segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

tumbas

Tumbas. Eis um belo e bom livro para encerrar o ano. Com as festas de final de ano vou ficar atrapalhado, as meninas estão chegando de Barcelona, vou fazer mais festas e ler menos, portanto resenhas no "livros que li" só em janeiro de 2009. Claro, já li "Princesas, esquecidas e desconhecidas", belíssimo, que vou presentear a minha sobrinha Clara; já li "Cómo ser Europeos", pensando em dueña Helga; já li um livrinho sobre o Hemingway, li umas 100 páginas do "Crime e Castigo" e estou a ler um livro infanto-juvenil do Christopher Paolini, mas só em janeiro retomo a lida, pois ler é uma coisa, resenhar é outra. Este foi o ano em que descobri Cees Nooteboom e li vários livros dele. "Paraíso Perdido" é bom, mas gostei mais de "Caminhos para Santiago" e de "Dia de Finados". "Tumbas, de poetas y pensadores" é um livro feito por encomenda. Um sujeito convidou Nooteboom a registrar túmulos de escritores alemães e fazer comentários sobre a vida e a obra para um evento. O projeto cresceu e Nooteboom, que escreve livros de viagens a mais de trinta anos transformou a idéia original em uma peregrinação pelos túmulos dos escritores e escritoras (e filósofos e pensadores) com os quais ele mais tem afinidade. O resultado é um livro poderoso, onde ora temos longos trechos analíticos sobre a vida e a obra do escritor, ora temos apenas a fotografia do túmulo e um trecho de texto ou poesia onde o autor conta uma experiência com a idéia de morrer. As historias mais longas são mesmo as mais deliciosas: Bernhard, Casares, Borges, Cortázar, Dante, Goethe e Schiler, Hoffman, Antônio Machado, Mary McCarthy, Nabokov, Erza Pound, Murasaki, Nabokov, Sartre, Wittgenstein, Virgínia Wolf, Virgílio. As curtas também têm seu valor. O livro abre com uma história divertida, perto do túmulo do Machado de Assis no cemitério de São João Batista, Rio de Janeiro. "Qual é mesmo o primeiro nome de Machado de Assis pergunta o administrador do lugar?" Ninguém do grupo parece se lembrar e a lista das campas está em ordem alfabética! Curioso mesmo! Primeiro eu achei Tumbas em alemão, comprei só pelas fotografias (de Simone Sassen, mulher de Nooteboom), belíssimas, sente-se o silêncio entranhado destes lugares. Quem de nós, amantes dos livros e da literatura, não fez uma peregrinação ao túmulo ou ao local onde viveu um autor que nos agradasse. O livro chegou na semana em que soube da morte recente de meu amigo Johannes Musolf, um artista plástico alemão com quem eu me dava muito bem. Folheando o livro lembrei também daquela passagem do Proust onde o narrador reencontra o Barão de Charlus velhinho dizendo: "Hannibal de Bréauté, morto! Antoine de Mouchy, morto! Charles Swann, morto! Adalbert de Montmorency, morto! Boson de Talleyrand, morto! Sosthène de Doudeauville, morto!" Percebi logo que o texto de Nooteboom deveria ser tão poderoso quanto as imagens e acabei procurando e encontrando esta versão em espanhol. Valeu a pena. No ano que vem tem mais. Boas festas.
Tumbas: de poetas y pensadores, Cees Nooteboom, tradução de María Condor, fotografias de Simone Sassen, Ediciones Siruela, (1a. edição) 2007, capa dura 22x29, 264 págs. ISBN: 978-84-9841-115-7
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Balanço final [13.12.2008]
Fiquei feliz de ter terminado o ano com um livro espanhol e com um livro tão bonito quanto este. "Tumbas" é mesmo uma declaração de amor de um escritor a seus pares. Este 2008 ainda foi um ano de "espanholices": continuei com as leituras de Montalbán, mas aprendi um tanto mais sobre a Espanha buscando outras vozes, como a de Rosa Montero ou outros temas, como os livros de viagem do Cees Nooteboom (de fato minha grande surpresa deste ano.) Foi um ano onde li muitos livros de mulheres (sugestão de Cristina Gómez-Polo). Na segunda metade do ano conheci Rosa Montero, Amèlie Nothomb, Inês Pedrosa e Isabel Allende. Foi de fato o ano de grandes romances (de Melville, de McEwan, de Roth, de Nothomb, de Nooteboom) e muitos livros de crônicas ou ensaios. Li menos romances policiais (quase todos do Montalbán, meu grande guru espanhol), quase nada de poesia (tolo que sou), alguma gastronomia (cozinhei muito este ano.) Claro, continuei a ler solenes bobagens (as vezes a compulsão cobra caro sua fatura.) Foram 98 livros, mais precisamente 35 romances, 26 de crônicas ou ensaios, 8 de contos, 6 romances policiais, 5 novelas, 4 cartuns e mangás, 4 de gastronomia, 4 perfis ou memórias e 4 de outros gêneros (um único de poesia, dois infanto-juvenis, duas peças de teatro e 1 catálogo de exposição belíssimo, sobre o grande sertão veredas). Vamos a ver o que se passa em 2009. Minha lista de projetos sempre aumenta. Estou devendo os grandes russos, comecei tímido neste ano, mas os russos estão chegando sim. Desvios ocorrerão, os livros têm mesmo uma alma própria, seus segredos, suas sutis conexões com eles mesmos e conosco. Estou certo que haverá surpresas no próximo ano. Vale.

