segunda-feira, 30 de novembro de 2009

mil e uma noites

Comprei este pequeno livro para matar o tempo presente (uma espera infernal em um consultório) e também matar a saudade de um tempo longínqüo, perdido nos guardados da memória. Nos anos de redemocratização, início dos anos 1980, Paulo Caruso e seu traço marcante faziam uma preciosa crônica das transformações (políticas, econômicas e de costumes) pelas quais passava o Brasil. Reunidas já em vários livros seus quadrinhos, séries e ilustrações falam de um Brasil que é quase desconhecido pelos viventes deste início de século XXI, apesar de terem se passado não mais que trinta anos. A ignorância sobre nossa história e passado ainda nos cobrará muitas faturas terríveis, pois os brasileiros são mesmo assim, particularmente cegos para seu passado e incapazes de antecipar com precisão seu futuro, associando relações da causa e efeito em seu cotidiano. Paciência. "As mil e uma noites" é uma série de quadrinhos que líamos cotidianamente, esperando os desfechos mirabolantes, as reviravoltas engraçadas, as descobertas geniais do ilustrador. São quadrinhos que fazem um censo das noites boêmias de um Brasil que já mudou demais. É engraçado (tolo ou bizarro seriam termos mais adequados) - que atualmente se fale de política e de costumes no Brasil como se o mundo tivesse começado em 2003 com a posse do atual governo. Só os muito imbecis ou os muito astutos podem mesmo concordar com tal platitude, tal desinformação oportunista. O Brasil é muito mais complexo e vasto que o lula e seus petistas amestrados fazem questão de propagandear, medíocres que são. [início - fim 18/10/2009]
"As mil e uma noites", Paulo Caruso, editora L&PM (1a. edição) 2007, brochura 10,5x18, 106 págs., ISBN: 978-85-254-1575-2

domingo, 29 de novembro de 2009

in the dutch mountains

Publicado originalmente em 1984 "In the Dutch mountains" é um livro onde lemos um escritor escrevendo um livro (que virá a ser o livro que temos em mãos a ler). Como nos demais livros de Nooteboom que já li neste há elementos algo mágicos, ora flertando com os contos de fada, ora com o mundo interior dos indivíduos. Um espanhol, da região de Zaragoza, engenheiro e responsável pela manutenção das auto-estradas (as carreteras) da região, aproveita seus meses de férias para se isolar em um colégio e escrever ficção. Já publicou alguns livros, sem fazer muito sucesso de vendagem, mas é o tipo de sujeito que preza a literatura acima de tudo e prefere gastar suas férias escrevendo que viajando ou ficando com a família. Quando era jovem passou uma temporada nas terras holandesas e domina um tanto do idioma. O livro que ele está escrevendo (e sobre o qual reflete o tempo todo, criando planos entre a ficção produzida por ele e a ficção produzida por Nooteboom) é uma alegoria, um conto de fadas, mais ou menos baseado na história da rainha das neves. Se é que eu me lembro bem uma rainha do polo norte sequestra um menino (que tem uma farpa de gelo encravada em seu coração). A irmã do menino procura por ele e o encontra enregelado no palácio de gelo da rainha. As lágrimas da irmã despertam o menino e o livra do encanto, permitindo que ambos retornem para casa. No livro que o personagem de Nooteboom está escrevendo dois outros personagens, Kai e Lúcia, ideiais de beleza masculino e feminino, trabalhavam em um circo, que acabou de cerrar as portas. A falência do circo foi uma armadilha para atrair os dois para uma proposta de trabalho no sul da Holanda, que é quase outro país, com controle fronteiriço, máfias controlando todas as atividades. Kai é sequestrado por uma rainha das neves (uma mafiosa da fronteira). Lúcia é ajudada por uma anciã e um velho palhaço. A rainha das neves mantêm Kai como um escravo sexual (e ele aos poucos esquece da namorada). Lucia descobre que o palhaço que a ajuda é uma mulher. Elas conseguem entrar no castelo onde Kai está aprisionado e o salvam (após um tiroteio onde todos os personagens perversos - estafetas e prepostos da rainha das neves - morrem). O narrador/escritor espanhol fica feliz por ter alcançado um final feliz para o livro que está escrevendo. Ele fica sozinho no pátio do colégio jogando amarelinha, como se fosse novamente uma criança. Se é que todo livro tem um moral, eu diria que Nooteboom no fundo nos está apresentando os desafios da unificação européia, do conflito entre o norte frio, objetivo, refinado, organizado e o sul sangüineo, pobre, perigoso, violento. Ele discute um tanto sobre ideiais de beleza, sobre linguagem e filologia (que aproximam e afastam os homens), sobre a psicologia e a auto-imagem que cada um tem, sobre o poder das armas e da sexualidade. É um livro bom de se ler, que faz perguntas interessantes ao leitor. Nunca é demais elogiar o grande sujeito que é Nooteboom. [início 26/08/2009 - fim 14/10/2009]
"In the Dutch Mountains", Cees Nooteboom, tradução de Adrienne Dixon, Penguin books (1a. edição) 1987, brochura 13x19,5, 128 págs., ISBN: 0-14-011829-2

