domingo, 28 de junho de 2009

clube dos descontentes

Márcio Grings é um jornalista dos bons. Digo isto sem saber se ele é formado em jornalismo (nestes tempos bicudos esta questão tem lá seu valor), mas ele faz bem um ofício que eu associo com jornalismo: informar sua tribo sobre um assunto com riqueza de detalhes e precisão, encantamento e objetividade. Se o assunto é cultura pop, rock & roll, blues, jazz, música da boa, literatura, cinema, geração beat, contracultura, o sujeito sabe se virar, e bem por sinal. Atualmente ele coordena a programação de uma rádio local. Salvo erro meu este é seu quinto livro. Os primeiros eram de poesia, mas no último a veia de prosador já tinha tomando conta do sujeito. Os textos deste "A nós, o clube dos descontentes" são um tanto indefiníveis na verdade. Não são ensaios propriamente, nem crônicas de um cotidiano compartilhado entre ele e outros da cidade. Mais bem parecem apontamentos e reflexões de alguém que quer entender melhor o mundo e suas ações nele. Ele verbaliza umas idéias, mistura um tanto prosa e poesia, como Baudelaire já ensinou ser possível. Suas influências aqui são mais ou menos óbvias: Bukowski certamente, Fante e Kerouac, talvez. O livro é ilustrado por Paulo Chagas, um editor de arte profissional que produz um bom diálogo entre suas ilustrações e os textos. Carolina Carvalho assina uma boa introdução e Marcelo Canellas faz uma apresentação generosa na orelha do livro. Dos textos há coisas que eu não gosto, como alguns poemas em prosa, ou prosa esparramada, repletos de enigmas pessoais impenetráveis ao leitor, histórias que não se resolvem mesmo. Estes hermetismos me aborrecem na verdade, pouco acrescentam aos textos e não chegam a criar um clima particularmente interessante. Já outras coisas são vibrantes e te pegam na primeira leitura. Quando isto acontece não há como não ficar satisfeito. Se é que eu posso fazer ainda um reparo, diria que a idéia do título do livro poderia ser melhor contextualizada. Parece uma piada particular, que a meu juízo é descrita de forma bastante distinta pela Carolina, pelo Marcelo e pelo próprio Márcio (no texto). Mas o melhor dos Marx já nos ensinou que clubes são lugares que não devemos invejar, nem tampouco entender. Longa vida ao deles então. Enfim, "A nós, o clube dos descontentes" é um bom e honesto livro, bem editado por uma editora que merece ser acompanhada de perto. [início 27/05/2009 - fim 29/05/2009]
"A nós, o clube dos descontentes", Márcio Grings, editora Barco a Vapor (1a. edição) 2009, brochura 14,5x22,5, 127 págs., ISBN: 978-85-7782-072-6

terça-feira, 23 de junho de 2009

rockers

No ano passado dei este livro de presente para um entusiasta do rock cá de Santa Maria, meu amigo Koff, beatlemaníaco dos bons. Mas já quando estava a folhear o livro na CESMA havia decidido que eu também teria este mimo. Trata-se de um belo livro, em formato grande, repleto com fotos que vão da época dos dinossauros (os anos 1960) até este glorioso início de século XXI. Bob Gruen, o autor, é um daqueles sujeitos cuja carreira profissional acontece um tanto por acaso (pois ele não toca nenhum instrumento) e um tanto por insistência e trabalho árduo (o trabalho sempre diferencia os homens afinal de contas). De qualquer forma ele frequentou shows das maiores bandas dos últimos quarenta anos, acompanhou turnês improváveis (como a do Led Zeppelin pelos Estados Unidos) e acabou privando da amizade de alguns dos roqueiros que retratava (é o autor, por exemplo, da última série de imagens de John Lennon, de quem foi fotógrafo pessoal por nove anos). A maioria de suas fotos retrata o cotidiano, os bastidores dos shows e de festas, a intimidade de cada um (se é que este termo vale para celebridades deste calibre). O livro foi lançado na época de uma grande exposição realizada em São Paulo, onde as imagens foram reproduzidas em grande formato. Teve ter sido uma experiência legal ver estas fotos grandes em um espaço aberto (o saguão de entrada da FAAP, no Pacaembu). O livro é super bem cuidado. São 274 fotografias, a maioria delas no formato do livro, uns 25 por 30 centímetros, boas de se ver, impactantes mesmo.Há curtos textos dispersos pelo livro, que marcam cada tema da exposição ou as bandas mais famosas, além de uma apresentação (do paulista Supla) e uma introdução (da curadora da exposição Celita Carvalho). É o tipo de livro para se folhear enquanto se ouve algo caro a nossa memória, com vagar, tentando emular aqueles tempos onde se aprendia mesmo um tanto de inglês tentando traduzir as letras das músicas de nossas bandas favoritas. [início 23/05/2009 - fim 30/05/2009]
"Rockers", Bob Gruen, editora Cosac Naify (1a. edição) 2007, brochura 22,5x31,5, 220 págs. ISBN: 978-85-750-3592-4

