domingo, 26 de setembro de 2010

shortcomings

Shortcomings é uma graphic novel de Adrian Tomine publicada no início dos anos 2000. Não é o melhor trabalho dele que já li, mas tem lá seu valor. Trata-se de uma história curiosa, em que se discute sobre o amor, sobre o preconceito de gênero e sobre o preconceito racial. O personagem principal é um descendente de japoneses radicado na California. Ele tem uma relação afetiva tensa com uma jovem cineasta também de ascendencia japonesa e tem uma jovem lésbica de ascendencia coreana como sua melhor amiga. Este sujeito tem dificuldades de entender relacionamentos interaciais, e é algo obcecado com as garotas caucasianas com quem se relaciona. Sua namorada resolve passar uma temporada em Nova Iorque para finalizar um projeto audiovisual e a separação deles o leva crises de ciúme e de auto-estima. A dificuldade dele em ter sentimentos honestos, consigo mesmo e com os demais a seu redor, sua fragilidade emocional inata, sua agressividade verbal e tentativas de se corrigir, são registrados vivamente no traço de Tomine. Claro, gostei mais das outras histórias dele que já li: Sleepwalk e Summer Blond, mas este Shortcomings tem o poder de enfeitiçar de alguma forma o leitor e fazê-lo refletir sobre sua capacidade de amar verdadeiramente. Consegui recentemente dois outros textos dele que irei resenhar em breve. [início 10/09/2010 - fim 25/09/2010]
"Shortcomings", Adrian Tomine, Draw & Quarterly Publisher, 1a. edição (2007), capa-dura 17,5x24,5 cm, 108 págs. ISBN: 978-1-897299-16-6

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

cuando ella era buena

Publicada originalmente em 1967 "Cuando ella era buena" é um romance atípico na caudalosa produção de Philip Roth. Trata-se de seu segundo romance ("Letting go" é o primeiro e o poderoso "Portnoy´s complaint" o terceiro), e o que soa atípico é o fato da personagem principal ser uma garota e de não haver nenhuma menção ao judaísmo em toda a trama do livro. Lucy Nelson é a filha única de uma família de ascendência nórdica radicada no meio oeste americano. Ela vive com os pais e os avós maternos. Educada em uma escola cristã ela desenvolve uma personalidade rude, com a qual julga moralmente e implacavelmente a si mesma, bem como a todos a seu redor. Não há lugar para ambiguidades no trato pessoal com ela. Quando ainda menina ela chama a polícia quando seu pai agride sua mãe, o que acaba provocando a prisão do pai e eventualmente a separação deles. Trabalhadora e estudiosa ela alcança entrar em uma universidade, mas logo no primeiro semestre letivo engravida de seu primeiro namorado e assume o papel fundador de mãe americana modelo (além de esposa americana modelo, mesmo com as restrições iniciais da família do marido). Manipuladora ao extremo ela constrange todos de seu círculo pessoal e familiar, sempre impondo seus pontos de vista: seja sobre a educação de seu filho, as escolhas profissionais do marido (um fotógrafo medíocre), ou sobre o eventual segundo casamento da mãe. Trata-se mesmo de uma mulher infernal e manipuladora, uma garota cuja piedade extrema mais destrói que conforta, uma "agressiva passiva" clássica, que exaspera o leitor. O final de uma personagem deste tipo só pode ser trágico (ela enlouquece lentamente e acaba morrendo em uma nevasca). Não é o melhor Philip Roth que já li, mas percebe-se que o sujeito sabe contar uma história. [início 10/09/2010 - fim 15/09/2010]
"Cuando ella era buena", Philip Roth, tradução de Horacio González Trejo e Margarita González Trejo, editorial Debolsillo, 1a. edição (2007), brochura 12,5x19 cm, 352 págs. ISBN: 978-987-566-330-5