domingo, 7 de dezembro de 2008

solo

Vamos a ver. Se é que eu me lembro bem, durante a feira do livro de Porto Alegre vi uma entrevista com o autor deste livro, o Juremir Machado da Silva, onde ele dizia que três mulheres já haviam entendido seu livro Solo, uma com oitenta anos e as outras duas com quinze. Era uma "boutade" deste tipo. Acho que li este livro só por conta desta frase, fazer o quê? Trata-se de um romance onde o autor tenta nada discretamente defender algumas teses sobre nossa sociedade moderna: sua "balcanização", sua irrelevância, sua "espetacularização". No livro a ironia e o cinismo dominam do princípio ao fim. A cultura de massas é mesmo uma tragédia. Acompanhamos as venturas de um sujeito obcecado por televisão, por literatura de auto-ajuda, por caminhadas de auto-conhecimento, por psicologia de almanaque, por gauchismo e que tenta alcançar uma eventual redenção intelectual. A frase mais longa do livro deve ter 15 ou 20 palavras, nada que um aluno aplicado em oficinas pedestres de literatura não aprenda na primeira aula ou que um pateta qualquer não consiga ler sem perder o fio da meada. Aprendemos o óbvio: é fácil emular uma tolice como Paulo Coelho, inventar rotas místicas e dar sentido a qualquer bobagem inventada em minutos, convencer leitores cretinos de qualquer coisa, se imbecilizar nestes tempos bicudos. O personagem principal do livro vaga pelo Brasil (em uma tediosa história psicanilizada do Rio Grande do Sul), depois pela França, Roma, Veneza e por fim pelos altiplanos peruanos (onde se ri das possibilidades místicas de um deserto), retornando aos pagos gáuchos. Claro, o livro é bem escrito, articulado, moderninho, mas acho que muito poucos dentre os leitores acostumados com as platitudes da literatura contemporânea perceberão que é possível escrever livros de auto-ajuda a partir de qualquer bobagem que faça sentido, utilizando os elementos mais díspares e desconexos (se é que é este mesmo o projeto do livro, pode ser que a pretensão dele como escritor seja outra.) O ano está terminando e eu já esgotei minha cota de livros descartáveis faz tempo, preciso focar melhor, parar de ler qualquer coisa que me caia nas mãos. Vamos em frente. O "Tumbas" em espanhol chegou e vou terminar o ano com ele, revisitando os mortos.
Solo, Juremir Machdo da Silva, Editora Record (1a. edição) 2008, brochura 14x21, 367 págs. ISBN: 978-85-01-07833-9