sexta-feira, 19 de junho de 2009

el siglo

Um grande autor sempre produz livros que conversam entre si. Neste "El siglo", publicado originalmente em 1983, acompanhamos a história de um sujeito chamado Casaldáliga, tio de um cantor lírico chamado Léon, que é personagem do "El hombre sentimental", que li recentemente e resenhei aqui. Cabe dizer que este último (el hombre sentimental) é um livro que foi escrito e publicado em 1986. Fui eu quem li na ordem errada, fazer o quê? Mas isto não é um problema, o tema, o tratamento e o andamento da trama nos dois livros são muito diferentes, não há prejuízo em lê-los fora da ordem em que foram publicados. Em "El siglo" León já é um cantor lírico de muito sucesso mas mora com sua mulher na mansão de seu tio, um velho juiz aposentado. Tanto Léon quanto alguns outros parentes e vizinhos esperam a morte do velho juiz para ganharem sua cota de uma inimaginável herança. O livro tem dois narradores que se alternam. Nos capítulos ímpares o velho juiz reflete sobre sua fortuna, sua história, sobre os interesses dos agregados à ele, sobre seus dilemas morais e suas escolhas. Nos capítulos pares um narrador que imagino ser o secretário particular de Casaldáliga, Lemarquis, conta cronologicamente a vida do juiz, mas desta vez sem a censura que aquele usa quando narra e descreve os fatos mais importantes de sua vida. O velho juiz está praticamente senil quando narra sua história e nestes capítulos temos um vivo exemplo de quanto o romance "Leite derramado" de Chico buarque é mesmo pedestre no uso deste truque narrativo. Os lapsos, as omissões, os circunlóquios e a psique doentia do narrador são muito bem descritas por Javier Marías. Soberbo texto. Na vida do velho juiz há muitos momentos onde ele não soube decidir-se em questões capitais, mas uma escolha em particular, a de optar pelo lado de Francisco Franco um pouco antes do final da guerra civil espanhola e tornar-se um delator e colaborador franquista é a que mais o atormenta (não por arrependimento, mas pela constatação que ele próprio pouco fez para ser senhor de sua decisão). Estas edições do selo Debolsillo são muito boas (e baratas), incluem sempre um bom prólogo, assinado por uma especialista em Marías chamada Elide Pittarello e, como neste caso, curtos ensaios do próprio Marías contando os sucessos do livro após a edição. Ele é muito analítico e honesto na apreciação da história de seus livros. Enfim, gostei muito deste livro (como de resto tenho gostado de ler Javier Marías). Uma frase em especial me marcou desta vez; "Esas gentes pasan por la vida como turistas en grupo por un museo, del que sólo recordarán las obras de las que hubiera a la salida reproducciones en venta." Assim é mesmo a maioria das gentes, neste nosso medíocre mundo deste início de século XXI. [início 18/05/2009 - fim 25/05/2009]
"El siglo", Javier Marías, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2007, brochura 13x19, 247 págs. ISBN: 978-84-8346-222-5

