segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

a formação da culinária brasileira

Soube da existência deste livro da melhor das maneiras, ou seja, soube dele quando conversava ao redor de uma mesa, em um almoço divertido. Ciro e Lillian Pessoa eram os anfitriões, uma vez mais. Quando foi que os visitei pela primeira vez? Início dos anos 1980 certamente, mas quando foi que o filho deles, Samuel Pessoa, amigo das antigas, me levou até lá pela primeira vez? Pois Samuel faz aniversário no mesmo dia que a cidade de São Paulo e esta postagem calhou de ser também neste dia. Cousa boa. Carlos Alberto Dória, o autor deste pequeno livro editado pela Publifolha, é um sociólogo que se interessa por culinária há um certo tempo. Acredito que Dória basicamente se esforça por desmitificar um tanto este tema. Ele discute cousas interessantes, que ouço desde pequeno como verdades indiscutíveis: "a miscegenação na cozinha brasileira", como se as culinárias gerassem filhos como os homens; "a existência de cozinhas regionais", curiosamente superpostas às divisões políticas das regiões; "a ancestralidade da cozinha baiana", como se a escolha da Bahia como primeira capital do Brasil implicasse em uma inauguração de uma culinária específica. É um livro que se lê com prazer, bem escrito e bastante informativo. Não há exatamente uma divisão por capítulos. O livro mais bem fornece um panorama das muitas atividades relacionadas à gastronomia moderna no Brasil, identificando antes alguns marcos de nossa culinária histórica: os trabalhos de Câmara Cascudo, a invenção de dona Benta por Monteiro Lobato, as contribuições dos modernistas. No final ele propõe um novo olhar sobre a questão, sugerindo que uma correta identificação de "receitas brasileiras" deve-se partir da exploração da biodversidade nacional, pois dali surgem os ingredientes e produtos que eventualmente podem ser aproveitados gastronomicamente. Este é sim o tipo de livro que vale a pena ser sempre discutido ao redor de uma refeição com amigos. Cabe dizer por fim que foi Heloísa Mesquita quem lembrou do livro e contou sua história aos demais à mesa, mas esta é mesmo outra história. [início 12/12/2009 - fim 31/12/2009]
"A formação da culinária brasileira", Carlos Alberto Dória, editora Publifolha, 1a. edição (2009), brochura 12,5x16 cm, 85 págs. ISBN: 978-85-7914-034-1

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

de malas prontas

Assim como "Fazendo as malas", de 2008 e já resenhado aqui, este novo livro da Danuza Leão deixa-se ler em um par de horas de vagabundagem. Confesso que prefiro o primeiro volume, mais objetivo, mais alegre, mais espontâneo, sem dúvida muito melhor acabado. Mas a edição de livros é uma ocupação de profissionais e tanto o "publisher" da Companhia das letras quanto a autora não estão no negócio de rasgar dinheiro. O livro deve vender bem. Desta vez Danuza Leão descreve viagens a São Paulo, Buenos Aires, Berlin e Londres. Esperta, ela começa sendo bastante lisonjeira com São Paulo, o que já deve garantir boa recepção do livro por um terço dos seus potenciais leitores. O relato é tão entusiasmado que pode-se até acreditar que ela não conhecia mesmo a cidade. Ela tem um estilo muito próprio e faz comentários que talvez soassem obtusos se colocados no texto de outra pessoa. Em meio a questões mais factuais ela fornece dicas e regras de comportamento em viagens que são genuínas e realmente boas. O formato do livro não permite muita distração. Se o sujeito já conhece São Paulo a idéia e visitar Buenos Aires. Depois só resta voltar ao "circuito Elizabeth Arden" que Danuza Leão conhece tão bem, mas neste caso descrevendo cidades com as quais ela afirma ter menos familiaridade: Berlin e Londres (com direito a um dia em Paris, como não?). Os dias em Buenos Aires se dividem entre a cidade e o campo. Não fogem muito do que se pode escrever de uma bela cidade como Buenos Aires, mas com ela os passeios ganham um colorido particular. Os dias em Berlin são os que tomam a maior parte do livro. Ali ela flana e se comporta de fato como uma turista que explora uma cidade pela primeira vez e talvez por isto há muita informação factual e impressões ligeiras. Em Londres a história já é mais irreal, com direito a visitas à lojas e hotéis caríssimos, que tornam o texto mais artificial e frouxo. Não é mesmo fácil sustentar o frescor e o entusiasmo do livro anterior. De qualquer forma é nesta parte que li a frase mais espirituosa do livro: "Eu não tenho nada contra hotéis modestos, mas tem de haver algum charme nessa modéstia". O bom humor continua sendo a regra. As ilustrações de Filipe Jardim continuam boas e novamente inclui-se no livro um apêndice com endereços atualizados de hotéis, lojas, mercados, museus e restaurantes. [início 12/12/2009 - fim 31/12/2009]
"De malas prontas", Danuza Leão, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2009), brochura 13x21cm, 207 págs. ISBN: 978-85-359-1587-7

