Nos Bloomsdays
que organizo aqui em Santa Maria, desde 1994, a leitura das cartas pornográficas de
Joyce sempre alcança muito sucesso. Sempre deixo à mão a tradução de Mary
Pedrosa ("Cartas a Nora Barnacle", de 1982, editada pelos industriosos
Massao Ohno e Roswitha Kempf) ou a edição portuguesa da Hiena ("Querida
Nora!", de 1994, cuja tradução é assinada por Carlos Valente e inclui
comentários muito bons da biógrafa de Nora, Brenda Maddox). Agora certamente terei de incluir algo novo no balaio dos livros do próximo Bloomsday. E que belo livro! Sou mais que suspeito com as cousas de James Joyce, mas esta antologia de cartas, publicada recentemente pela Iluminuras está mesmo muito boa. Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante, reconhecidos especialistas em Joyce, assinam a tradução e também uma curta apresentação cada um. O volume inclui as poucas cartas de Nora dirigidas a Joyce que sobreviveram até nós, além de um bom texto, nas orelhas, assinado por Caetano Galindo, que publicou recentemente sua tradução do Ulysses. As cartas correspondem aos poucos períodos em que os dois estiveram afastados. Claro, as cartas realmente pornográficas ou escatológicas são umas poucas, talvez dez em um conjunto de mais de cinquenta, mas elas encantam pela franqueza, se destacam por escancarar o quão forte e nada platônico era o amor de Joyce por Nora, dão conta de como sexo e amor são centrais no relacionamento deles. Desde as primeiras cartas, cartões postais e notas curtas acompanhamos um James Joyce enfeitiçado, realmente apaixonado, ciumento, obsessivo, inseguro e frágil, mas também sem medo de reiteradamente identificar Nora como o descanso de suas loucuras, sem vergonha de contar da necessidade imperiosa de estar próximo dela. O Ulysses é a história mais humana já escrita. E o Ulysses e o Bloomsday nascem no dia em que Joyce se encontrou com Nora pela primeira vez. Nestas cartas vislumbramos um pouco da vida privada de Joyce, temos a chance de partilhar a intimidade dele e de quem foi tão fundamental para que ele engendrasse tudo o que publicou. Certamente Fernando Pessoa nunca teve acesso a estas cartas, mas pensou em coisas assim quando disse que apenas as cartas ridículas são verdadeiras cartas de amor.
[início 23/11/2012 - fim 27/11/2012]
"Cartas a Nora", James Joyce, organização, apresentação e tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante, São Paulo: editora Iluminuras, 1a. edição (2012) brochura
14x21cm, 149 pág. ISBN: 978-85-7321-398-3 [edição original: Selected letters of James Joyce, editor: Richard Ellmann (New York: Vicking Press) 1975]