sábado, 6 de dezembro de 2008

la suma de los días

Comprei este livro para dar de presente para minha amiga Eliana, mas quem disse que se eu não o visse novamente na CESMA não daria um jeito de comprar outro volume? Foi o que fiz e o li com muito prazer. É um livro confessional, onde se descreve o dia a dia de uma mãe que acabou de perder sua filha e que deve seguir vivendo, enfrentando novos desafios, lambendo as feridas, produzindo e tentando alcançar alguma felicidade. Esta mãe é exatamente a autora do livro: Isabel Allende. Trata-se portanto de um livro muito pessoal, onde a família tem um papel central. Todos os membros de sua família que autorizaram ser citados estão ali, sem pudor, com suas qualidades e defeitos, suas fragilidades e valores. Lembra um tanto Rosa Montero, mas é certamente menos cerebral e experimental que aquela. Além da descrição de como a família aceitou a morte de sua filha Paula, encontramos no livro muito da rotina de quem vive e trabalha nos Estados Unidos, do mercado livreiro de lá, de como os tabus sexuais, profissionais, pessoais e coletivos podem e devem ser enfrentados, das obsessões de cada membro da família, da espiritualidade e dos diferentes graus de misticismo com o qual todos daquele grupo convivem. Claro, qualquer pessoa que tenha experimentado uma perda importante e esteja disposta a discutir formas de elaborar o luto vai encontrar neste livro muitas reflexões interessantes, mas não se lê com prazer este livro apenas por conta disto. É um livro onde o mundo das mulheres ganha uma evidência especial, onde os homens são sim importantes e companheiros, mas são sempre afastados de propósito do centro da discussão, como se as mulheres devessem chamar para si responsabilidades especiais na sociedade moderna. Não sei se nós, homens e mulheres, homo sapiens sapiens deste início de século XXI ganhamos algo com isto, mas de qualquer forma é um belo livro, que se lê com vagar e muito prazer.
La suma de los días, Isabel Allende, Editorial Sudamericana (1a. edição) 2007, brochura 16x25, 363 págs. ISBN: 978-950-07-2859-1

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

guilherme de inglaterra

Este pequeno livro é difícil de classificar. Durante um certo tempo foi atribuído a Chrétien de Troyes, mas hoje em dia esta idéia foi descartada e seu autor deverá continuar anônimo para sempre. Foi escrito originalmente em verso, mas a versão em português publicada pela Lacerda editores está em prosa (os editores incluiram na edição a versão original o texto em francês medieval - langue d'oïl - do século XII). Atribuir este texto a Troyes dava um status indevido ao texto, que de fato é bem tolo e simples (nada posso dizer do valor como poema, pois nada sei de langue d´oïl. Trata-se de um romance de cavalaria típico, onde se conta sucessos dos cavaleiros da Távala Redonda, dos caveleiros do rei Arthur. Lê-se este livrinho em um par de horas, sem problemas. O texto mistura narrativas que soam realistas e outras perfeitamente surreais, absurdas. A história segue o roteiro típico destas narrativas: um rei recebe uma inspiração divina e se afasta de seu reino, levando sua esposa grávida. Esta dá a luz a gêmeos e os quatro se dispersam, cada qual para uma nova vida, sem saber que os demais continuam vivos. Após anos de bizarras aventuras uma caçada na fronteira entre dois reinos em disputa faz com o acaso os reaproxime. O rei é novamente coroado em festa na poderosa Londres. Nada espetacular, apenas diversão para dias de tédio.
"Guilherme de Inglaterra", Chrétien de Troyes (atribuído a), tradução de Maria Angela Vilela, Lacerda editores (1a. edição) 1997, brochura 12x17, 136 págs. ISBN: 85-7384-006-4

