Publicado em meados de 2012, "Serena" é o romance mais recente de Ian McEwan. Já li um bocado de coisas dele (os registros podem ser encontrados aqui). Confesso que gosto particularmente dos romances e contos mais antigos, principalmente "O jardim de cimento" e "Primeiro amor, últimos ritos (textos que lhe valeram imediato reconhecimento e a alcunha de Ian "macabro", por serem sombrios, violentos, agressivos). "Serena" não tem nada de sombrio, trata-se antes de uma história de amor, ainda que algo disfarçada (uma versão feminina de "O inocente",
um outro dos livros antigos dele, outra imersão no universo das
histórias de espionagem dos tempos de guerra fria). Ainda há uma outra
diferença fundamental entre eles: "Serena" é produto de um
escritor que domina muito melhor seus recursos, que faz melhor uso de
procedimentos metaliterários, que sabe controlar aquilo que oferece ao
leitor (e com isso torna o livro um tanto mais interessante que a
banalidade do tema pode de fato, e intrinsicamente, oferecer). A
protagonista da história é Serena Frome, que conta acontecimentos de sua
vida quarenta anos atrás, quando era uma típica garota inglesa do
início da década de 1970, época de crises financeiras e políticas, dos conflitos mais sangrentos entre
católicos e protestantes na Irlanda do Norte (e também os anos que antecedem a
guerra do Yon Kipur e a primeira grande crise de abastecimento de
petróleo). Após formar-se sem muitos méritos na universidade ela se envolve com um
sujeito mais velho (que ficaremos sabendo depois tratar-se de alguém que
vazava segredos aos russos) e é recrutada pelo Serviço Secreto
Britânico. Esse, com poucos recursos, desaparelhado, uma sombra de seu
congênere norte-americano, envolve a garota em um projeto obviamente
condenado ao fracasso: seduzir um promissor jovem escritor para que ele -
sem o saber - seja subsidiado pelo governo, escreva livros
"anti-comunistas", favoráveis às políticas britãnicas daquela época e,
com isso, influencie a opinião pública. Serena não é exatamente talhada para o ofício e acaba se apaixonando
(antes pelos contos e logo pelo autor dos contos, o tal jovem escritor,
Tom Healy). O fracasso do projeto é fácil de explicar. Qualquer sujeito que tenha lido
um tanto de marxismo sabe como o aburguesamento de parte das classes
proletárias é algo intrínsico na lógica do capitalismo, já que o
arrivismo sempre faz com que o sujeito renegue - ou reinvente -
seus projetos e sonhos de juventude. E é isso que acontece com Tom e Serena, que passam a viver uma vida de prazeres, hedonista, às custas do erário público. McEwan inclui longas descrições dos contos de Healy (talvez
10% de todo o livro) que são terrivelmente tediosas (mesmo me parecendo
remeter exatamente aos primeiros contos do próprio McEwan). Em "Serena" McEwan fala de mundos literários possíveis, de carreiras literárias possíveis, como aquela de um escritor mediano que desloca suas histórias para temas que justificam e
explicam as escolhas morais que faz após alcançar o sucesso inicial, ou a de um escritor forte que entende a armadilha em que se meteu e a inverte, transformando-a em uma ficção poderosa, ou talvez, numa terceira de muitas possibilidades, talvez a dele próprio, que afinal de contas nunca deve ter encontrado uma espiã/musa inspiradora como Serena em sua vida, mas que construiu uma carreira de sucessos. Sem seus registros pós-modernos o livro é de uma chatice dos diabos. Na história que se conta, após muito
sexo e mais que melosas cenas de amor, chegamos a um desfecho e descobrimos o truque que
acaba por explicar a existência do livro que acabamos de ler (que obviamente não posso
detalhar ainda mais aqui, por mais canalha que acabem sendo estes meus
registros). Bobagem. "Serena" é apenas um livro apenas mediano. Paciência.
[início: 17/03/2013 - fim: 28/03/2013]
"Serena", Ian McEwan,
tradução de Caetano W. Galindo, São Paulo: editora Companhia das
Letras, 1a. edição (2012), brochura 14x21 cm., 382 págs., ISBN:
978-85-359-2121-2 [edição original: Sweet Tooth (London: Jonathan Cape)
2012]