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

vento norte

Ainda no ínicio de 2004, depois de ler na Folha de São Paulo que Tarso Genro justificava a esquizofrenia dos primeiros dias do governo lula ao "rebaixamento do horizonte utópico do pt", percebi que tudo o que é dito por um petista só poderia mesmo ser entendido como peça ficcional, sem qualquer decalque no mundo real. Esta espécie de epifania poupou-me de muitos aborrecimentos. Recentemente don Ronai Rocha me disse que Tarso Genro havia publicado livros de poesias. Quase na mesma época consultei uns jornais velhos por conta de um texto que escrevia sobre o prêmio literário Fellipe d´Oliveira. Descobri neles que o mesmo Tarso ganhou um segundo lugar de poesias do Fellipe d´Oliveira em 1978 (perdendo para o médico Luiz do Prado Veppo). Ulalá pensei! Um Tarso Genro explicitamente ficcional deve ser divertido. Procurei na estantevirtual e achei três livros: Vento norte (1964), Acorda palavra (1969) e Luas em pés de barro (1977). Estes dois últimos não li, mas o primeiro, que Tarso assina "tarso fernando h. genro, estudante, 17 anos, santa maria, rio grande do sul" (quem já leu o "Retrato do artista quando jovem" vai lembrar do anacronismo desta fórmula) me pareceu tentador demais para não dedicar a ele um par de horas. É mesmo divertido. São versos brancos que falam das estações, da natureza, das moças e rapazes, das paixões juvenis, dos ruas e espaços públicos da cidade. Curiosamente ele escreve tudo em caixa baixa (em minúsculas, como e.e. cummings ensinou, mas Tarso não deveria saber quem era Cummings em 1964). Assim Fidel Castro, Hiroshima, Krushev, Lindon Johnson, França, Nagasaki são grafados fidel castro, hiroshima, krushev, lindon johnson, frança, nagasaki. Mas sua transgressão juvenil e coragem intelectual tem limites bem definidos. Ele não se permite uniformizar o estilo e escreve "Deus" (várias e várias vezes) e "Pai Universal" (uma única vez) em em caixa alta, como se grafar "deus" pudesse amaldiçoá-lo de alguma forma. Proust já nos ensinou que uma fila extensa de odiosas encarnações nos liga do berço ao esquife (na verdade é Elstir quem nos ensina isto, quando é flagrado pelo narrador com uma lembrança incômoda). Talvez o jovem tarso genro, estudante, 17 anos, fosse apenas um jovem beato e temente à deus, algo tolo e pueril, fazer o quê, mas ainda assim um jovem com licença para cometer poemas açucarados e banais, como qualquer jovem, de qualquer tempo e lugar. O atual Tarso, ex-prefeito, ministro, candidato, hoje já é vetusto demais, escreve e fala platitudes demais para que eu procure nelas alguma verdade. O narrador de "Em busca do tempo perdido" se satifaz com as explicações de Elstir, mas meu coração paulista é menos tolerante. Cabe o registro que o livro tem uma bela capa, assinada pelo artista plástico santa-mariense Eduardo Trevisan. [início 19/09/2009 - fim 26/09/2009]
"Vento Norte", Tarso Fernando Herz Genro, editora Manuzio (1a. edição) 1964, brochura 14,5x19,5, 45 págs., sem ISBN

