quarta-feira, 21 de julho de 2010

gênesis

Robert Crumb é um dos artistas gráficos mais importantes da segunda metade do século passado e continua ativo, maluco e criativo. Ele é um dos grandes nomes do movimento underground no universo dos quadrinhos (dos cartoons americanos) e certamente influenciou gerações de ilustradores e quadrinistas, inclusive no Brasil. Personagens dele como Fritz the Cat ou Mr. Natural são ícones do movimento hippie e da contracultura americana. Nos anos 1980 li coleções inteiras de suas histórias, principalmente as mais escatológicas e pornográficas - suas mulheres bundudas e seus homens com barba por fazer eram impagáveis - mas nunca consegui comprar sistematicamente os volumes, fazer o quê? Em 2007 ele publicou uma versão ilustrada do livro do gênesis. A edição da Conrad é mesmo muito bem cuidada, capa-dura, papel um tanto mais encorpado, costuras caprichadas. Diz a lenda que ele investiu quatro anos no esforço em produzir esta versão. Na introdução do livro ele argumenta que seguiu fielmente o texto original, ou melhor, as várias versões do texto original que pode alcançar, produzindo interpretações originais e se arriscando em seus argumentos. Ele defende que a bíblia é sim um livro produzido por homens, comuns e mortais homo sapiens sapiens, e deve ser valorada exatamente por isto. O resultado me parece bom, em que pese o fato de, mesmo com os reparos que ele faz, as histórias bíblicas sempre me soarem inverossímeis, iconoclasta como sou. [início 20/05/2010 - fim 20/07/2010]
"Gênesis", Robert Crumb, tradução de Rogério de Campos, editora Conrad, 1a. edição (2009), capa-dura 22x28 cm, 224 págs. ISBN: 978-85-7616-339-8

sexta-feira, 16 de julho de 2010

literatura y fantasma

Este é o último dos livros do Javier Marías que consegui com os esforços do Miguel, paciente mercador da Calle Corrientes. Ao terminá-lo sei que terei de garimpar duro para encontrar outros livros. Logo veremos. São setenta e dois ensaios sobre literatura, sobre escritores, sobre livros, sobre a cena cultural de seu tempo. O livro é divido por temas: uma série inglesa, que dá conta de livros de suspense, romances góticos, contos de terror; textos variados sobre seu ofício e sobre seus livros, onde Marías mostra-se um bom e refinado crítico de si mesmo, sem concessões bestas; uma série de textos onde ele analisa a vida e a obra de Juan Benet, um escritor que muito o influenciou; uma série sobre escritores, que acolhe deste Shakespeare e Flaubert a Thomas Bernhard, Nabokov e Faulkner, dentre muitos outros; uma importante série sobre a questão das traduções. Difícil destacar um conjunto de textos dos demais. As questões sobre tradução remetem à descrição das obras dos escritores que ele admira. Ao explicitar as soluções e a gênese de seus textos de ficção ele nos convence que há diferenças entre entender um texto e compreendê-lo. A capacidade de se apropriar de um texto alheio é diferente da capacidade de explicá-lo, de contá-lo com outras palavras. Não há escritor que eu tenha lido que demonstre tanto domínio sobre as sutilezas técnicas e a historiografia de seu ofício. Seu texto sempre é convicente e objetivo, rico e provocador, original. Ao mesmo tempo ele oferece ao leitor a oportunidade de se posicionar, refletir por si os argumentos apresentados. Nada parece artificial, oco, afetado, como costuma acontecer quando um escritor tenta falar sobre si mesmo e sobre sua produção. Ao tratar a literatura com uma das mais sofisticadas formas de pensamento ele conduz o leitor por um seminal parque de diversões para os sentidos. Como não procurar outros livros de um sujeito como este? [início 17/06/2010 - fim 13/07/2010]
"Literatura y fantasma: edición ampliada", Javier Marías, editora Alfaguara (coleção textos de escritor), 1a. edição (2001), capa-dura 13,5x22,5 cm, 470 págs. ISBN: 84-204-4246-1