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

os alegres rapazes de atzavara

Após tantos livros de Montalbán o que eu posso ainda dizer? É sempre um prazer renovado encontrá-los, como este, publicado em Portugal (o que dá extranhas sonoridades à leitura), achado em um sebo portoalegrense noutro dia mesmo. Este Os alegres rapazes de Atzavara não pertence aos da série Carvalho, mas deixa transparecer a mesma preocupação de Montalbán em contar um tanto da história da Espanha. Se nas novelas policiais aprendemos algo sobre as mudanças econômicas e políticas espanholas pós morte de Franco neste mais diretamente acompanhamos as mudanças sociais, as mudanças de hábito da sociedade. No romance quatro narradores distintos comentam os fatos do verão espanhol/catalão de 1974, aquele em que o país descobre que Franco está muito mal de saúde, hospitalizado (sua agonia duraria ano e meio ainda, o que deu chance para todos os democratas oprimidos por décadas se abastecerem com garrafas de cava - espumantes - para comemorar o esperado passamento do sujeito, o que de fato aconteceu em novembro de 1975). Na ficcional cidade litorânea de Atzavara (Sitges talvez?) vive-se uma espécie de revolução sexual catalã (ecos algo tardios do que acontecia já a uma década nas demais grandes cidades européias e nos Estados Unidos). Os personagens são burgueses catalães algo heterogêneos: há os homossexuais liberados, mulheres divorciadas e senhoras de seu destino, casais convencionais talvez algo permissivos, profissionais liberais e intelectuais, além de dois pares de observadores externos a este grupo: dois operários simples e dois artistas plásticos jovens. Os quatro narradores comentam aspectos variados das relações entre eles e os outros, discutem os sucessos daquele verão, analisam como tudo aquilo influenciou suas vidas e seu futuro. É um Montalbám com suas obsessões de sempre mas desta vez sem a gastronomia e as visitas inspiradoras a restaurantes promovidas pelo detetive Carvalho. É um livro melancólico e triste, onde ao final vence a hipocrisia e o acomodamento. Difícil não simpatizar com Montalbám e suas escolhas morais, pois o livro é quase o testemunho de uma época, um estudo do coração humano. Em um trecho um personagem diz: "Finalmente ela também descobriu a mediocridade obscena da realidade. O que não evita que tenhamos de assumí-la, com todas as consequências, quando a ocasião o requer." Duro mas verdadeiro. Ainda tenho mais Montalbán nos guardados, mas eles vão ficar para a fornada do ano que vem.
"Os alegres rapazes de Atzavara", Manuel Vázquez Montalbán, tradução de Helena Ramos e Artur Ramos, publicações Don Quixote (1a. edição) 2001, brochura 15.5x23.5, 246 págs. ISBN: 978-972-20-1969-4