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

o caçador de tesouros

Publicado originalmente por Le Clézio em 1985, "O caçador de tesouros" é um livro onde pode-se dizer que o mar é um personagem que espreita a história, pacientemente aguardando seus momentos para atuar. A ação principal começa e termina no lado oeste das Ilhas Maurício, em uma região chamada Tamarindo, próxima a um rio chamado Negro. Todavia a Ilha Rodrigues, mais ao sudoeste e as demais ilhas do arquipélado de Mascarenhas também fazem parte das peripécias do narrador, um sujeito chamado Alexis L'Estang. Seus pai era um rico plantador de cana de açucar na região do Rio Negro, mas sua inabilidade comercial e os sonhos mirabolantes de eletrificação da região, associados a uma tempestade tropical o levam a completa ruína. Da ruína a morte do pai passa-se pouco tempo. Alexis, sua irmã e sua mãe, se mudam para a cidade e vivem miseravelmente. Os planos de serem enviados à França, de estudar nos melhores colégios de lá e voltarem para administrar as plantações da família tornan-se pó. Um tio, aparentemente mais pragmático e inescrupuloso, agora único rico comerciante da região,os mantêm sob vigilância discreta. A infância de Alexis foi marcada pelas narrações de seu pai de um tesouro magnífico que poderia ser encontrado na vizinha Ilha Rodrigues. Com o tempo ele abandona a família, embarca em um navio e ruma para lá, sistematicamente procurando marcas e sinais da presença dos piratas em uma região chamada Baía dos Ingleses. Alexis passa por todos os estágios da febre do ouro, ora quase desistindo, ora sobrevivendo miraculosamente a desastres, ora se iludindo com vestígios abandonados por outros exploradores. Se envolve com uma nativa da ilha, descendente de escravos que fugiram para as inacessíveis montanhas que circundam a região. Com o início da primeira grande guerra, Alexis se alista, não exatamente por patriotismo, mas também por despreendimento. Após os anos nos campos sangrentos da França volta a sua ocupação maravilhosa, a de caçador de um tesouro que ele sabe no fundo não existir. Após mais um verão explorando a baía em busca do ouro abandona tudo e volta para a Ilha Maurício. Assume um cargo de capataz nas fazendas de um primo seu, filho daquele tio inescrupuloso. O ritmo do livro se acelera, ele percebe rapidamente que aquela vida é tão inútil quanto aquela em que buscava tesouros nas areias de uma baía distante. A região explode em conflitos entre os trabalhadores e os senhores das terras. A morte graça como nos campos da França. Alexis destrói os últimos vestígios de seu sonho pelo ouro e embarca em um navio, rumo ao mar, vasto e desconhecido. Este é um livro terrível, onde a decadência e a degradação corroem lentamente os sonhos e os desejos dos personagens. O mundo colonial e o artificialismo dos sonhos herdados só são amenizados pela beleza cruel do deserto e do mar, paisagens naturais que pouco guardam da presença e dos trabalhos dos homens. [início 22/12/2009 - fim 26/12/2009]
"O caçador de tesouros", J.M.G. Le Clézio, tradução de Ernesto Sampaio, editora Assírio & Alvin, 1a. edição (1994), brochura 13,5x21 cm, 307 págs. ISBN: 972-37-0356-4