sábado, 21 de novembro de 2009

venimos a cenar

Comecei a ler este pequeno livro de receitas ainda na velha feiticeira, mas não tive a chance de produzir as delicinhas que nos apresenta e ensina sua notável autora (que tem o cinematográfico nome de Margot Fontaine). Lembro-me que o encontrei em uma livraria da carrer Ferran, bem ao lado da lojinha de jóias de Sílvia Serra, catalana de quatro costados. As idéias que encontramos no livro são bem ao estilo "tapeo" espanhol, de comidas que podem ser encontradas em uma barra despretensiosa ou em uma cozinha modesta, escondida em qualquer cidade ibérica. São pratos que podem ser produzidos de improviso, quando um amigo telefona e pergunta se pode passar para uma conversa no final da tarde: lembramos o que há na geladeira ou na despensa e imaginamos rapidamente o que podemos preparar com o que temos à mão. Mais que um livro de receitas é um manual que ajuda a cada um de nós a celebrar a amizade e o saudável hábito de conviver com pessoas queridas, além do imaterial prazer de cozinhar para elas em meio a música e sol, bons vinhos e conversa franca. Não há porque (nem como) não se encantar com as propostas deste pequeno livro. [início 01/08/2009 - fim 19/10/2009]
"Venimos a cenar!: cocina para invitados imprevistos", Margot Fontaine, El cuerno de la abundancia [ José J. de Olañeta, editor ] (1a. edição) 2006, brochura 10,5x15, 126 págs., ISBN: 84-9716-482-2

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

summertime

Lembro-me bem da forte impressão que tive ao terminar a leitura de "Boyhood" (1975) e "Youth" (2002). O primeiro li logo que soube da existência de J.M. Coetzee, ganhador do Nobel de 2003, era uma edição já antiga da Best Seller. Já o segundo li assim que publicado pela Companhia das Letras em 2005. Lembro-me que dei ele de presente para a Cristina Polo, mas ela ficou preocupada com o ar sombrio do livro. Não são exatamente livros fáceis. Eles se inserem no que usualmente se chama "romances de formação". Neles Coetzee descreve o que ele chamou de "cenas da vida provinciana" de um garoto de ascendência boer na Africa do Sul que emigra posteriormente para a Inglaterra. Os paralelos com a vida do próprio Coetzee são óbvios, mas ele escreve sem se trair e sem deixar o leitor se interessar mais pelo escritor Coetzee que pelo personagem John. "Boyhood" lembra o "Retrato do artista quando jovem", claro, com descrições de sofrimento e ritos de passagem juvenis (portanto algo cerebrais demais) de um narrador que vive em uma terra inóspita, que conta suas preocupações com a mãe, o pai, a literatura, o desejo sexual, a presença incômoda e visível do apartheid. No final ele mostra seu caminho: "se ele não lembrar os livros e a existência de sua tia Anne, grande leitora, quem lembrará?" Já em "Youth" o narrador termina o nível superior ainda na Africa do Sul e emigra para a Inglaterra para trabalhar. Ele é matemático, mas como gostava das aulas de literatura e línguas, pretende ser afinal um poeta. Começa um mestrado em literatura. Os anos 1960 na Inglaterra são um parque de diversão para os sentidos, mas ele tem uma vida de imigrante dura e limitada, trabalha como programador para a IBM, um destino impessoal e inglorioso demais para quem se pretendia um poeta inovador. Seus relacionamentos afetivos são conturbados e insatisfatórios. "Summertime" é uma continuação óbvia destes dois romances. Lançado em 2009 foi finalista do prestigioso Booker Prize. Aquele que nós leitores podemos imaginar como o sujeito "John" dos romances anteriores alcançou alguma fama como escritor, mas já é morto. Um escritor pretende fazer uma biografia deste "John" e organiza entrevistas com pessoas que estiveram próximas a ele no período de cinco ou seis anos posteriores a emigração de volta à Africa do Sul após sua temporada londrina: uma amante de sua Africa do Sul natal, uma vizinha na verdade; uma prima africanner, sua amiga de infância; uma brasileira, forçada pelas filhas para contratá-lo a dar aulas de inglês a elas; um professor de inglês da Universidade do Cabo, com quem John disputou uma posição acadêmica; uma outra colega acadêmica, professora de francês na universidade, que também foi amante de John. Cada uma das entrevistas é escrita em um estilo diferente. Ora são quase transcrições literais das conversas, ora são textos já algo ficcionalizados para comporem um livro. Algumas são mais intelecutalizadas, outras mais diretas e objetivas. São quase exercícios literários. Os entrevistados e o entrevistador falam dos livros que John publica (onde parte do material ficcional é baseado na vida e no relacionamento dos entrevistados). São os livros que J.M. Coetzee publicou nos anos 1970 e 1980 (Dusklands, In the Heart of the Country, Waiting for the Barbarians, Foe). É um livro curioso, denso, mas bastante bem humorado (comparado com os dois primeiros). Aprendemos que Coetzee é um bom crítico de sua produção (afinal ele nunca deixou de ser um professor universitário). Os paralelos com sua vida são evidentes, mas o personagem John é apenas o veículo para o autor refletir sobre a vida, sobre as transformações por que passa, sobre as distintas percepções que cada um faz de si mesmo e dos outros com quem convive. No final o biógrafo nos mostra os últimos apontamentos de seu biografado, trechos fragmentários de romances que ele tensionava escrever, material para uso posterior em suas experiências ficcionais. A personagem brasileira é curiosa. Ela fugiu do Brasil por conta do golpe militar de 1960, emigrou para Angola e tentou a sorte posteriormente na Africa do Sul com o marido e duas filhas. O marido é morto em um assalto banal e ela tem grandes dificuldades em manter-se no país para onde emigrou. As dificuldades desta personagem lembram um tanto as dificuldades dos emigrantes africanos e latino-americanos na Europa deste cruel século XXI. Ao mesmo tempo a personagem brasileira é a única que incisivamente manifesta pouco apreço pelo personagem que está sendo biografado (pois ele acreditava que ele poderia assediar sexualmente suas filhas). Apesar desta personagem fazer o papel de vilã me parece que Coetzee a retrata como uma heroína a seu modo, uma mulher que consegue resistir às vicissitudes com determinação e força moral. Haverá espaço para uma continuação? Coetzee poderia inventar que alguém encontra por acaso romances não publicados daquele "John" morto precocemente, romances que seriam os do Coetzee nos anos 1990 e 2000. Já veremos o que este instigante escritor nos reserva para o futuro. [início 06/10/2009 - fim 19/10/2009]
"Summertime", J.M. Coetzee, editora Harvill Secker (1a. edição) 2009, capa-dura 14,5x22, 266 págs., ISBN: 978-1-846-55318-9

