Quem primeiro falou-me deste livro foi don Ronai Rocha, filósofo dos bons. Trata-se de um pequeno volume, coisa de quarenta ou cinquenta páginas, onde Anne Carson, elenca um conjunto de asserções derivadas da relação entre Albertine Simonet e o narrador do ciclo "Em busca do tempo perdido", aquele que convencionou-se chamar de Marcel, como seu inventor, Marcel Proust. A tradutora e organizadora do livro é Vilma Arêas, ensaísta e professora paulista. Carson reúne em seu livro 59 sentenças, enunciados, que a tradutora preferiu chamar de
fragmentos, e 16 apêndices curtos, que tratam de conceitos e temas
derivados daqueles fragmentos iniciais. Se quase todos fragmentos e apêndices falam do universo que brota dos volumes "La Prisonnière" e "Albertine disparue", percebe-se que alguns focam na natureza da paixão e ciúme, do ponto de vista sociológico e psicológico, enquanto outros tratam dos limites entre ficção e realidade, da transposição de elementos da vida privada na literatura. Há duas coisas no livro e/ou na tradução que me irritaram. Não entendi exatamente o porquê da escolha do "método" no título, em transcriação de "workout". E os apêndices onde se discute a diferença entre metáfora e metonímia podem funcionar em inglês, mas a tradução para o português torna tudo enigmático demais. Enfim. No livro há grandes sacadas e frases francamente tolas, mas o conjunto é bom. A grande questão do livro (para o meu gosto) fica escondida em um curto fragmento, onde Carson cita um "deserto pós-Proust",
definido como o lugar onde vivem a legião dos leitores que realmente
leram todo o ciclo de Proust. Assim como a um depressivo é intolerável
encontrar forças para continuar a vida após aborrecimentos ou mesmo o
tédio, decidir-se a ler outra coisa após ter lido Proust é impossível. Restam então perguntas do tipo: (i) é possível definir-se na vida após um grande fracasso, uma desilusão amorosa
ou mesmo a absoluta glória e reconhecimento?; (ii) haverá dedicação ou
bravura possível para vencermos a inação e partirmos para um novo
projeto?; (iii) não é mais provável que a grande maioria de nós sucumbirá e passará a reler apenas aquele
grande livro, incapaz de seguir em frente?. Acredito que todo leitor Proust gostaria de escrever um livro assim (ou
deveria ser tentado a tentar escrever um livro assim, explicitando sua
obsessão ou familiaridade com o texto). Mas, como já nos ensinou
Beckett, a equação proustiana nunca é simples. Cada leitor se aproxima
do texto e solidifica suas memórias das passagens de uma forma diferente
(nunca conheci quem tivesse exatamente o mesmo sentimento que eu sobre o
conjunto dos personagens, à exceção de don Renato Cohen, com quem li
quase simultaneamente todo o ciclo, nos gloriosos anos 1980). É isso. Bom divertimento.
[início: 02/07/2017 - fim: 04/07/2017]
"O método Albertine", Anne Carson, tradução de Vilma Arêas e Francisco Guimarães, São Paulo: Editora Jaboticaba, 1a. edição (2017), brochura 14x21 cm., 45 págs., ISBN: 978-85-93478-00-0. [edição original: The Albertine Workout (New York: New Directions / New Directions Poetry Pamphlet - book 13) 2014]