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

filoctetes

Filoctetes (Φιλοkτήτης) é uma peça que tem 2.500 anos e ainda é capaz de impressionar um sujeito. Este livro publicado recentemente pela editora 34 é verdadeiramente completo. Além da peça de Sófocles (em edição bilíngue) encontramos caudalosas notas, sugestões bibliográficas e um generoso posfácio assinado pelo tradutor, Trajano Vieira. Além disto encontramos a reprodução de um poderoso ensaio de Edmundo Wilson, um crítico norte-americano (de quem me lembro ter lido com prazer "Memórias do condado Hecate", mas esta é outra história). Lendo o livro aprendi que os três grandes poetas trágicos da literatura grega clássica (Ésquilo, Eurípides e Sófocles) produziram versões da história de Filoctetes. As versões de Ésquilo e Eurípides se perderam na poeira do tempo. Já a versão de Sófocles sobreviveu aos perigos e chegou até nós (curiosamente uma das solitárias 7 dentre as 123 peças que ele teria escrito). Aqueles familiarizados com os mitos gregos hão de lembrar da menção ao herói grego que fora picado por uma cobra e abandonado pelos colegas em uma ilha deserta. Após dez anos de infrutífero cerco, a queda de Tróia necessariamente depende da volta deste sujeito à frente de batalha, empunhando a arma (um arco invencível) que um dia pertenceu ao poderoso Hércules. A peça se inicia com as instruções que Odisseu (Ulysses) dá a Neoptólemo (filho de Aquiles), com o intuito de resgatar as armas invencíveis de Filoctetes. Odisseu fora um dos responsáveis pelo abandono deste e na prática pretende enganá-lo uma vez mais e apoderar-se das armas. Ele convence Neoptólemo da necessidade deste subterfúgio, fazendo-o mentir, dizendo-se perseguido pelos irmãos Agamemnon e Menelau que, conjuntamente com Odisseu, aprisionaram Filoctetes na ilha. Aliviado, inicialmente Filoctetes fica feliz em poder voltar a sua cidade, mas quando descobre que o plano é levá-lo à força até Tróia ele se revolta e não aceita mais sair da ilha, resignando-se a continuar ali em seu imerecido sofrimento. Odisseu ainda tenta convencer Neoptólemo a ficar apenas com as armas de Filoctetes e rumarem para Tróia, mas este - mostrando-se valoroso e digno - tenta uma vez mais convencer Filoctetes da necessidade de sua volta ao convívio dos aqueus, apesar da traição e dos sofrimentos que padeceu. A peça se resolve através daquele procedimento conhecido como "deus ex machina", muito utilizado no teatro grego, no qual, de forma deliberadamente artificial, um personagem (no caso o próprio deus Hércules, dono original das armas invencíveis de Filoctetes) é introduzido na trama para resolver a situação. Hércules convence Filoctetes a voltar a guerra e ajudar os gregos a derrotar os troianos. No início a leitura é penosa, mas aos poucos nos acostumamos com o ritmo. É um texto bastante interessante. Gostaria de ter a chance de vê-lo representado um dia. [início 11/12/2009 - fim 22/12/2009]
"Filoctetes", Sófocles, tradução de Trajano Vieira, editora 34, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 216 págs. ISBN: 978-85-7326-417-3

sábado, 16 de janeiro de 2010

sobre a morte

"Sobre a morte" não reune exatamente memórias de Elias Canetti, talvez mais apropriadamente reune aforismos, anotações e reflexões dele sobre a morte e a vida. Os textos mais longos já haviam sido publicadas em livros como "Massa e poder" (a reflexão sobre a experiência de visitar cemitérios), "Língua absolvida" (o texto poderoso em que conta a morte de seu pai) ou "A consciência das palavras" (sobre um médico japonês que sobreviveu alguns meses à explosão da bomba atômica em Hiroshima). Já as anotações, que são fragmentárias e de fato quase sintéticas como aforismos, não foram em sua maioria publicadas durante a vida de Canetti. Elas foram produzidas ao longo de cinco décadas, a primeira sendo de 1942, ainda em meio às desgraças da segunda grande guerra, e seguiram até 1993, um pouco antes de sua morte. Assim sendo, estes "pensamentos contra a morte", como ele os definiu, não foram todos produzidos para publicação imediata. Canetti argumenta que não poderia haver conciliação entre eles, intrinsicamente contraditórios. Ora ele defende ser fundamental jamais se esquecer da morte, ora argumenta ser necessário resistir à ela (mas sem usar a resistência do esquecimento). Se é que eu entendi bem (um tanto com a ajuda do posfácio incluído no livro, assinado por um sujeito chamado Thomas Macho) esta dualidade é bem freudiana, dualidade entre o instinto de vida e o instinto de morte. Thomas Macho também argumenta sobre uma contraposição entre as teses de Canetti e aquelas de Heidegger, mas este escriba resenhador não tem idéia se isto é mesmo relevante ou verdadeiro. De qualquer forma os conjuntos de anotações se defendem bem sozinhos afinal de contas. Agrupados por períodos (1942-1972, 1973-1985, 1954-1971, 1973-1994, 1992-1993), que correspondem a cadernos de anotações distintos, eles levam o leitor a pensar. Emerge deste curioso livro um grande amor pela vida, um grande amor pelos livros e pela cultura de seu tempo. Haverá algo mais de Canetti a ser garimpado e desenterrado de seus guardados? Espero que sim. [início 19/12/2009 - fim 22/12/2009]
"Sobre a morte", Elias Canetti, tradução de Rita Rios, editora Estação Liberdade, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 157 págs. ISBN: 978-85-7448-169-3