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

el sueño mexicano

Li boa parte deste livro nas praias ainda no verão passado. Fiquei uns bons dias sentado, perto do mar, bebericando algo e acompanhando as reflexões de Le Clézio. Não cheguei a terminar naquela época. Aí começaram os sucessos do ano letivo e as correrias da vida. Emprestei o livro para uma amiga entusiasta da cultura andina e mexicana, que levou-o na bagagem em uma viagem sentimental ao México. Elenir leu o livro todo bem antes de mim. Quando ela devolveu-me o livro eis que me organizei para terminá-lo, mas já havia perdido o ritmo das praias e demorei bastante para me entender com os argumentos do autor. Trata-se de um detalhado ensaio sobre as culturas e os povos pré-hispânicos, principalmente sobre detalhes da mitologia destes povos. Le Clézio não é nada superficial. Ele estudou a fundo as muitas camadas de mitologia, filologia, linguística e aquilo que a historiografia da área recuperou daquela época. Produziu um texto que além de nos ilustrar um tanto, serve como um libelo contra a violência e a ignorância. Não se consegue ler este livro sem ficar com um certo mal estar. O autor descreve a violencia cíclica e intrínsica que os povos ameríndios pré-colombianos experimentavam entre si (pois formavam sempre sociedades hierarquizadas, com uma definida aristocracia dominante) mas, segundo ele, ao mesmo tempo: "Eles estavam a ponto de desenvolver um sistema filosófico que poderia resolver as contradições do mundo antigo. Através do transe e da revelação chamanísta se alcançava uma harmonia entre o real e o sobrenatural. A concepção de um tempo cíclico e a idéia de uma criação baseada na catástrofe poderiam ser os pontos de partida de um novo pensamento científico e humanista. O respeito às forças naturais e a busca de equilíbrio entre o homem e o mundo talvez poderiam influenciar o progresso técnico do mundo ocidental, tornando-o menos radical e determinista." São especulações interessantes, que levam o leitor a pensar. Aprendi recentemente com Javier Marías que não há sentido algum em pedir que o atual rei da Espanha peça desculpas pelos crimes cometidos por Hernán Cortés, nem que o atual papa peça desculpas pelos crimes cometidos pelo tribunal do santo ofício contra Galileu Galilei ou quem quer que seja. O que os homens podem fazer é apenas aprender com o passado e esperar que as futuras gerações possam errar um tanto menos. Le Clézio é mesmo um sujeito de muitas habilidades. [início 26/01/2009 - fim 18/10/2009]
"El sueño mexicano: o el pensamiento interrumpido", J.M.G. Le Clézio, tradução de Mercedes Córdoba e Tomás Segovia, editora Fondo de Cultura Econômica (1a. edição) 1992, brochura 11x17, 278 págs., ISBN: 968-16-3699-6