domingo, 11 de julho de 2010

sobre os escritores

Este livro faz parte de uma coleção (Sabor Literário) que estou aprendendo a desfrutar (haverá mais livros dela resenhados aqui). Elias Canetti dispensa apresentações. É o autor de Auto-de-fé, de Massa e Poder, dos vários livros de viagem e dos livros de memórias. A partir de 2005, dez anos após sua morte, seus herdeiros começaram a publicar o material inédito. Aprendi neste livro que o material inédito envolve aproximadamente dez vezes aquele que ele publicou em vida. Neste pequeno livro são compilados basicamente aforismos, mini biografias de poetas e escritores, além de alguns textos longos que foram apresentados na forma de palestras de agradecimento ou discursos. São textos que se oferecem para reflexão. Canetti não está pontificando, dando uma aula, explicando algo inusitado. Nestes textos ele fala sobre o ofício de escrever, de relembrar o lido e escrito, fala de poetas, de escritores e de pensadores que o influenciaram (notadamente Karl Kraus). São textos muito pessoais, onde ele se desnuda, mas dá ao leitor a chance de se contrapor ao que há de subjetivo em suas colocações. O livro inclui uma boa apresentação de Ivo Barroso e um rico posfácio de Peter von Matt (que é um dos organizadores deste acervo inédito de Canetti, em parceria com Penka Angelova). Um Canetti sempre faz à alma um grande bem. Bom livro. [início 24/05/2010 - fim 10/07/2010]
"Sobre os escritores", Elias Canetti, tradução de Kristina Michahelles, editora José Olympio, 1a. edição (2009), brochura 12x18,5 cm, 207 págs. ISBN: 978-85-03-01021-4

sábado, 10 de julho de 2010

www.twitter.com/carpinejar

Este é um livro totalmente dispensável, que deve ter sido publicado simplesmente para que o autor ou sua editora pudessem escrever em algum lugar que foram os primeiros a compilarem os tweets de um twitter na forma de livro. Que paternidade besta. Transpor de um suporte a outro algo forte ou fundamental ainda teria lá seu valor, mas os aforismos frouxos e os registros de estados de humor irrelevantes que encontramos neste pequeno livro não o sustentam. Tudo é sonolento à exaustão. Li os tweets do final para o início do livro, acompanhando cronologicamente como ele tateia e brinca com o que talvez pudesse se pensar como um gênero, mas não é (não vai dar tempo para que algo assim se torne um gênero literário). São poucas semanas de registro. Ele escreve de um 21 de julho a um 06 de setembro, se preocupando com o amor, com a amizade, com o cotidiano. Reiteradamente uma lagartixa é mencionada. Talvez o anonimato da internet (onde uma página fica escondida em um mar de outras) não sirva tão plenamente aos propósitos de auto análise que o autor parece buscar (e que talvez só se encontre quando se tem um livro impresso para mostrar aos amigos). Mas suas postagens apenas edulcoram algo onde não há vida, nem ficção que emule algo vivo. É razoável que um autor não se leve a sério mas leve a sério o que assina (boa parte dos grandes escritores alcançam este efeito). Mas aqui encontramos exatamente o oposto, os sinais trocados. O que falta mesmo a este livro é um mínimo de humor. Paciência. [início - fim 06/07/2010]
"www.twitter.com/carpinejar", Fabrício Carpinejar, editora Bertrand Brasil, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 84 págs. ISBN: 978-85-286-1408-4

quarta-feira, 7 de julho de 2010

do big bang ao universo eterno

Apesar deste pequeno livro aparentemente ter sido escrito para alcançar o grande público não especialista em astronomia ou física, não estou certo se alguém sem um mínimo de treino nestes temas possa acompanhar os argumentos de seu autor, o cosmólogo Mário Novello. O livro é inegavelmente bem escrito e objetivo, incluindo um bom glossário dos termos mais fundamentais e também uma pequena bibliografia. Mas no fundo encontramos um texto bastante técnico em seus fundamentos, cujas proposições não podem ser recebidas sem uma devida reflexão (o que nem sempre um leigo pode fazer). O livro se equilibra entre os argumentos técnicos e muita especulação, que necessariamente não podem ser comprovadas experimentalmente hoje (ou, ao menos, não se encaixam no modelo hegemônico de representação do universo hoje). O que Novello discute é um modelo alternativo ao Big Bang, um modelo de cosmologia sem singularidade. Segundo ele os argumentos científicos favoráveis à teoria do big bang foram historicamente superestimados. Na teoria do big bang se entende a origem do universo a partir de um estado extremamente denso e quente. Esta origem é razoavelmente bem localizada no tempo (algo em torno de 13,73 bilhões de anos atrás). Mas há dez anos comprovou-se experimentalmente que o universo está acelerando sua expansão e isto implicou em uma espécie de adaptação do big bang para incluir o que se chama usualmente de energia escura (esta conversa mereceria um detalhamento melhor, mas o leitor curioso deve ler o livro, paciência). Novello argumenta que futuros resultados experimentais farão com que a comunidade científica volte a discutir a possibilidade do universo não ter tido origem em uma singularidade, associando o que identificamos hoje como um ponto singular a um mínimo local no horizonte visível do universo. Ele discute brevemente as propriedades não convencionais do espaço tempo, as possibilidades de formas de energia exóticas, faz um catálogo de cosmologias alternativas. O livro funciona bem como um convite à reflexão sobre estes temas, mas trata-se de uma tarefa árdua (e que certamente não alcançará respostas definitivas tão cedo - como sempre acontece na ciência afinal de conta, pois sua força reside na capacidade de aceitar novos resultados experimentais, novos argumentos e reciclar-se, construindo sempre modelos novos, modelos mais acurados, modelos mais precisos). O livro inclui dois apêndices. Um é uma cronologia breve da cosmologia (muito breve mesmo) e outro um diálogo algo ficcionalizado onde parte dos argumentos do livro são apresentados com a estrutura utilizada por Galileu no seu "Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo" (há algo de pretensioso nisto, pois ele enfatiza que estamos vivendo um momento tão seminal quanto aquele experimentado no início da ciência moderna e não sei bem se esta forma de argumentar ajuda ou atrapalha a discussão apresentada no corpo principal do livro). Eppur si mouve! Vamos ao próximo livro. [início 19/06/2010 - fim 06/07/2010]
"Do bing bang ao universo eterno", Mário Novello, editora Jorge Zahar, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 130 págs. ISBN: 978-85-378-0237-3

