Só conheço o Daniel Dago virtualmente, em função de nosso interesse mútuo pela Holanda. Ele é um estudioso das cousas holandesas, é um jovem tradutor e entusiasta divulgador daquele país e cultura. Eu sou apenas um disciplinado leitor de Cees Nooteboom. Recentemente o Daniel alcançou convencer uma editora brasileira a publicar cousas que ele vem traduzindo há pelo menos uma década. Felizmente foi a Zouk quem encampou o projeto dele. Que edição bonita, bem acabada, gostosa de ler. A capa-dura remete a um grafismo do Mondrian. Cada história vem acompanhada de um curto registro biográfico de seu autor. São 18 contos, de 18 escritores diferentes, escritos entre 1839 e 1939, cronologicamente distribuídos. Os contos mais antigos, seis deles, são anteriores a virada do século XIX para o XX. São as propostas mais estranhas, mais impenetráveis, que cobram mais paciência do leitor. Gostei particularmente das histórias de Frederik van Eeden (uma fábula sobre a justiça) e de Jacobus van Looy (o assustador relato da morte de uma gata). O estranhamento com os demais talvez seja similar ao que experimentamos caso fôssemos obrigado a reler autores brasileiros do século XIX. Paciência. Nos demais, ou seja, dentre os doze restantes, aqueles originalmente publicados já no século XX, encontrei historias mais próximas de meu gosto. Diverti-me com seis delas, aquelas assinadas por Carry van Bruggen, Alberto Verwey, Louis Couperus, Marcellus Emants, Simon Vestdijk e Arthur van Schendel. São propostas bem diferentes entre si, formando um panorama, como prometeu o Dago em sua boa apresentação do livro. Há contos que abusam da fantasia ou algo similar ao realismo mágico, já outros que flertam com o realismo e com experimentações modernas. De qualquer forma, mesmo nos contos mais realistas, engajados socialmente, não há artifícios bestas camuflando deficiências literárias e estruturais. Encontrei nos contos coisas bem interessantes: o relato do terrível tratamento que recebe um garoto judeu na escola ("O incompreendido", de 1907, de Carry van Bruggen); o registro político e social travestido de fábula sobre o destino de dois irmãos ("Leonard e Juliaan", de 1909, de Albert Verwey); o divertido conto sobre a compulsão que acomete um sujeito ao ouvir Wagner ("O binóculo", de 1920, de Louis Couperus); as contradições de um louco de aldeia que refletem as contradições de todos os que achincalham dele ("Um excêntrico", de 1920, de Marcellus Emants); a vertiginosa ascensão econômica de um sujeito ("O menino da lojinha de óleo", de 1929, de Theo Thijssen); o exemplar conto onde cinco minutos da consciência de um sujeito são registrados detalhadamente ("Um dois três quatro cinco", de 1933, de Simon Vestdijk) e o conto que descreve o estranho caso que provoca um dilema moral em um advogado ("Teresa Immaculata", de 1938, de Hendrik Marsman). Muito diferentes entre si essas histórias produzem encantamento e ilustração no leitor. Evoé Dago, evoé. Vamos esperar que se concretize a publicação dos demais textos de autores já
traduzidos por ti. Vale.
[início: 01/06/2017 - fim: 05/06/2017]
"Contos holandeses (1839 - 1939)", Hildebrand, Multatuli, Arnold Aletrino, Frederik van Eeden, Jacobus van Looy, Herman Heijermans, Jacob Israël de Haan, Carry van Bruggen, Albert Verwey, Louis Couperus, Marcellus Emants, Theo Thijssen, Jan Jacob Slauerhoff, Edgar du Perron, Aart van der Leeuw, Simon Vestdijkm Hendrik Marsman, Arthur van Schendel, organização, apresentação, tradução e notas de Daniel Dago, Porto Alegre: editora Zouk, 1a. edição (2017), capa-dura 16x23 cm., 240 págs., ISBN: 978-85-80490-47-3