domingo, 8 de novembro de 2009

imitador de vozes

Nunca havia lido nada de Thomas Bernhard. Nos guardados de minha biblioteca encontrei um exemplar de bolso de "O náugrafo", de 1996, mas não me lembro de tê-lo lido. A capa deste "O imitador de vozes" chamou-me a atenção e li este conto ou mini-conto, que dá nome ao livro, ainda em pé, nos corredores da CESMA. Ao final são 108 histórias curtas, monotemáticas. Parece que o estilo que Bernhard é este mesmo. Ele repete os temas, o estilo, os personagens e a paisagem das histórias, mas com isto ele ensina ao leitor a prestar atenção ao que realmente importa: a meu juízo a fragilidade da condição humana, não a fragilidade física, mas sim dos aspectos morais da condição humana. As histórias começam como contos de fada, ambientados em alguma cidadezinha pitoresca da Alemanha, da Aústria, da República Tcheca. Os temas são banais e vulgares. São viagens, encontros, caminhadas, lembranças e têm quase sempre tem um desfecho trágico. Os personagens são variados: gente do campo, músicos, cantores, filósofos, professores, burocratas, homens de negócios, políticos. Como seu estilo é bastante direto e factual, resta ao leitor aguçar o espírito e entender a hipocrisia inerente da sociedade que engendra histórias tão patéticas (sobretudo por serem críveis apesar do absurdo intrínsico de cada uma delas). Os cadáveres vão se empilhando e ao final do livro estamos fartos da matança, se não física, ao menos moral de cada homem e mulher deste desgastado mundo novo em que vivemos. [início 15/09/2009 - fim 15/10/2009]
"O imitador de vozes", Thomas Bernhard, tradução de Sérgio Tellaroli, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 159 págs., ISBN: 978-85-359-1504-4

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

wabi sabi

Comprei este livro para dar de presente à Helga. É um livro para quem gosta de gatos e gosta de arte e também um livro para quem gosta de refletir sobre a vida. Mostrei a ela pelo skype uns dias antes de seu aniversário. Transcrevi o texto, ao qual juntei algumas das belas ilustrações do livro (colagens e gravuras na verdade) que achei na internet. No livro conta-se uma curta história de uma gata curiosa sobre o significado de seu nome: "Wabi Sabi". Para a cultura japonesa Wabi Sabi é um conceito importante, associado à estética e ao modo mesmo como os japoneses vêem o mundo. Se é que eu entendi bem uma coisa para ser completamente bela (em termos japoneses) deve incluir em si uma imperfeição, uma incompletude, uma impermanência. É um termo emprestado do taoismo e do zen-budismo que pode ser usado por artistas, designers, arquitetos, poetas (por todos e por ninguém em particular). Todos os personagens que a gata encontra durante sua viagem de auto-conhecimento respondem à ela que seu nome "é um tanto difícil de explicar", coisa que a deixa progressivamente mais curiosa, mas ao final ela alcança uma compreensão. As colagens que enfeitam o livro são de fato belíssimas (Ed Young é o nome do sujeito que as produziu) e o tratamento gráfico do livro é muito bom. Talvez eu devesse incluí-lo na categoria de livro de arte e não como infanto-juvenil, como sugere o próprio editor. O livro inclui vários haicais. Acredito que Helga gostou desta nova gata que a espera por aqui. Feliz aniversário gata, uma vez mais. [início 14/10/2009 - fim 14/10/2009]
"Wabi Sabi", Mark Relbstein, tradução de Luzia Aparecida dos Santos e Monica Stahel (haicais), arte de Ed Young, Editora Martins Fontes (1a. edição) 2009, capa-dura 27,5x27,5, 40 págs., ISBN: 978-84-7827-164-0

