Boj é buxo, uma árvore européia aparentada ao pau-brasil. Começei a ler este estranho livro por conta de um comentário de Don Paco Batallán sobre os galegos Camilo José Cela e Ramón del Valle-Inclán serem únicos grandes escritores espanhóis dignos de lembrança após Cervantes. Conceito radical e absoluto como ele mesmo. Grande sujeito. Isto ficou imerso no mar de minhas lembranças daquele almoço monumental em Cantoblanco com Paco e Manolo. Paco e eu escolhemos "Migas" (de primeiro, como se diz por lá) e ele ficou a explicar-me a origem deste prato extremeño e daí passou a falar o oeste da Espanha e sobre a Galícia. "Felipe II deveria ter feito de Lisboa sua capital e assim todos falariam espanhol lá também, talvez até no Brasil, mas ele tinha um problema com o mar, o pobre!". Grande Paco. De volta, passei na CESMA noutro dia e vi este livro exposto no mostrador. A capa é horrível, ao menos para o meu gosto e isto foi mas o que me chamou a atenção. Quando vi que o livro era do Cela resolvi comprar e logo começei a ler (as associações são sempre livres afinal de contas). É mesmo um livro estranho. Lembra um tanto o Grande Sertão: Veredas do Rosa pois há um narrador (o própria Cela ficamos sabendo) que conta de um só fôlego causos e mais causos do mar da Galícia. O ouvinte vez por outra faz um comentário, uma pergunta, mas nada que impeça o narrador de continuar sua longa arenga. Os temas da histórias são variados, mas relacionados a Finis Terrae, o ponto final do mundo na visão romana, ou seja, a forma como os romanos chamavam o extremo ocidental da península ibérica. Crenças populares, mitos, históricas de paixões e lutas, descrições da rica e variada história da região, lendas, frases feitas, lembranças do próprio Cela, puras invenções. Elas são unidas, de capa a capa, pela descrição de centenas de naufrágios que ocorreram nas proximidades do recortado mar galego. O mar ali é sempre encarpelado, rústico, cobrindo levemente baixios cheios de rochas prontas a ceifar um navio incauto. A recorrente compilação dos naufrágios quantifica os mortos, desaparecidos, sobreviventes de cada navio, cada um com uma bandeira diferente. No início os nomes dos navios e suas curtas mas fatais histórias incomodam um tanto, mas aos poucos entamos no ritmo, como quando estranhamos o balanço de um barco quando ele se põe ao mar. Cela inclui uma série de maneirismos e frases típicas da Galícia, sua mitologia particular. Há histórias deliciosas, como a do sujeito que ficou caolho após ter se comportado mal durante uma missa, ou a descrição das bençãos de Santa Casilda, a escolha curiosa que um grupo de marinheiros fez quando tentam salvar cabras e putas de um naufrágio. Na introdução do livro é dito que a versão original do livro (um dos últimos que escreveu) foi traduzida para o castelhano com um apêndice de 70 páginas explicando os termos galegos, mas que para nós brasileiros isto não se fazia necessário, tamanha a similaridade entre as duas línguas. Bom, não estou tão convencido assim, um dia vou procurar o livro espanhol para comparar. Belo livro mas preciso voltar ao quarteto do Durrell de uma vez e terminá-lo. Vamos a ver...
"Madeira de lei", Camilo José Cela, tradução de Mário Pontes, editora Bertrand Brasil, 1a. edição (2001) ISBN: 85-286-0818-2