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

johnny cash

"Johnny Cash: I see the darkness" foi lançado originalmente em alemão em 2006. Ganhou boa recepção tanto no público de quadrinhos quanto nos fãs de Johnny Cash. Ele foi um dos mais influentes músicos americanos da segunda metade do século passado e teve uma vida bastante conturbada, que até ganhou uma versão cinematográfica anos atrás. Eu pouco conhecia de sua vida ou mesmo de suas músicas. Aprendi um tanto lendo este livro. O autor é um sujeito (artista plástico, ilustrador, designer) que não tinha muita ligação com o universo musical americano, mas aparentemente fez um bom trabalho. O traço é muito bom e acompanhamos algumas das passagens importantes da vida e da carreira de Cash com muito prazer. Talvez o certo fosse ler o livro enquanto se ouve as músicas dele, muitas delas transcritas nas margens dos quadrinhos ou flutuando sobre eles. É um trabalho plástico realmente muito bom, com direito a uma curta biografia e um breve glossário. Curiosamente o tradutor para o português é um gaúcho que estudou em Santa Maria. Augusto Paim morava na Alemanha na época do lançamento original do livro e se interessou em traduzi-lo para o português. Ele chegou inclusive em organizar um lançamento na CESMA recentemente. Há vezes que grandes projetos surgem mesmo de felizes acasos. [início - fim 18/12/2009]
"Johnny Cash: uma biografia", Reinhard Kleist, tradução de Augusto Paim, editora 8Inverso, 1a. edição (2009), brochura 17x24 cm, 224 págs., ISBN: 978-85-62696-01-5

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

o complexo de portnoy

"Complexo de Portnoy" é um dos livros mais divertidos que já li. Em meados dos anos 1980 li uma edição surrada que tomei emprestado. Quando vi esta edição (comemorativa dos 35 anos do lançamento original) achei que estava na hora de voltar as aventuras de Alexander Portnoy. Aquilo que Philip Roth conta como autobiografia em "The facts" (que li noutro dia em uma edição espanhola, já resenhada aqui) é trabalhado ficcionalmente em "Complexo de Portnoy". Quarto livro de Roth e publicado em 1969, provocou muita discussão dentro da comunidade judaica e curiosidade do público "goy", garantindo a Roth, nos seus trinta e poucos anos, reconhecimento como um dos grandes escritores americanos de sua geração. Portnoy, um advogado de sucesso, 33 anos, funcionário importante da prefeitura de Nova Iorque, conta em suas sessões de análise (nas quais nada sabemos do analista) as memórias que o incomodam. Ele descreve a si mesmo como um retardado emocional. O livro é dividido em seis partes (icônicas daquilo que se entende como tipicamente judaicas). As três primeiras partes falam de um Portnoy jovem e adolescente, sua relação com a família, com a masturbação, suas crises religiosas, sua relação com a escola e os esportes. Mesmo se aceitando que hoje em dia ninguém se escandaliza tanto com descrições detalhadas de como o sexo é central na vida de cada um, o texto continua sendo realmente divertido de se ler. Esta parte inicial toma só um terço do livro. Em algum ponto no final da adolescência, após uma operação delicada e o medo da morte, Portnoy passa por uma metamorfose e o sexo torna-se de fato o centro explosivo de sua vida. De certa maneira ele usa as experiências sexuais como caminho para uma libertação pessoal (da família, dos amigos, das regras sociais). Ele abandona de vez a sinagoga, passa a ter uma vida sexual regular, se envolvendo com várias mulheres nas universidades que frequenta. Quando encontra uma namorada culta e inteligente descobre que ela é em geral reprimida sexualmente ou beata demais; quando encontra uma mulher boa de cama, liberada, não consegue dividir intelectualmente nenhuma experiência mais sofisticada. Portnoy tenta resolver seu Édipo seduzindo uma moça judia sardenta parecida com sua mãe; após brigar com sua namorada liberal, com a qual tem as experiências sexuais mais divertidas do livro, viaja para Israel em busca de algum tipo de iluminação, mas descobre que os problemas são dele, não dos outros. Em Israel tudo é desconhecido, reencontra uma amiga em um kibutz, mas descobre-se algo impotente, como se estivesse punindo a si mesmo por suas estrepolias sexuais. Na última sessão de análise mostra sua paranóia uma vez mais e dá um grito que lembra o Joyce do Finnegans Wake. Após isto o analista (Dr. Spielvogel) diz finalmente algo como "Agora podemos começar a trabalhar, sem mais teatro". Muito divertido mesmo. [início 14/12/2009 - fim 17/12/2009]
"O complexo de Portnoy", Philip Roth, tradução de Paulo Henriques Britto, editora Companhia das Letras , 1a. edição (2004), brochura 14x21 cm, 261 págs. ISBN: 978-85-359-0589-2