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

sanshiro

"Sanshiro" é um romance do mesmo autor de "Eu sou um gato" e "Kokoro" que já resenhei aqui. Gostei dos dois livros anteriores e gostei deste também. São temáticas e tratamentos distintos, mas o autor sabe contar sua história e ensinar algo ao leitor. É incrível com um bom romance sobrevive ao tempo (Sanshiro foi publicado em 1908). Esta leitura deu-me um prazer adicional, pois ganhei o livro de presente de Helga catalana, senhora das livrarias e espaços culturais barceloneses. Foi mesmo um grande presente. A história que se conta é curiosa: um rapaz sai da província e chega a capital Tóquio para estudar na universidade. O mundo cosmopolita e sofisticado da cidade grande enfumaça a percepção que este rapaz tem das experiências pelas quais passa. Um sujeito da mesma cidade do narrador estuda ciências (física especificamente) e tem um relacionamento com a cidade e com a universidade que é mais pragmático e objetivo que aquele escolhido pelo narrador. Os outros interlocutores importantes do narrador são um colega dispersivo e algo inconsequente (que lembra o Bloch de Proust); um pintor de relativo sucesso (que lembra o Elstir de Proust); um tolo professor de universidade (que lembra o Cottard de Proust); uma moça (por quem se apaixona a primeira vista, claro, e que lembra a Gilberte de Proust); uma outra moça (que ajuda e com quem tenta estabelecer uma relação de amizade, que lembra a Albertine de Proust). É um romance que descreve como um sujeito aprende a decodificar o mundo, ou seja, aprende a interagir com as sutilezas do comportamento humano e se conhecer propriamente falando. As muitas confusões e situações nas quais o narrador se envolve são típicas de quem está tentando conhecer o mundo real a seu redor, sem as máscaras da ignorância e/ou do preconceito. Incrível como neste romance, anterior ao poderoso Proust que domina minhas melhores lembranças literárias, Soseki consegue construir personagens verossímeis e ao mesmo tempo tão atuais. Talvez eu exagere um tanto nos paralelos entre este livro e aqueles do ciclo "Em busca do tempo perdido", mas trata-se de um romance que não deixará nenhum leitor indiferente. Belo presente este de doña Helga. Vamos a ver se leio agora "Botchan", romance que deu fama perene a Soseki. Veremos. [início 18/09/2009 - fim 06/10/2009]
"Sanshiro", Natsume Soseki, tradução de Yoshino Ogata, Editorial Impedimenta (1a. edição) 1999, brochura 13x20, 330 págs., ISBN: 978-84-937110-0-9

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

galileu galilei

Neste pequeno livro Antônio Augusto Passos Videira (professor e pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro) nos apresenta com rigor e riqueza historiográfica um pouco da vida e das descobertas de um sujeito que contribuiu muito para mudar a forma como o ser humano se vê e interpreta o mundo em que vive. Em meados de 1609 Galileu Galilei usou e aperfeiçoou um recém-descoberto instrumento, aparentado ao que hoje chamamos de luneta, para observar o céu. Galileu viu que Júpiter tinha satélites como a Terra, que Vênus tinha fases como a Lua, que o Sol tinha manchas e sobretudo observou detalhadamente a Lua. Estas observações foram publicadas no livro "Siderius Nuncius - O mensageiro das estrelas", em 1610. O impacto da forma que Galileu usou para proceder seu trabalho experimental e expôr suas conclusões teóricas marca uma mudança fundamental nas ciências naturais, sobretudo a matemática, em certa medida contribuindo para consolidar aquilo que chamamos de ciência moderna, e na própria história do homem, fortalecendo o papel do trabalho intelectual, o papel do indivíduo que produz conhecimento a partir de observações (e não a partir de revelações místicas). A União Astronômica Internacional escolheu 2009 como o Ano Internacional da Astronomia para lembrarmos e comemorarmos os feitos de Galileu. Guto Videira disserta no livro as descobertas em si, mas também comenta e reflete sobre as muitas contribuições científicas de Galileu, pontuando e exemplificando repetidas vezes. O livro é escrito em uma linguagem acessível, inclui uma generosa sessão de sugestões comentadas de leitura e uma completa relação dos livros publicados por Galileu. Voltado para todo aquele que tem curiosidade científica mas também não suporta diluições e vulgarismos "As descobertas astronômicas de Galileu Galilei" é um livro que se deixa ler com muito prazer. [início 01/10/2009 - fim 03/10/2009]
"As descobertas astronômicas de Galileu Galilei", Antônio Augusto Passos Videira, Vieira & Lent editores (1a. edição) 2009, brochura 13x18, 112 págs., ISBN: 978-85-88782-61-7

