Os quarentas e nove textos deste "Lección pasada de moda" são ouro puro, muito bons mesmo. O mais antigo é de 1987 e os mais recentes de 2011. O leitor pode encontrá-los dispersos por dez volumes de artigos de Marías, como por exemplo Mano de sombra, Harán de mí un criminal ou Ni se les ocurra disparar, mas reunidos aqui eles ganham maior potência e funcionam como um quase-ensaio de filologia (um sujeito fica até envergonhado de escrever qualquer coisa logo após terminar o livro, tamanha a vertigem). Nestes textos Marías fala sobre o uso (sobretudo o mal uso) da língua espanhola. Filósofo de formação, professor e tradutor experimentado, escritor muito inventivo e premiado, além de membro da Real Academia (de la Lengua) Española, Javier Marías é um sujeito que sabe argumentar e convencer. Suas preocupações são pertinentes e vastas. A forma como o livro foi organizado ajuda o leitor a entender seus pontos de vista. Há textos onde ele enfatiza aspectos relacionados à escrita, onde ele fala dos erros de gramática que encontra nos jornais espanhóis; há aqueles relacionados à fala (principalmente sobre o quão mal seus conterrâneos falam no dia-a-dia, em contraste com o uso mais objetivo e claro, segundo ele, dos mexicanos e latino-americanos em geral); noutros Marías se escandaliza com os erros absurdos de tradução, seja técnica ou literária, que já parecem incorporados à lingua, por conta de reiterado mal uso por jornalistas ou escritores menores; os textos onde ele fala de tolas tentativas de impor, através de legislação específica, algum controle sobre o uso do espanhol são especialmente bons; naqueles onde ele denuncia a vulgarização, a perda de sentido e clareza de sua língua, Marías é brutalmente irônico, não demonstrando medo ao desnudar todas as imbecilidades que lê e ouve. Seu principal argumento é que uma sociedade que perde a capacidade de reconhecer as sutilezas da língua que utiliza é incapaz, no fundo, de pensar de forma independente, de associar e distinguir idéias, tornando-se massa de manobra dos manipuladores sociais de nosso tempo (sobretudo ditadores, fascistas, xenófobos, religiosos, políticos, poderosos de plantão). Para ele o uso correto da linguagem revela muito sobre as pessoas e é uma ferramenta útil para detetar farsantes. O que mais me impressiona nestes artigos (que reli na verdade, pois já havia encontrado cada um deles nos outros livros) é o quanto os problemas detetados por Marías podem ser observados também aqui no Brasil, com o português. Não é tão difícil encontrar hoje em dia quem defenda, como ferramenta de inclusão social, "formas alternativas de grafia e fala do português" (como se fosse possível orgulhar-se de ser idiota ou analfabeto). Qualquer leitor interessado na lingua espanhola, em tradução, ou em fenômenos linguísticos associados à cultura tem muito a aproveitar neste livro. Grande Javier Marías! Para aqueles que não tem a chance de conseguir este volume com facilidade vale a pena visitar, ao menos semanalmente, o http://javiermariasblog.wordpress.com/. [início 10/03/2012 - fim 19/03/2012]
"Lección pasada de moda - Letras de lengua", Javier Marías,
Selección de textos de Alexis Grohmann, Barcelona: Galaxia Gutenberg (Circulo de Lectores), 1a.
edição (2012), capa-dura 13x21 cm, 189 págs. ISBN: 978-84-8109-964-5