segunda-feira, 5 de julho de 2010

crime na feira do livro

"Crime na feira do livro" é uma divertida e movimentada novela policial. Mas esta novela tem uma espécie de irmão mais velho, um folhetim, publicado em 2008, durante os dezessete dias da Feira do Livro de Porto Alegre. Em "Quem matou Adavilson?" um garimpador e revendedor de livros raros, conhecido no mundo dos livreiros porto-alegrenses, é assassinado logo no início da feira. A partir dali Tailor Diniz contava os sucessos da investigação policial na qual Porto Alegre (a Porto Alegre do rio Guaíba, dos jacarandás da Praça da Alfândega, das barracas da Feira do Livro, dos altos da Independência, dos restaurantes, das glamurizadas ruas do Moinho de Ventos, de suas invulgares tribos urbanas) é a grande protagonista. Mas o formato, os dias finitos da feira e os limites do folhetim engessavam a história. Pois Tailor transformou o que era um pequeno folhetim em uma novela que se lê com muito prazer. Claro, ele modificou um bocado do enredo: personagens mudaram de nome, diálogos foram mais encorpados, a ambientação de vários momentos da trama foi melhor definida, enfim, a história encontrou seu formato mais adequado. O investigador inventado por Tailor, o alegretense Walter Jacquet, e seu anfitrião João Macedônio (pois Jaquet parece viver nos Estados Unidos, mas esta é outra história) formam uma bela dupla, icônica das histórias policiais. Entre baforadas de robustos puros, goles de perfumados conhaques e degustação de pratos tradicionais da culinária campeira e gaúcha, eis que Jacquet conta a Macedônio os resultados de sua faina diária na investigação. Os muitos personagens da trama, alguns reais - do mundo porto-alegrense que todos conhecemos, outros inventados, como a curiosa delegada Florença Flores - dão vida e força a esta divertida história. Ao ler o livro lembrei de coisas, nomes, citações talvez, que remetem ao Manuel Vazquez Montalbán e ao Andrea Camilleri, mas isto preciso checar com o Tailor. Na apresentação do livro faz-se menção a um outro livro, onde a gênese de Jacquet é contada. Pois vamos esperar o lançamento de "A confraria do quibe". [início 02/07/2010 - fim 04/07/2010]
"Crime na feira do livro", Tailor Diniz, editora Dublinense, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 133 págs. ISBN: 978-85-62757-12-9

sábado, 3 de julho de 2010

não contem com o fim do livro

Dois senhores quase octagenários conversam sobre tudo relacionado ao livro. Isto significa que discutem o próprio estado da cultura do homem, discutem a memória histórica do homem moderno. Os dois senhores são Umberto Eco (um italiano do norte) e Jean-Claude Carrière (um francês do sul). As entrevistas, ou ainda melhor, as conversas, são intermediadas por um jovem jornalista, Jean-Philippe de Tonnac. Mais do que o título do livro pode sugerir o que encontra neste aqui não é apenas um debate sobre o futuro do livro. Os dois conversam sobre seu amor aos livros, sobre a história da evolução do livro como um suporte ideal, perfeito, para a informação. Ambos bibliófilos, falam da fortuna errante do livro, das coleções, de como formar, utilizar, se desapegar e doar uma biblioteca às futuras gerações. Carrière cita várias vezes um amigo dele, também apaixonado por livros, o recentemente falecido José Mindlin. As reflexões, que misturam erudição e bom humor, nos fazem pensar sobre os desafios do presente e do futuro, onde um mar de informações parece nos sufocar (o futuro era melhor antigamente, diz um deles, com bom humor). É a capacidade de síntese, de seleção do que é importante e do que é trivial em tudo que nos é oferecido no veloz mercado da cultura, que deve ser cultivado, que deve ser ensinado. Há muito neste pequeno livro, nesta pequena jóia, principalmente por não ser necessário concordar automaticamente com tudo o que os dois sábios apresentam. Este é o tipo de livro que deixarei sempre por perto. [início 27/05/2010 - fim 29/06/2010]
"não contem com o fim do livro", Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, tradução de André Telles, editora Record, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 269 págs. ISBN: 978-85-01-08853-6