terça-feira, 3 de novembro de 2009

el paraíso está aquí al lado

"El paraíso está aquí al lado" é o primeiro livro de Cees Nooteboom, publicado quando ele tinha vinte e um, vinte e dois anos, em 1955. O título original é Philip en de anderen, algo como Philip e os outros. É um conto de fadas, uma história onde se conta uma viagem de iniciação de um jovem, por cidades européias muito distintas entre si (cidades da Itália, da França, da Holanda e da Escandinávia), viagem onde ele mantem contato com pessoas muito diferentes e tem experiências marcantes. Não é um livro muito fácil de ler. Há muitas camadas de histórias que se superpõe e por vezes é difícil descobrir quem é mesmo o narrador ou de quem ele fala. Os temas que Nooteboom irá utilizar ou ao menos citar em seus trabalhos posteriores estão neste livro: as estradas, os caroneiros e os caminhões, os mosteiros e os monges, o circo e os mágicos, a mitologia grego-romana e a fantasia, as cidades e a paisagem, as mulheres e a necessidade de viajar para entender a si próprio. O livro começa e termina com visitas a um tio iconoclasta e sofisticado. No primeiro encontro o jovem narrador tem seis anos e aprende a aceitar as convenções do tio. No último o narrador, já mais rebelde, pensa mais em si que nas regras da boa educação ou da hipocrisia. Nesta edição espanhola que li (da Galaxia Gutenberg, belíssima cabe dizer) há um epílogo escrito por Nooteboom em 1999, onde ele comenta a recepção favorável que este livro teve por uma geração ou mais de contemporâneos e filhos de contemporâneos seus. É um texto curto, duas ou três páginas, mas muito poético. Ele lembra o leitor que a passagem do tempo não é isenta de perigos e que nossas sucessivas encarnações ao longo da vida tornam os jovens que fomos por vezes extranhos demais para que com eles privássemos de alguma intimidade ou mesmo alguma lembrança favorável. Cees Nooteboom sabe mesmo contar uma história. [início 20/08/2009 - fim 28/09/2009]
"El paraíso está aquí al lado", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal y Pedro Gómez Carrizo, Ediciones Galaxia Gutenberg (1a. edição) 1999, capa-dura 12,5x21, 190 págs., ISBN: 84-8109-251-7

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

penápolis

Máucio, como é conhecido o Mario Lúcio Rodrigues, é um sujeito de muitos talentos e vez ou outra nos surpreende com um empreendimento curioso. Sua última sacada interessante é a publicação deste pequeno livro de cartuns onde as galinhas e os galos contam histórias. Alguns dos cartuns já haviam sido publicados na revista/fanzine "Garganta do diabo", outros foram produzidos para esta edição. Os personagens falam de variados temas próprios do cotidiano, com humor mais que ironia, com alegria mais que crítica. Não há como eu emular um dos cartuns aqui e esperar que você entenda a proposta, portanto, se você gosta de quadrinhos, charges e cartuns a sugestão é procurar um dos serviços de tele-entrega que o o Máucio inventou para fazer chegar o livro até a sua casa. Bom divertimento. [início 27/09/2009 - fim 27/09/2009]
"Penápolis: o mundo, segundo as galinhas", Máucio (Mario Lúcio Bonotto Rodrigues, editora Manuzio (1a. edição) 2009, brochura 15x15, 60 págs., ISBN: 978-85-xxx-xxxx-x