terça-feira, 16 de junho de 2009

vocabulário ortográfico

Hoje é 16 de junho, dia de Bloomsday, dia de celebrar a literatura e os livros. Resolvi falar um tanto sobre a lingua portuguesa e sobre meu novo brinquedo, um exemplar do vocabulário ortográfico da língua portuguesa, VOLP para os pretensiosos e moderninhos de plantão. Na verdade o que eu tinha para falar sobre o novo acordo ortográfico da língua portuguesa registrei em um post de fevereiro deste ano, quando comentei um pequeno livro do Paulo Ledur. Este vocabulário pretende uniformizar a ortografia da língua portuguesa. As vivas e gerais línguas faladas por portugueses, brasileiros, cabo-verdenses, angolanos, moçambicanos, guineenses, são-tomenses (e mais quem sejam estes viventes com os quais eu posso eventualmente me comunicar através do português) vão sempre existir, a despeito da vetustez do papel impresso e encadernado que recebeu o nome de VOLP. Não é a listagem de quase 350.000 vocábulos que vão definir uma língua, mas sim o uso que seus falantes darão a estes vocábulos, isto se sabe muito bem. Resolvi também fazer este post, apesar deste não ser um livro que eu li de fato, pois nesta semana uma agência chamada "Global Language Monitor" afirmou que a língua inglesa deveria ter atingido a marca de um milhão de palavras diferentes (eles estimam que o inglês incorpora uma palavra a cada hora e meia mais ou menos, já o português mais lento, só acumulou umas 600.000 palavras até agora). Este tipo de cálculo obviamente é mais do que controverso (para mim é de um reducionismo absurdo). Meu ponto é que o inglês, que é uma das línguas mais faladas no mundo (e li hoje mesmo que há a perspectiva que se torne hegemônico na África sub-saariana toda em pouco tempo) não tem um vocabulário deste tipo, ou seja, nem os ingleses, que podem se considerar os donos da língua inglesa, nem os americanos, que são seus usuários mais poderosos, têm a pretensão de uniformizar algo que é partilhado por milhões de indivíduos de culturas diferentes. Nem mesmo fazê-lo através de uma lei, que obriga todos a se expressar de uma determinada forma e diz o que é aceito como norma culta (e falar de norma culta no Brasil, onde a meu juízo 80% da população é de semi-analfabetos é mesmo uma piada triste). No fundo o VOLP é apenas uma ferramenta econômica. O Brasil optou por seguir as tradições francesa e espanhola e tem interesse comercial em padronizar e normatizar a língua portuguesa para explorar melhor os mercados livreiros de além mar. Veremos em breve (em décadas ou séculos, que devem ser as unidades padrão de medida do tempo das mudanças nas línguas) se este VOLP tem mesmo algum valor ou será apenas um tijolo que me ajudará a apoiar meus demais livros nas estantes. [início 2009 - fim ???]
"Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", Academia Brasileira de Letras, editora Global (5a. edição) 2009 brochura 21,5x28, 887 págs. ISBN: 978-85-260-1363-6

segunda-feira, 8 de junho de 2009

bili com limão

"Bili com limão verde na mão" é um bonito livro que talvez um sujeito com boas intenções deveria ler e depois dar de presente para alguma criança, algum jovem, algum pré-adolescente. É uma história curtinha, oitenta páginas, impressa com muito cuidado e cheio de ilustrações, dobraduras e jogos visuais muito interessantes (o projeto gráfico é de uma moça chamada Luciana Facchini e as ilustrações de um sujeito chamado Daniel Bueno). A história lembra aquele conto de fadas onde uma princesa fica grudada em um ganso (ou seria cisne?, não lembro mais) e depois vários outros personagens ficam grudados uns aos outros atrás da princesa (um padeiro, um limpador de chaminés, seus pais, um policial, uma fofoqueira, e por aí vai). Na história de Décio Pignatari uma menina chamada Belisa (a tal Bili), arteira e faceira, dá um chute em um limão em direção a um passarinho e a partir daí segue o nonsense e a maluquice. A história funciona sim como um rito de passagem para a idade adulta e às responsabilidades (acho eu, um sujeito que nunca teve um filho para poder arrotar estas verdades quase pontificiais sobre crianças). Uma resenha que li diz que há ecos das histórias da Alice do Lewis Carrol, mas eu não acredito muito nisto não. Belo livro. [início 18/05/2009 - fim 18/05/2009]
"Bili com limão verde na mão", Décio Pignatari, ilustrações de Daniel Bueno, editora Cosac Naify (1a. edição) 2009, brochura com aba, 15x30, 80 págs. ISBN: 978-85-7503-747-8

