Com esse volume Haruki Murakami termina sua trilogia
"1Q84". Já falei um tanto sobre esse longo romance nos registros do
livro1 e do
livro2. Não vou contar como terminam os sucessos de Tengo e Aomane pois obviamente isso estragaria boa parte do prazer de um eventual leitor da trilogia. Mas posso deixar aqui alguns comentários ligeiros (mas de qualquer forma, por favor, pare aqui caso você não goste de
spoilers). Diferentemente dos dois livros anteriores agora não são mais capítulos alternados dedicados a Aomane e a Tengo. Ushikawa, o persistente investigador particular contratado pela seita religiosa cujo líder Aomane matou no segundo livro (e sobre o qual Tengo revelou segredos ao reescrever a história da jovem Fukaeri no primeiro livro) agora toma um terço da narrativa para contar como persegue os dois. Associar a aventura de nossa vida (nós leitores do livro, no mundo contemporâneo real) a um mundo paralelo no qual Aomane, Tengo e Ushikawa participam de um jogo cujas regras são desconhecidas e também mutáveis ao mesmo tempo parece ser a metáfora principal do livro. O acaso, as surpresas, os desdobramentos dos atos simples que os protagonistas da história de Murakami vivem espelham nossa vida, nossa experiência com a magia e o absurdo das cousas. É pouco sofisticado para mim, mas paciência, Murakami é o senhor da história que inventou. O que me irrita mais no livro são as repetições exaustivas de cada acontecimento. Todos os personagens, desde o mais simplório e inútil até o narrador mais do que onisciente, repetem ao leitor cada causo importante do livro. É chato. As dificuldades de Aomane em ler "
Em busca do tempo perdido", de Proust, durante as semanas em que fica incomunicável em seu apartamento são risíveis (pois no livro de Proust o leitor tem que se esforçar um bocado para entender a trama e no livro de Murakami o excesso de fantasia só serve para esconder o quão simples é a história que se narra. Outra coisa que não gosto no livro são as descrições com "
merchandise": o chopp é
Calsberg; a whiskey é
Cutty Sark; o posto de gasolina é
Esso; a câmara fotográfica é
Minolta; o cigarro é
Seven Eleven , a empresa é
NHK; o distrito é
Kôenji; o bairro é
Jiyûgaoka; a estação de trem é
Shinjuku. Paciência. Enfim, "
1Q84" me parece uma versão um tanto mais adulta de "
O mundo de Sofia" (de Jostein Gaarder), talvez um "
O mundo de Sofia" misturado com aquele cristianismo alternativo (hipster?) de livros como "
O código Da Vinci" (de Dan Brown) por exemplo. Claro que vou continuar lendo coisas de Murakami (a Ana Marques já me disse que gostou de "
Kafka à Beira-mar", o Olavo falou bem de "
Norwegian Wood" e o Parreira disse que gostou dos dois). Mas agora é tempo de viajar. Ler o Hughes, o Graves, o Nabokov. E depois contar sobre as maravilhas de Dublin, Madrid, Pamplona. Veremos.
[início: 29/12/2014 - 14/01/2015]
"1Q84, livro3 (outubro-dezembro)", Haruki Murakami, tradução de Lica Hashimoto, Rio de Janeiro: editora Objetiva
/ Grupo Prisa, 1a. edição (2013), brochura 15x23,5 cm., 469 págs.,
ISBN: 978-85-7962-264-9 [edição original: 1Q84 ((いちきゅうはちよん) (Tokyo: Shinchosha Publishing Co) 2010]