Aprendi com Frank Missell que há livros que se defendem sozinhos. É este o caso deste "Fronteira Iluminada", de Fernando Cacciatore de Garcia. Ele escolheu um assunto específico e reuniu toda a informação factual disponível a partir de uma premissa: as relações diplomáticas entre os povos. Com estas informações produziu um texto que ao mesmo tempo esclarece e ilumina (para usar uma metáfora cara a De Garcia). O livro percorre cinco séculos, dividindo as análises em quatro seções (são cinco na verdade, mas a última vale mais como uma conclusão, um fechamento do texto, que louva as boas escolhas - frutos do iluminismo - feitas pelo Brasil). Se estas quatro seções têm mais ou menos o mesmo número de páginas os sucessos que elas contam se distribuem em períodos de tempo de extensão distinta. A primeira parte do tratado de Tordesilhas e segue até fundação da cidade de Colônia do Sacramento, nascida portuguesa, hoje uruguaia. A grande ambição do rei Carlos III é definir o rio da Prata como a fronteira sudoeste dos domínios portugueses. São 260 anos de história, de indas e vindas, de movimentos ora violentos, ora discretíssimos (como costuma acontecer no mundo diplomático). A segunda parte segue da fundação de Colônia por mais uns cem anos, até sua terceira destruição, em 1777 (Colônia foi construída e derrubada várias vezes, por espanhóis e portugueses). A terceira e a quarta partes percorrem pouco tempo cada uma (os 30 anos que antecedem a vinda do rei D. João VI ao Brasil e os 55 anos que seguem até a criação do estado uruguaio, já nos tempos do rei D. Pedro II). São as mais movimentadas, pois nestes dois períodos acontecem as últimas tratativas que construíram os limites físicos do Rio Grande do Sul. São os períodos onde a disputa é mais renhida, que envolve mais ambição, movimento de tropas, escaramuças (e intensa troca de papéis). Se os sucessos, os nomes dos tratados e das regiões em disputa são mais ou menos conhecidos de todos (pois de fato estudamos tudo isto ainda no ensino fundamental) o tratamento dado por De Garcia realmente nos ensina muita coisa nova, nos acompanha no entendimento da lógica interna dos tratados e das decisões. Aprendi mesmo um bocado neste livro. Ele inclui uma boa introdução, assinada pelo historiador Gunter Axt, copiosas notas e excelentes ilustrações e mapas, que ajudam o leitor a acompanhar sua linha de raciocínio. Fiquei a pensar se é verdade que a história apenas ilumina o já vivido, não justificando o que se passou. Pequenas perturbações, diferentes decisões, poderiam dar um outro rumo para a delimitação destas fronteiras. Parece que assim como Portugal é um capricho inglês, o Uruguai é um capricho brasileiro. Eu, morador da região central do Rio Grande do Sul, poderia estar na fronteira sul do Brasil, lindeiro de um grande Uruguai, que seguiria mais rumo ao norte, até o oeste do Paraná. Ou também poderia estar na parte norte de um Uruguai onde se falasse português e cuja capital fosse uma imponente Colônia do Sacramento, maior e mais influente que uma talvez provinciana Buenos Aires. Estas especulações são minhas, livremente inspiradas pelo belo texto produzido por Fernando de Garcia. É um texto que interessa não apenas o gaúchos, ciosos de seu papel fundamenal na "peleia" por estas terras fronteiriças, mas também pelos demais brasileiros. Só lamento ter perdido o lançamento do livro, lá no porto-alegrense Solar dos Câmara, mas esta é outra história. [início 08/04/2010 - fim 16/04/2010]
"Fronteira iluminada: História do povoamento, conquista e limites do Rio Grande do Sul, a partir do tratado de Tordesilhas 1420 - 1920", Fernando Cacciatore de Garcia, editora Sulina, 1a. edição (2010), capa dura 16x23 cm, 333 págs. ISBN: 978-85-205-0555-7