domingo, 7 de junho de 2009

hombre sentimental

"El hombre sentimental" foi publicado em 1986. É um romance curto, pouco mais de 150 páginas, mas que se lê com muito prazer. Trata-se da história de um triângulo amoroso (mas todas as histórias passadas e futuras não são sempre de um tipo de triângulo amoroso?) Paciência. Durante uma viagem de trem em direção a sempre estival Madrid um cantor de ópera divide uma cabine com três pessoas (dois homens e uma mulher). A mulher é casada com o mais velho dos dois que a acompanham, sendo o outro homem secretário, estafeta e segurança do marido. O cantor não chega a se apresentar ou a conversar com os três, mas de alguma forma já percebe que aquela mulher teria algum papel importante em sua vida. Casualmente ele se encontra com este secretário em um bar/restaurante do hotel onde está hospedado e logo conhece e passa a dividir seus dias de ensaio na capital espanhola com o estranho casal. O marido nunca está presente, trata-se de um importante financista holandês, desde muito radicado na Espanha. Dito assim parece uma história de paixão, sedução e traição (será sempre nesta ordem?), mas não é assim que Javier Marías opera. O livro começa com um sonho do narrador (o cantor de óperas). Ele sonhou com aquele dia no trem, que de fato aconteceu quatro anos atrás, sonhou com ele e a mulher, já seduzida, algum tempo depois, em um quarto de hotel e também sonhou com coisas mais recentes de sua vida. Enquanto lentamente sai do sonho para a vigília tenta interpretar tudo o que se passou, como se estivesse fazendo uma análise em tempo real, sendo que sua consciência faz as vezes de analista. É um livro muito bom, muito instigante, cheio de vida e reflexão. A música e a forma como a música afeta os homens tem um papel importante na história. O amor, antes de uma coisa boa, é um fardo que homens e mulheres têm de suportar, uma provação pela qual todos têm de passar. Que bela história. [início 14/04/2009 - fim 17/05/2009]
"El hombre sentimental", Javier Marías, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2007, brochura 13x19, 162 págs. ISBN: 978-987-566-256-8

sábado, 6 de junho de 2009

incidentes

"Incidentes em um ano bissexto" é um livro de contos muito especial. A edição é muito bem cuidada, a capa é muito bonita, cada um dos contos tem uma epígrafe que nos prepara para apreciá-los mas também que nos instigam a conhecer outros livros, outras histórias. Luiz-Olyntho havia me enviado alguns deles anos atrás e lembro-me de ter dito a ele o quanto havia gostado desta veia ficcional dele. Mas os livros têm de nos conquistar por si sós, sem a ajuda dos seus autores, por mais amigos eles sejam do leitor. As histórias são quase sempre bem curtas, mas não porque lhes faltem fôlego, mas porque o autor prefere ser conciso e direto, talvez pensando encantar e seduzir de vez o leitor. Os contos sempre focam um ponto, uma máxima, uma idéia enfim, e fazem o leitor refletir um tanto sobre o que o autor está apontando. Há um humor e também uma sacanagem sutil em quase todos eles, bem como ecos de uma vida mais próxima do campo, mas deslocada para a infância e a memória de lugares remotos. Luiz-Olyntho gosta de jogos verbais, mas não apela para a cousa fácil. Em algumas histórias ele usa a voz feminina com muita correção. Observa-se também uma preocupação com o uso das línguas e a precisão que certos termos só alcançam na acepção original. Luiz-Olyntho não tem medo de arriscar e em uma das histórias inventa um fantasma de Machado de Assis a consultar seus originais em uma noite calma. Estou certo que não apenas os amigos de Luiz-Olyntho hão de se impressionar com suas histórias. Parabéns meu caro. Belo livro. [início 07/04/2009 - fim 13/05/2009]
"INCIDENTES em um ano bissexto", Luiz-Olyntho Telles da Silva, editora Edições do Autor (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 167 págs. ISBN: 978-85-909213-0-1