sábado, 9 de janeiro de 2010

em busca do tempo perdido

Stéphane Heuet é um publicitário e artista plástico belga de cinquenta e poucos anos que decidiu adaptar para os quadrinhos os romances que formam o ciclo "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust. O primeiro dos ensaios saiu originalmente em 1998. A editora Zahar havia publicado a versão brasileira do "Um amor de Swann - parte1", quarto volume da série, em 2007, mas esta deve ter se esgotado muito rapidamente pois só agora, no final de 2009, consegui um exemplar. Claro que esta adaptação não substitui a leitura da versão original (poucos livros são tão seminais e poderosos como os sete volumes deste ciclo), mas é uma experiência rica voltar aos personagens, à ambientação, ser novamente apresentado a algumas das passagens memoráveis produzidas por Proust. Como não sofrer, junto com Charles Swann, das dores do amor e do ciúme. A edição é bem cuidada e traz um bom mapa da Paris retratada no livro, bem como uma espécie de glossário, onde os personagens são apresentados e com informações complementares, dirigidas àqueles pouco familiarizados com a obra de Proust, que possibilitam uma apreciação mais prazeirosa do livro. De ser mesmo uma ocupação maravilhosa dedicar-se a esta adaptação. [início 15/12/2009 - fim 15/12/2009]
"Em busca do tempo perdido - Um amor de Swann (parte1)", Marcel Proust, adaptado e desenhado por Stéphane Heuet, tradução de André Telles, editora Zahar, 1a. edição (2007), capa dura 21x28 cm, 52 págs. ISBN: 978-85-7110-992-6