sexta-feira, 2 de julho de 2010

conta-gotas

Este livro se fez anunciar por vários caminhos. O Lippold, o Athos e o Maúcio já haviam me falado dele. Um dia o recebi, pelos correios. O autor, Cesar Brixner, fez a gentileza de me consultar antes se podia me mandar um exemplar (vejam só como nos surpreendemos com a boa educação, tão inusual hoje em dia). Pois ele publicou um belo livro, que reune poemas de uma vida inteira. Boa parte deles estão em versos brancos (mas eu não sou poeta ou tão entendido neste assunto para ter certeza). Ele reune também bons aforismos e poemas rimados também. São textos que falam da natureza, da cidade, do amor, do ofício mesmo do poeta, de um certo deus, de política. Li o livro com calma, surpreso as vezes com detalhes de design que o livro reune (o projeto gráfico e a produção do livro são assinadas por Creici Brixner, sua filha e designer talentosa). O acabamento esmerado do livro acolhe os bons poemas que contêm. Podemos dizer assim que são duas as artes que se complementam neste livro. Fiquei feliz em tê-lo por perto nestas semanas, onde tantos aborrecimentos da vida prática me assolaram. Vamos a ver se Cesar Brixner fica animado e passe a partilhar conosco mais destes pequenos e curiosos registros de vida. [início 29/05/2010 - fim 27/06/2010]
"Conta-gotas", Cesar Roberto Brixner, editora Manuzio, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 127 págs. ISBN: 978-85-7782-111-2

quinta-feira, 1 de julho de 2010

san paolo

Este livro é uma pequena jóia, um presente de Vincenzo Scarpellini aos paulistanos, aos brasileiros, e também a todos aqueles que gostam de boa arte. Pois este italiano chegou a São Paulo para trabalhar em um projeto gráfico e acabou tomando gosto. Viveu e trabalhou em São Paulo até sua morte, em 2006, com apenas 41 anos. Jornalista e designer de formação, Scarpellini também publicou livros (diz-se que era um bom editor) e montou uma exposição de artes plásticas. Pois este livro de desenhos (à carvão e lápis de cêra em sua maioria) foram originalmente publicados na Folha de São Paulo, em um canto escondido do caderno Cotidiano (é incrível que há dez anos se podia comprar a Folha em bancas de jornal em Santa Maria, e que hoje isto seja impossível - outra história esta, história patética, de uma cidade que teima em empobrecer de todas as formas). Junto com o seus desenhos vinha um pequeno texto, cinco ou seis frases curtas, sempre instigantes, sempre iluminando um aspecto ou outro do cotidiano da cidade que usualmente ignoramos, cegos que somos as cousas realmente importantes que nos cercam. Além de lirismo há muita ironia nestes textos, mas são os desenhos que arrebatam o leitor. Porque não olhamos daquele ângulo antes, porque não encontramos o belo e o inusitado na cidade como ele o fez, porque não experimentamos a cidade com a calma que Scarpellini implicitamente parecia recomendar? São Paulo sabe ser cruel, mas também encanta um sujeito como só as grandes cidades (e são realmente poucas neste mundo) sabem fazê-lo. A edição é bilíngue (tradução para o inglês de Regina Alfarano), muito bem cuidada, com direito a uma curta apresentação assinada por Gilberto Dimenstein. Arthur Nestrovski assina por sua vez uma breve nota editorial onde comenta o justo equilíbrio encontrado por Vincenzo Scarpellini entre a compaixão e a ironia. Os desenhos de Scarpellini se defendem sozinhos, mas estes detalhes, este belo acabamento do livro transforma-o em uma peça única, incrível! [início 21/05/2010 - fim 25/06/2010]
"San Paolo: desenhos e prosa da cidade", Vicenzo Scarpellini, editora Publifolha, 1a. edição (2009), capa-dura 22x16 cm, 176 págs. ISBN: 978-85-7914-051-8