sexta-feira, 5 de junho de 2009

a arte de recusar

Este é um livro de ficção, claro, mas não é exatamente um romance e acabei colocando-o na cesta dos livros epistolares, dos livros de cartas. O autor, um jovem canadense, inventou uma centena de cartas que imaginários editores poderiam mandar em resposta ao recebimento de originais de "escritores em busca do abrigo de uma editora". Todo aquele que já tentou cedo descobre que escrever é fácil, publicar é difícil. Há livros onde se analisa o mercado do livro, o mundo das editoras, das feiras literárias, dos grupos de estudo e de leitura, das sessões e das críticas literárias dos jornais com seriedade e precisão. Lembro sempre do "Livros demais", do Gabriel Zaid, ou ainda do "A construção do livro", do Emanuel Araújo. Não é este o caso deste "A arte de recusar um original", de Camilien Roy. Talvez por experiência própria ele usa o deboche e o bom humor para demonstrar que é fácil ser achincalhado por um editor invisível que em geral se esconde atrás do nome vistoso de um editora. Por vezes teu livro não interessa comercialmente (pois as editoras são sobretudo comerciais) por ser experimental demais, noutras por ser passivo demais, noutras ainda por ser muito parecido com o que está na moda, e por aí vai. As cartas são sempre engraçadas, apesar da violência verbal que observamos na maioria delas. Alguém com pretensões sérias em ser publicado certamente ganha algo lendo este livro. É fácil cairmos no auto-engano de se apaixonar pelo que escrevemos e somente ver nos textos valor, verdade e beleza. Uma boa gaveta e o tempo costumam ser bons conselheiros, pois deve-se esquecer o que produzimos por paixão e desbastarmos sem dó os originais já envelhecidos, até transformá-los em algo digno de ser impresso. Esta deveria ser a sabedoria prática à qual nossa experiência imagina conduzir-nos, mas em geral somos vaidosos demais para não gostar de ver nosso nome destacado em um feixe de laudas. Muito humano tudo isto. Divertido e cruel este livro. [início 10/05/2009 - fim 12/05/2009]
"A arte de recusar um original", Camilien Roy, tradução de Pedro Afonso Vasquez, editora Rocco (1a. edição) 2009 brochura 12,5x20, 142 págs. ISBN: 978-85-325-2400-3

quinta-feira, 4 de junho de 2009

travesía del horizonte

"Travesía del horizonte" é o segundo romance escrito e publicado por Javier Marías. Curioso este madrilleño. No romance de estréia ele ambienta suas histórias nos estados unidos. Neste ele emula e/ou faz homenagem as histórias de navegação e aventuras, misturando também algo de histórias de detetive, de fantasmas e de suspense. Há um humor sutil em todo o livro, como se ele estivesse se divertindo com a posível recepção que o leitor tem dos seus escritos. O início da história nos remete a um manuscrito incompleto, de que só se tem uma cópia, que por sua vez foi transcrita e/ou ouvida por um personagem obscuro (intricado mas aceitável). Durante toda a trama do livro estamos basicamente no salão de festas de um arisocrata inglês do final do século XIX, mas o que se conta (se lê no livro) são as aventuras decorrentes de uma expedição organizada para alcançar o polo norte, mas que acontece só em sua parte inicial (uma longa e penosa travessia do mar mediterrâneo). A expedição tem algo de singular, pois além de pesquisadores, cientistas e aventureiros há no navio homens de letras, cantores, dramaturgos, pintores e outros artistas. O clima mágico e surpreendente da viagem lembra um tanto o "E la nave va", de Felini. O organizador da expedição tem um passado condenável que vamos aos poucos desvendando. Bem ao estilo de um Henry James ou de um Joseph Conrad ele usa um truque no final para dar fechamento verossímel a história toda. Divertido este pequeno livro. Se não é exatamente um livro fundamental, ao menos serve para que um eventual leitor acompanhe a maestria do jovem Marías, pois é mesmo incrível como este sujeito consegue inventar boas histórias. [início 11/05/2009 - fim 12/05/2009]
"Travesía del horizonte", Javier Marías, editorial Punto de lectura (1a. edição) 2001 brochura 11x17, 283 págs. ISBN: 84-663-0310-3

quarta-feira, 3 de junho de 2009

los dominios del lobo

"Los dominios del lobo" é o primeiro romance escrito por Javier Marías. Foi publicado em 1971, quando ele era pouco mais que um adolescente e é um livro curioso de se ler, ou melhor dizendo, divertidíssimo de se ler. Cada capítulo conta uma história que pode ser lida como um conto independente dos demais. Todavia todas tem como ambientação os Estados Unidos e se passam no período que vai da guerra civil americana, em meados do século XIX, à grande depressão americana, no início dos anos 1930. Muitas das histórias incluem os mesmos personagens, mas em contextos diferentes, sem preocupação em contar uma saga. Talvez o autor esteja querendo apenas apresentar comportamentos e formas de reagir à situações, quase sempre ou trágicas ao extremo ou cômicas em um outro extremo. Em uma nota do próprio Marías incluída nesta edição ele diz abertamente que todas as ideías das histórias foram mais ou menos emprestadas, recortadas, rearranjadas ou inspiradas pelos muitos filmes produzidos nos EUA que ele assistiu em uma temporada vivida em Paris, que foi planejada para que ele ficasse perto das cinematecas francesas que programavam cinema americano dos anos 1930, 1940 e 1950 como um exercício estético (critérios estéticos da Nouvelle vague e dos Cahiers du Cinéma). No ínicio os capítulos parecem mesmo um pastiche, uma caricatura, mas aos poucos vamos percebendo a jovem maestria deste jovem Marías (como cunhou Juan Benet). São tantos os personagens, tantas as situações, tantos os clichês, que entramos aos poucos no mundo inventado por ele e acabamos por nos encantar. O bom contador de histórias que descobri ao ler seus livros mais recentes está sim escondido neste divertido livro de estréia. [início 27/04/2009 - fim 09/05/2009]
"Los dominios del lobo", Javier Marías, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2007, brochura 13x19, 267 págs. ISBN: 978-84-8346-223-2