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

festa sob as bombas

Noutro dia o acaso me levou a uma prateleira de livraria onde dois livros de Elias Canetti pareciam esperar sorrateiros por mim. Nada sabia destas novas edições. Que bela surpresa. Há quanto tempo não lia ou relia nada dele? Lembrei-me que nos anos 1980 li "Auto-de-fé", "Massa e poder", os três maravilhosos livros de memórias ("A língua absolvida", "A luz em meu ouvido", "O jogo de olhos"), os livros de viagem, o livro de aforismos. O primeiro dos livros de memórias dei de presente várias vezes ao longo dos anos e inúmeras vezes contei histórias dele aos amigos, como se fossem histórias de alguém realmente próximo, familiar. "Festa sob as bombas" é um livro de memórias publicado originalmente em 2003, dez anos após a morte de Canetti. Ele havia decidido que mesmo no final da vida estava ainda muito próximo dos assuntos e das pessoas que retrata nestas anotações. Os manuscritos, trabalhados em 1991 e 1992, foram escritos em Zurich, onde Canetti viveu seus últimos anos, e retratam os sucessos do que ele chamou de "anos ingleses", o período entre o final dos anos 1930 e os anos 1940, principalmente a segunda grande guerra. Já algo respeitado por conta de seu romance "Auto-de-fé", Canetti é um jovem emigrante que vive modestamente em uma Inglaterra marcada pela guerra. Relaciona-se com muita gente, de extratos sociais bastante distintos, desde aristocratas influentes a colegas intelectuais expatriados, passando pela gente simples da Londres suburbana e do campo inglês. Há muito humor nestas lembranças. As descrições dos indivíduos e das recepções (algumas literárias, a maioria mundanas) são sempre ricas e vibrantes. Acompanhamos Canetti pelos salões e pelos passeios pelo campo com vívido interesse. Para um sujeito observador e bom ouvinte nada é absolutamente supérfluo ou irrelevante. Ao mesmo tempo que aprende a entender o caráter básico do inglês (de soberba e hipocrisia eles entendem, nos ensina Canetti), ele se posiciona, defendendo seus pontos de vista sobre a guerra, sobre a opressão e também sobre os sombrios em que Margareth Thatcher foi primeira-ministra da Inglaterra. Canetti é discreto quando fala das muitas mulheres com que se relaciona e que são citadas no livro, mas quando fala de Iris Murdoch (à época com vinte e poucos anos) ele é demolidor, quase cruel. A edição é muito bem cuidada, com um generoso posfácio (escrito por Jeremy Adler), um bom apêndice e um protocolar índice onomástico. Algumas reproduções de fotografias completam este belo volume, que certamente vai encantar os antigos leitores de Canetti. [início 12/12/2009 - fim 14/12/2009]
"Festa sob as bombas", Elias Canetti, tradução de Markus Lasch, editora Estação Liberdade, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 231 págs. ISBN: 978-85-7448-159-3

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

estampas bostonianas

Não gostei nem um pouco deste pequeno livro de Rosa Montero. “Estampas bostonianas y otros viajes” reúne 7 textos produzidos originalmente para publicação em jornais. Os textos foram escritos entre 1979 e 1998 como reportagens ligeiras e a meu juízo deveriam ter continuado a amarelecer junto com os jornais onde foram impressos. Ela fala de um lugar onde viveu por longo tempo, trabalhou, aprendeu a conhecer bem (Boston) e de lugares que apenas visitou por encomenda, por conta de seu trabalho de jornalista (Iraque, Austrália, Polo Norte, Sahara Ocidental, China, Alaska). Quase todos soam anacrônicos neste final da primeira década do século XXI. Acho que a publicação em livro de textos desta natureza só tem interesse historiográfico. O estranhamento que temos é parecido com aquele que experimentamos quando por ventura nos cai em mãos um texto de nossa juventude, encontrado entre as páginas de um velho livro. Percebemos logo a falta de estofo, de informações ainda confiáveis, de alguma verdade perene, de algum ritmo e estilo literário satisfatório. Arre! Que diferença das crônicas de Javier Marías, também escritas para jornal, que li recentemente. Nele tudo ainda parece falar da verdade imediata, dos acontecimentos de nosso tempo. A voz vem do passado, sabemos disto, mas ainda é poderosa e leva o leitor a pensar. Talvez seja esta a grande arte de um bom cronista de costumes, um bom leitor da alma humana. Pois eu abandonarei Rosa Montero no passado e seguirei em frente. [início 10/12/2009 - fim 12/12/2009]
"Estampas bostonianas y otros viajes", Rosa Montero, editora Punto de lectura (2a. edição) 2008, brochura 12,5x19, 171 págs., ISBN: 978-84-663-2121-1