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

peixe dourado

"Peixe dourado" é um bom romance de J.M.G. Le Clézio, o ganhador do prêmio Nobel deste ano. Duas idéias estão na gênese desta história. Uma é explícita, está na epígrafe do livro. Trata-se de um provérbio mexicano onde se aconselha um peixinho dourado a cuidar-se bem, pois são demais as armadilhas deste mundo. A segunda idéia eu associo ao "O Africano", livro dele que li e resenhei abaixo, onde ele conta a história de seu pai e que descreve como para algumas tribos africanas o momento realmente importante da vida é o da concepção e não o do nascimento, pois no lugar e na hora da concepção algo mágico acontece entre a natureza e o novo ser que é gerado. Quando você volta ao lugar em que foi gerado há um recomunhão entre os elementos. Assim são os hábitos, tradições dos povos e nações que mal conhecemos, luminosos, sempre surpreendentes. A história de "Peixe dourado" segue então a partir destas duas idéias. Tudo é muito rápido no texto de Le Clézio, tudo muito cruel, mas sem choramingas, sem explicações reducionistas e bestas, como deve sempre ser em um livro que fale da vida. Uma menina de origem árabe chamada Laila (um nome que pode significar "bela como a noite") é sequestrada em algum lugar do Saara ocidental africano e se descobre escrava de uma senhora marroquina de origem judaica. A partir desta aparição em um lugar novo, desaparecido seu passado, sua vida segue em ritmo sempre frenético: vive com a senhora até a sua morte; é acolhida por outras moças abandonadas; faz amigos, parte para Europa, atravessando a Espanha para chegar a França; passa por experiências, aprendizados, agressões, encantamentos, sofrimentos, lutas, como qualquer emigrante que nem identidade tem (os papéis sempre podem ser forjados, mas uma identidade, uma história de vida dificilmente pode ser emulada); aprende música; emigra como que por acaso para os Estados Unidos; se apaixona, adoece, volta a Europa e depois para a África, para a região onde provavelmente vivia antes de ser sequestrada. Os detalhes destas peripécias são muito bem contados. O livro trata de assuntos duros, de um mundo xenofobista, onde a inclusão é sempre uma miragem, a marginalidade e o preconceito obsessivamente presentes, mas o livro se deixa ler com vagar, como se tratasse mesmo de acompanhar um pequeno peixe que nada em um mar gigantesco. É de fato muito bem escrito.
"Peixe dourado", J.M.G. Le Clézio, tradução de Maria Helena Rodrigues de Souza, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2001, brochura 14x21, 216 págs. ISBN: 978-85-359-0150-4

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

o africano

Os livros têm entre eles sutis formas de comunicação. Acabei de terminar um livro de viagem (Nomad's Hotel) e encontro neste "O Africano", um outro tipo de viagem, aquela que fazemos para o interior de nós mesmos. O autor é Jean-Marie Gustave Le Clézio, o ganhador do prêmio Nobel deste ano. Já li dois livros dele, de fato interessantes. A edição deste é belíssima (a Cosac sempre ensina como um livro deve ser editado) e inclui uma bibliografia completa de e sobre Le Clézio, ótima para os não iniciados na sua obra, como eu. O texto é curto. Trata-se de um relato bastante pessoal sobre a história de seu pai. Ele descreve vividamente suas impressões e lembranças de seu pai, que nasceu nas Ilhas Maurício, no Índico, que na época era colônia inglesa mas havia sido antes uma colônia francesa (hoje é um país independente ligado ao Commonwealth.) Ele é um negro legítimo que vai para Londres com uma bolsa para estudar medicina. Quando se forma na escola de medicina deve "pagar" a bolsa trabalhando para o governo (os europeus e os americanos resolveram a questão do acesso às boas universidades há uns duzentos e cinquenta anos, sempre valorizando o óbvio, a meritocracia, mas o Brasil continua inventando bobagens patéticas como cotas, fazer o quê!). Um impulso o faz aceitar primeiro uma posição na Guiana Inglesa e logo depois uma posição permanente na região onde hoje é a Nigéria e o Camarões (estas terras haviam sido subtraídas dos alemães logo após a primeira grande guerra e foram colonizadas por ingleses e franceses.) Ele é o único médico de uma região enorme. Passa na África a maior parte de sua vida. Em uma de suas viagens casa-se com uma prima de segundo ou terceiro graus que também havia nascido nas Ilhas Maurício, mas que havia emigrado com a família para a França. Logo volta para seu posto na Nigéria, voltando apenas esporadicamente à França, como nas ocasiões dos nascimentos dos filhos (Le Clézio nasce em Nice, em 1940.) Quando a segunda grande guerra começa ele se encontra na África e sua esposa em Paris. Apesar de tentar atravessar a África para encontrá-los passa toda a grande guerra separado da família. A mãe tem ascendência judaica, se esconde dos alemães na França ocupada. Só depois da guerra, em 1948, torna-se possível que ele conheça o filho mais novo e reencontre a mulher. O estranhamento do garoto Le Clézio ao descobrir que seu pai é um "Africano" e o processo de reconhecimento entre os dois dá a tônica incial do livro. Durante uns dez anos ele mora com os país na África, mudando completamente de hábitos. O texto descreve com calma a vasta região onde seu pai viveu e trabalhou, o combate diário com as forças da natureza, a beleza da região e de seu povo, o tipo relações que manteve com os vários líderes tribais com os quais conviveu, as reflexões do pai sobre o futuro da África (cruéis quando ele mesmo se percebe apenas um eficaz agente colonizador.) Ao se aposentar do serviço seu pai emigra para a França. Em 1968 perde a cidadania inglesa pois as Ilhas Maurício se tornam um país independente. Tem planos de emigrar para a África do Sul ou para o Caribe, mas nada disto se materializa. Sofre com os desastres que assolam a África nas décadas de 1960 e 1970 (as muitas guerras tribais, o massacre de Biafra, a busca européia pelas riquezas minerais do continente.) O livro termina com reflexões sobre como cada um nós se define historicametne ou como a memória das experiências vividas por nossos pais são transmitidas para nós. Le Clézio adotou recentemente dupla cidadania, tornando-se cidadão das Ilhas Maurício, chamada por ele de "sua pequena terra natal". Para um livro tão pequeno há muito o que se pensar. Quando eu resenhar o outro livro que li de Le Clézio comentarei mais um tanto sobre isto. Belo livro.
O Africano, J.M.G. Le Clézio, tradução de Leonardo Fróes, Cosac Naify (1a. edição) 2007, capa dura 16x23, 136 págs. ISBN: 978-85-7503-589-4