terça-feira, 2 de junho de 2009

barcelona petit

Comprei este livro por dois reais, isto mesmo, na Feira do livro de Santa Maria deste ano. O livro é um guia de viagens, com indicações sobre hotéis, restaurantes, pontos turísticos e toda a miríade de informações que um viajante precisa para se localizar. Mas ele não serve mais como guia de viagens. Acontece que ele foi publicado em 1992, às vésperas dos jogos olímpicos que aconteceram em Barcelona naquele ano, e acredito ter sido uma forma de apresentar a cidade, algo como introduzir Barcelona para o público brasileiro. Naquela época a cidade ainda não fazia parte do circuito de turismo de massa que observamos hoje. Sempre teve, claro, como poderia ser diferente, o charme de um lugar para onde apenas iniciados se deslocavam e somente uns afortunados faziam ali amizades e descobriam lentamente suas belezas. O autor, Francesc Petit, é o mítico catalão que adotou São Paulo para viver e que criou a mítica DPZ no final dos anos 1960 com seus colegas Roberto Duailibi e José Zaragoza. Para boa parte dos profissionais da área, parte do sucesso alcançado pelos escritórios de publicidade brasileiros hoje em dia deve-se ao papel representado pela DPZ, como escola e celeiro de grandes publicitários. Pois Petit publicou este pequeno guia e à época deve ter sido mesmo um belo presente para se dar a um amigo em viagem. Infelizmente a maior parte dos endereços, nomes, restaurantes, telefones não existem mais, não podem ser utilizados como referência. Mas a prosa leve e sofisticada de Petit dá a este pequeno livro um valor que transcende esta desatualização. Há belas ilustrações no livro (que acredito serem todas dele mesmo, bom de traço). A apresentação é feita por Pasqual Maragall, um importante político catalão, que governou Barcelona por muitos anos. Bom de se ler e tentar lembrar dos passeios pela "velha feiticeira" uma vez mais. [início 04/05/2009 - fim 07/05/2009]
"Barcelona. Petit de guia", Francesc Petit, editora Nova Fronteira (1a. edição) 1992, brochura 11x15, 185 págs., sem ISBN

segunda-feira, 1 de junho de 2009

poemórias

Neste pequeno livro Humberto Zanatta recolheu do baú de guardados de Antonio Isaia uma série de ilustrações que têm as ruas e o casario antigo de Santa Maria como tema. Elas foram produzidas usando a técnica de bico-de-pena, a partir de fotos originais dele mesmo ou de terceiros (estas últimas feitas ainda mesmo no início do século passado). Elas já haviam sido publicadas nos jornais da cidade em uma coluna que Isaia manteve por muitos anos, onde contava um tanto da história da cidade. As ilustrações vêm acompanhadas de descrições bem detalhadas do local e da época em que foram feitas e formam um belo registro do passado da cidade. À elas Zanatta, dono de vasta obra literária e musica (não por acaso patrono da recente edição da Feira do livro de Santa Maria), escreveu pequenos versos que cantam a cidade e os traços das ilustrações. São versos curtos, mas cheios de encantamento, que levam o leitor a pensar um tanto no ritmo da vida, no contínuo passar do tempo e, como não, nas mudanças radicais que ele sempre provoca. Temos assim três camadas de tempo, três técnicas de expressão (fotografia, ilustração, poesia), três olhares sobre a cidade. Curiosa mistura esta. Por fim cabe dizer que é um livrinho muito bem editado, gostoso de manusear e ler (tem a mão do Byrata nele, outro homenageado pela feira neste ano). Boa leitura. [início 05/05/2009 - fim 06/05/2009]
"Poemórias", Humberto Gabbi Zanatta, Antonio Isaia, editora Rio das Letras (1a. edição) 2009, brochura 23x15, 67 págs., sem ISBN