livreto chegou cá em casa, lindíssimo e bem editado. Pena dueña Helga, don Piquini, don Fernando e os outros joyceanos da velha cepa não estarem aqui. Mas o quê dizer sobre o livreto? Trata-se de um comic book onde cada um dos 18 capítulos do Ulysses são bem ilustrados em um quarto e página ou um tanto mais. Apesar de econômico é coisa de quem mergulhou mesmo no original, enfim, uma bela síntese do livro. O pior que pode acontecer é você achar que o livreto substitui o jogo original. Trata-se da mais minimalista das versões do velho Ulysses. O livreto é lindíssimo de se ver (repito de novo: meras 19 páginas dão a conta do recado, mas corra, vá ler o original).
Ulysses, David Lasky, 4th. ed. (2002) davidlasky@yahoo.com

segunda-feira, 12 de março de 2007

ainda mais magia

Como eu gosto de sagas resolvi ler o segundo volume da Trilogia da Herança, o ciclo que começa com "Eragon" e não tem ainda a terceira parte publicada. Trata-se de diversão garantida, com batalhas entre dragões, pérolas de heroísmo e divagações adolescentes. Nada que comprometa a alta literatura que sempre olha feio para livros de puro entreterimento como este. Neste volume o personagem principal e seu dragão (na verdade uma dragão fêmea, a última de sua espécie) parte ao mundo dos elfos para terminar seu treinamento para tornar-se um cavaleiro completo. Intercalado aos capítulos deste aprendizado há outros que descrevem como o primo Roran conduz os moradores do vilarejo natal de ambos para um país ao sul em busca de refúgio e segurança. Nos capítulos finais, claro, reencontro, batalhas sangrentas, mortes inesperadas de um ou outro personagem importante e presto: uma revelação surpreendente. Não se pode culpar o jovem Paolini por seguir o manual de suspense que todo aspirante a escritor lê quando ainda mais jovem. Não há surpresa nisto, você sabe que haverá reviravoltas, pois este é apenas o segundo volume e ele não pode deixar de abrir um leque de possibilidades para o volume final. É um livro bem honesto. Eu gosto mais da riqueza descritiva e tom mais cerebral do ciclo do Senhor dos Anéis, mas estes dois livrinhos não desapontam não. Dá para se ler sem medo. Muito divertido.
"Eldest", Christopher Paolini, tradução de Heitor Pitombo e Laura Van Boekel Cheola, editora Rocco, 1a. edição (2006) ISBN: 85-325-2075-8

domingo, 4 de março de 2007

justine

Quando já há muitos anos atrás eu era um rapaz de finanças remediadas mas que comprava muito poucos dos livros que lia fiquei namorando meses uns livros grandes, de capa branca, deliciosos de se ver, que encontrava repetidas vezes em uma livraria paulista. A edição, lindíssima, não me canso de lembrar, era de portugal e havia algo de mágico em ler com um pretenso sotaque aquele livro sobre o qual muitos contavam passagens sonantes e que diziam ser fundamental ler. Era um livro para pessoas maduras, dizia-se à época, para pessoas que já experimentaram algum dissabor nas relações afetivas. Agora que "O quarteto de alexandria" foi editado pela primeira vez em português brasileiro e lançado pela Ediouro em uma bela edição achei que era minha vez de experimentar o livro. O primeiro volume do quarteto é Justine. Começei a ler em meio a outros projetos menos ambiciosos e o livro fez rapidamente perceber ser necessária alguma concentração para aproveitar as muitas digressões e opiniões dos personagens. Acabei de terminar e fiquei pronto para começar o seguinte: Balthazar. Este primeiro volume tem um narrador que conta e canta a cidade Alexandria (no Egito) como uma personagem forte que acolhe mas sabe ser implacável quando quer ser. O narrador tem relações complexas com Justine, uma mulher casada com um rico comerciante (Nessin), um tanto sádico e voyerista e também com Melissa, uma dançarina de cabaré que em certa oportunidade ele salvou a vida. Há muitos outros personagens, alguns apenas citados, outros que sabemos serem interessantes demais para que desapareçam neste primeiro volume sem algum outro tratamento. A segunda guerra mundial está para acontecer e todos os personagens parecem antecipar que algo realmente drástico está para acontecer. Se é que eu posso dizer algo do quarteto como um todo tendo lido tão pouco, vou ser econômico e registrar que acho ser mesmo um livro para se ler após ter passado pelos primeiros aborrecimentos da juventude. Não há concessões para os otimistas. Gosto do ritmo e do nível de descrição factual do entorno do livro. Talvez eu devesse escrever algo apenas quando terminasse os quatro volumes, mas Justine "se defende sozinho", como gosto de sempre lembrar dos livros, estes objetos que têm a capacidade de rivalizar conosco tanto racionalmente quanto na mera descrição sensível das emoções. Vamos a ver se eu avanço mais neste projeto e posso dizer algo mais consistente e elaborado sobre este quarteto de relações e descobertas no futuro. Me aguardem.
"Justine - O Quarteto de Alexandria", Lawrence Durrell, tradução de Daniel Pellizzari, editora Ediouro, 1a. edição (2006) ISBN: 85-00-01576-2

contos algo cruéis


Nada como um pouco de disciplina para poder ler sem se dispersar. Estive um par de dias viajando e aproveitei o tempo livre nos ônibus e no hotel para colocar alguns projetos em dia. Um deles foi este curto livro de contos, ou melhor, de minicontos, todos eles com temática adolescente. Esta é mesmo uma fase curiosa de nossas vidas. Nunca encontrei alguém que tenha vontade de repetir a experiência (por mais que alguns a estiquem a não poder mais, postergando decisões, escolhas, movimetnos), todavia há algum respeito atávico de nosso corpo àquela terrível encarnação. Como aceitar a tolice, prepotência e falta de urbanidade que vêm junto com o pacote de romantismo, frecor, vigor e potência? Os minicontos do Leornardo registram bem esta dicotomia. São bons de ler e algumas das soluções dele vibram nossa memória juvenil. Lê-se em uma sentada mas fiquei com vontade de voltar e folhear novamente o livro (e de fato o fiz), para tentar lembrar como ele descreveu de forma tão rica e instigante o velho combate dos hormônios em fúria. Belo livrinho. Super bem editado pela 7 letras. Recomendo.
post scriptum: Leonardo ganhou o prêmio Jabuti 2007 de melhor livro juvenil com este livro. A apuração foi no final de agosto e a entrega do prêmio aconteceu no último dia de outubro (mas eu já havia resenhado aqui no 4 de março, hehehehehehe)
Adeus Contos de Fada, Leonardo Brasiliense, editora 7letras, 1a. edição (2006) ISBN: 85-75773-04-6