Foi don Caetano Galindo, o varão industrioso, tradutor do Ulysses, quem me alertou pela primeira vez sobre Luís Pellanda, citando-o como um dos bons escritores de Curitiba, durante un censo literário rápido que fizemos aqui durante o Bloomsday Santa Maria. Assim, quando encontrei por acaso esse "Nós passaremos em branco", não tive dúvidas em comprá-lo. Nele encontramos crônicas ambientadas em Curitiba. São crônicas recentes, de 2010 e 2011. Pellanda inclui um mapa do centro da cidade para ajudar o leitor não familiarizado com a cidade a acompanhá-lo nas histórias. Fiquei surpreendido mesmo com esse sujeito. Ele faz o censo das tribos urbanas de sua cidade, sabe manter alguma tensão, contar causos, inventar alguns e ao mesmo tempo acrescentar lirismo às narrativas. As histórias são muito bem escritas, Pellanda um bom observador. A cidade e seus habitantes (algo emblemáticos, claro, como se deve fazer em crônicas de jornal) aparecem vívidos. Nada é piegas ou artificial (e é fácil encontrar crônicas que se arrastam em sentimentalismos bobos, obviedades, platitudes e lugares-comuns). Em geral ele fala de suas caminhadas e pausas em bares e restaurantes, mas há também reflexões sobre filmes, um zoológico, um circo. Às vezes ele está sozinho, noutras com uma criança no colo, como se precisasse de uma testemunha, um interlocutor. Ele mescla acontecimentos recentes e lembranças de juventude com muita competência e tino. O rio de sua cidade, o rio Ivo, torna-se um Lete às avessas, pois as memórias de Pellanda parecem brotar dele, mesmo escondido, canalizado, sobre a rua Vicente Machado. Quando o leitor termina o conjunto das vinte e nove crônicas (e se lamenta por não ter mais algumas para ler), eis que ele nos oferece um conjunto do que ele chama de antologia dos demônios curitibanos. São oito divertidas histórias, perfis biográficos, contos infernais, escritas num tom que tem algo de solene, eclesiástico, mas é sarcástico como há tempos não lia num sujeito (que é jovem, mas domina um vocabulário e um estilo que denunciam disciplina nas leituras e cultura refinada). Deu-me até vontade de reler meu Dante, surrado e velho de guerra. Quem disse que há inveja boa não entende nada da alma humana. Invejo a sorte de Curitiba em contar com um cronista desse calibre. [início 18/09/2011 - fim
21/09/2011]
"Nós passaremos em branco", Luís Henrique Pellanda,
Porto Alegre: Arquipélago editorial,
1a. edição (2011), brochura 14x21 cm, 192 págs. ISBN: 978-85-60171-19-4