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

la sombra del águila

Neste pequeno livro Arturo Pérez-Reverte conta os sucessos de uma batalha que teria acontecido durante a campanha russa de Napoleão de 1812. Saber se o que Pérez-Reverte conta é real ou ficção não é importante, pois a história acaba prendendo a atenção do leitor de qualquer forma. O livro se desenvolve a partir de uma situação muito curiosa que teria acontecido em uma batalha (Sbodonovo diz o livro, seria Dorogobouge, perto de Smolensk - sei lá?). Pois um batalhão de soldados espanhóis agregados ao exército de Napoleão em meio a esta batalha toma a decisão de desertar, indo em direção ao inimigo russo. O movimento é perigoso, pois tanto os russos podem não acreditar na veracidade na rendição, quanto os franceses podem percebê-la antes de consumada. A sorte da batalha em si pendia para o lado russo, com pesadas perdas para o lado francês durante todo o dia, todavia o movimento inusitado do batalhão espanhol dá novo ânimo às tropas francesas. Napoleão ordena a um de seus melhores marechais liderear uma carga de cavalaria em apoio ao grupo e com isto decidem a sorte da batalha de forma inequívoca. A vitória francesa é completa. O membros do batalhão de espanhóis são tratados como heróis. O capitão que os comandava chega a receber uma medalha das mãos do próprio Napoleão, medalha retirada do peito de um de seus estupefactos generais. Ficamos sabendo que o grupo de espanhóis fora forçado a se alistar no exército napoleônico nos preparativos para a invasão à Rússia. A Espanha já havia sido dominada por Napoleão seis ou sete anos antes e as forças espanholas estacionadas em Flandres (na época província espanhola, hoje correspondente mais ou menos a parte meridional da Holanda) acabam tendo de aceitar o alistamento forçado ou a morte. Como se diz em espanhol "De perdidos al río". A partir daí o desastre é inevitável. Napoleão alcança Moscou, mas o inverno chega e a sorte do exército francês acaba. Em um determinado momento somos levados a acreditar que o imperador sabe do falso heroísmo daquele grupo, mas que o utilizou para seus fins práticos. A volta para a Espanha é penosa. Dos 5.000 prisoneiros, 2.000 haviam se alistado, 500 eram os que tentaram desertar, 300 chegam a atravessar o rio Berezina, fugindo dos russos, e apenas 11 chegam sujos, estropiados, ainda vestindo as cores do exército francês, à fronteira espanhola. Um toque de guitarra gitana e a desconfiança da fronteira arrefece. O grupo pode entrar em sua terra e esquecer a guerra. É uma história muito humana, onde o papel do indivíduo frente a loucura da decisões frias dos comandantes é evidenciada. A descrição que Pérez-Reverte faz dos militares franceses (nomes que conhecemos de outras fontes, mais laudatórias e glorificantes) é sempre ácida, cheia de sarcasmo. O livro inclui belas ilustrações produzidas por inspiração no texto. Ignacio Ballesteros é nome do ilustrador. Curioso e tocante livro. [início 25/11/2009 - fim 09/12/2009]
"La sobra del águila", Arturo Pérez-Reverte, editora Punto de lectura (4a. edição) 2001, brochura 11x21,5, 173 págs., ISBN: 978-84-663-0061-9

domingo, 3 de janeiro de 2010

os espiões

Leio com alguma regularidade as crônicas de Luis Fernando Verissimo publicadas em jornais, mas não sou um entusiasta do que ele faz (mas concordo que comparado com a maioria dos que publicam crônicas em jornais hoje em dia seu texto é muito superior). Ele de certo sabe contar uma história curta e deixar nelas sua marca de autor já experimentado, capitão de longo curso. Em "Os espiões" ele produz uma narrativa mais longa (ma non troppo, são pouco menos de 150 páginas com uma formatação bem generosa). Há frases de efeito muito boas e situações muito divertidas são contadas. Um grupo de sujeitos, algo deslocados em suas atividades profissionais, ficam obcecados com a verossimilhança ou não de uma história que está sendo contada em um livro (um deles trabalha em uma editora que recebeu parte dos originais de um romance onde uma história de amor, traição e morte é contada). Acreditando terem encontrado na ficção do livro vários crimes já consumados e trambém uma situação de perigo real e iminente à vida da própria escritora, decidem investigar o causo. Como todos são algo patetas, a partir daí uma sucessão de erros, confusões e mal interpretações da realidade acontecem, mas o desfecho é previsível, pois desde o início o narrador se lamenta de como conduziu a situação. A metáfora base do livro, o mito de Ariadne, funciona como uma camisa de força para o texto, também na ficção não há como fugir do destino marcado pelas Parcas. Não há o que reclamar da forma do livro. Ele tem bons personagens, um enredo envolvente, algumas discussões importantes (o papel das editoras na produção literária, a solidão doentia em uma grande cidade, o provincianismo mortal das pequenas cidades, a fraqueza moral do homem). Não fico muito satisfeito com livros onde não há a menor chance de ser surpreendido, onde tudo fica bem explicado e mastigado para o leitor. Sempre espero algo com mais estofo, algo que me leve a pensar. Paciência. [início 05/12/2009 - fim 08/12/2009]
"Os espiões", Luis Fernando Verissimo, editora Alfaguara, 1a. edição (2009), brochura 15x23,5 cm, 142 págs. ISBN: 978-85-60281-99-2