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

nomad's hotel

"Nomad's Hotel: Travels in Time and Space" é um livro de crônicas de viagem. Algumas bem antigas, ainda do início da década de 1970 e várias outras já deste nosso nebuloso século XXI. Cees Nooteboom escreve como um Ulysses que vaga pelos mares do mundo sem nunca alcançar sua Ítaca. Quase todos os ensaios já haviam sido publicadas em revistas e bem recentemente foram compiladas por Nooteboom para o formato livro. Os ensaios e/ou crônicas (difícil determinar onde termina um estilo/formato e começa o outro) formam um mosaico bastante diverso. As vezes estamos em lugares sofisticados, em hotéis elegantes, imersos no colorido familiar da Europa ocidental, noutros ensaios estamos em territórios onde ninguém fala inglês, a paisagem é desconhecida, os costumes necessariamente ainda estão por serem compreendidos. Em comum nos ensaios está o fato de sempre encontramos neles a capacidade de Nooteboom de sintetizar impressões, generalizar conceitos, explicar discordâncias e afinidades entre povos distintos. Trata-se de um sujeito que aprendeu a viajar e a extrair conhecimento de cada uma das viagens, tanto as de caráter profissional quanto as de puro lazer. O texto sobre Veneza me lembra muito o que já havia escrito Joseph Brodsky sobre ela; em Zurich reencontro um Elias Canett diferente; o texto sobre Isfahan explica um tanto o que se passa no Irã de hoje, 33 anos após ter sido escrito; ao falar de um memorial de guerra australiano lembramos os horrores da segunda grande guerra vividamente; na descrição dos rigores da ilha de Aran encontramos o belo contraste entre as forças da natureza vibrantes e o caráter organizador do homem. Todo aquele que já viajou um tanto vai gostar de acompanhá-lo mundo afora. Nas palavras dele: "Quando estamos longe de casa a única companhia constante é a de nós mesmos. Apreciar esta companhia é uma habilidade, uma arte, que em geral leva-se tempo para alcançar. Viajamos para contemplar e aprender, com curiosidade e perplexidade, entretanto, mais do que tudo, o que aprendemos ao viajar é algo sobre nós mesmos."
Nomad's hotel, Cees Nooteboom, tradução de Ann Kelland, Vintage books (1st edition) 2007, brochura 13x20, 232 págs. ISBN: 978-0-099-45378-9