sábado, 2 de janeiro de 2010

a culpa é do padre

Conheço o Ronaldo Lippold há vários anos, mas só mais recentemente tivermos a chance de criar alguma camaradagem de fato, aproveitando oportunidades de tocar conversas com vagar. Em algum ponto entre o Carnaval e a Páscoa do ano passado ele começou a escrever textos memorialísticos, registrar situações engraçadas aconteceram com ele e com seus amigos (algum teimavam em morrer jovens e ele começou a achar que antes que alguém se desse conta a memória de todos eles estaria perdida). Começou a escrever e não parou mais. Juntou algumas histórias e mandou para os amigos darem sua opinião. De minha parte li e gostei, fiz minhas anotações, conversamos um rato sobre o formato e o ritmo das histórias. São coisas muito pessoais, contadas de uma forma muito particular, como se ele estivesse mesmo em uma roda de amigos contando causos. Elas acabam formando um conjunto realmente interessante, tocante, autêntico. Certamente mesmo quem não nasceu em Santa Maria ou conheceu seus personagens se envolve com as histórias, que em geral se valem do inusitado ou do bizarro de momentos simples da vida. Ronaldo convidou um grande ilustrador (também poeta e designer) santa-mariense, o Jorge Ubiratã - Byrata - Lopes para preparar os originais do livro. Cercou-se de um grupo de apoiadores financeiros (não existe almoço grátis, já disse o Milton Friedman) e produziu seu livro. Lançou o livro em grande estilo (eu peguei meu autógrafo no Zepelin em uma noite divertida) e como é vendedor de profissão anda pelos pagos do Rio Grande do Sul mascateando - com sucesso - seu livro. Está feliz com a recepção (o livro já ultrapassou o Mampituba, cousa rara) e feliz com o reconhecimento pela qualidade do registro que ele fez. Concordo com o que escreveu Hilda Simões Lopes na apresentação do livro: "A culpa é do padre" é uma homenagem à vida. Pois que seja então longa a vida e a arte deste livro. [início 02/12/2009 - fim 07/12/2009]
"A culpa é do padre", Ronaldo Lippold, editora Manuzio, 1a. edição (2009), brochura 14,5x21cm, 112 págs. ISBN: 978-85-7782-114-3

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

culinária japonesa para brasileiros

Este pequeno livro de culinária japonesa frequentou minha cozinha por um par de semanas. De fato só consegui paciência e ritmo para produzir um arroz de shitake e um refogado com folhas de espinafre, mas li o livro com muito prazer. Carlos Ribeiro é um paraibano que se encantou com a cultura japonesa, fez algumas viagens gastronômicas por lá e trabalha em São Paulo no ramo de culinária. Apesar de seguir os procedimentos e técnicas tradicionais, ele apresenta suas receitas já adaptadas aos ingredientes brasileiros ou ao menos àqueles que se podem encontrar em uma cidade grande e diversificada como São Paulo, mas na culinária nada é impossível se o sujeito tiver alguma imaginação. As receitas são apresentadas por sua região de procedência, da grande ilha do norte, Hokkaido, até as menores ilhas do sul, Kyushu e Okinawa, passando por toda a região central, Chubu, Chugoku, Kanto, Tohoku, Kansai, Shikoku. O livro tem um pequeno glossário, uma necessária parte inicial onde ele apresenta as receitas de base (caldos, molhos, temperos) e uma breve descrição dos utensílios mais importantes. As fotos são belíssimas - sempre são em livros de culinária. Carlos inclui também sugestões de harmonizações possíveis de cada prato com sakês ou vinhos. Belo e divertido livro para se ter por perto em um dia inspirado. Este será um ano onde vou cozinhar mais, seguro que sim. [início 01/11/2009 - fim 04/12/2009]
"Culinária japonesa para brasileiros: ingredientes, receitas, utensílios", Carlos Ribeiro, receitas de Masayoshi Matsumoto, fotos de Tadeu Brunelli, editora Publifolha, 1a. edição (2009), brochura 14x21cm, 144 págs. ISBN: 978-85-7914-065-5