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

o ladrão de merendas

Neste volume das aventuras de Salvo Montalbano o encontramos maduro, já um senhor de seus 45 anos, trabalhando duro na investigação (e solução) de crimes na arenosa Vigàta. "O ladrão de merendas" é de 1996, mesmo ano de publicação de "o cão de terracota", que em breve também resenharei aqui. Camilleri descreve a vida dura dos imigrantes tunisianos na Itália, em uma história que envolve contrabando, sexo e dinheiro sujo da Máfia. Um sujeito de origem tunisiana é morto em uma embarcação de pesca. Aparentemente tratava-se de um caso de competência federal, pois o barco teria entrado em águas territoriais do outro país e sofrido um ataque. Mas Montalbano percebe que há algo mais na história dos pescadores. Todos os comandados dele se apresentam neste volume: Augello, Fazio, Tortorella, Gallo, Germanà, Galuzzo. Todos personagens palpáveis e matizados. Até Lívia, lasciva como nunca, e uma inteligente senhora, Clementina Vasile Cozo, que o ajudará neste e em vários outros casos no futuro, também aparecem. Neste volume Montalbano também tem de resolver uma questão pessoal, já que seu pai está quase a morte em uma clínica. Mas nem tudo é melancólico. A equipe de Montalbano encontra um pequeno "ladrão de merendas" atuando na vizinhança. Este garoto aparecerá também em várias histórias no futuro, pois Lívia e ele irão tentar adotá-lo. Há boas simetrias na história, simetrias morais entre Montalbano e os mafiosos, entre ele e os burocratas do serviço de inteligência italiano, entre ele e seus auxiliares. Cerebral, articulado, cínico e inteligente, Montalbano é mesmo um bom personagem, que sabe se deixar conduzir por boas tramas. Vamos em frente. [início 28/08/2010 - fim 09/09/2010]
"O ladrão de merendas", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Avila Melo, editora Record, 2a. edição (2006), brochura 14x21 cm, 224 págs. ISBN: 978-85-01-05617-0

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

cisão

Ganhei este livro da Sibele, mas ela me disse que havia desistido, não tinha tido paciência para seguir até o final. Um tanto mais maniático que ela li em um dia de viagem, curioso e sem pressa mas, ao terminar, lembrei da Dorothy Parker, que recomendava se livrar com raiva dos livros ruins que por ventura nos chegasse às mãos (ela nunca foi condescendente com a mediocridade). Bueno, trata-se de uma novela curta, de pouco mais de cinquenta páginas, brevidade que é a única coisa boa que consigo associar a ela. A autora conta uma história de amor típica. Um casal, que se afasta consensualmente logo no início da novela, explora alternativas para viverem outras experiências, mas o amor, sempre destruidor e primo da morte, acaba por separá-los definitivamente e sem remissão. Trata-se de uma história rarefeita que deve algo aos livros de Raduan Nassar, mas que não acrescenta nada à boa experiência que temos com eles. Tudo é muito frouxo, mal amarrado, fruto de uma malarista de falsos paradoxos e teorias literárias de segunda mão. O livro é pretensioso, pernóstico do começo ao fim e só a senilidade do sujeito que assina a orelha do livro para compará-lo ao Macunaíma e ao Grande Sertão: o mundo da crítica literária é mesmo movido por motivações impenetráveis. Arre, que fiasco! [início - fim 03/09/2010]
"Cisão", Lívia Sganzerla Jappe, editora 7 Letras, 1a. edição (2009), brochura 13,5x20 cm, 65 págs. ISBN: 978-85-7577-612-4

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

la boqueria

Quando foi que vi este livro pela primeira vez? Acho que foi na biblioteca pública do Montbau, mas pode ter sido também na La Central, vai saber. Mas certamente era quando eu estava a aprender um tanto sobre Manolo Vázquez Montalbán, apresentado por doña Eliana, vale a pena registrar. Já tinha percebido que o sujeito era um entusiasta da gastronomia e este belo livro impressiona de cara, tanto pelo texto quanto pelas fotografias, belíssimas. Depois de uns anos lendo seus livros, tanto aqueles da série Carvalho, quanto os demais, sempre bem convincentes e estruturados, já posso dizer que de Montalbán eu entendo. Mas me faltava reencontrar este livro de gastronomia, este livro que fala de um mercado fundamental, a verdadeira catedral para os sentidos - que frase! - que é o La Boqueria de Barcelona, o La Boqueria de las Ramblas. Claro, Barcelona tem uns cinquenta bons mercados públicos, cada um interessante e acolhedor a seu modo, mas qualquer sujeito que tenha tido a oportunidade de visitar a Boqueria entende este estusiasmo particular que ele provoca. Trata-se de um mercado amplo, onde são oferecidos todas as delícias de um gastrônomo, onde são permitidos excessos e extravagâncias, comilanças e invenções. O livro é bem editado, o papel é de boa qualidade, o texto de Montalbán é laudatório, mas muito informativo e original. As fotografias são assinadas por três pessoas (Eva Guillament, Antonio Lajusticia, Txema Salvans). Há também várias fotos antigas (do início do século XX), ilustrando as passagens onde Montalbán fala da história dos mercados de Barcelona (ok, são 46, e todos merecem uma visita). Ter encontrado este livro não representa a felicidade, mas não tê-lo era mesmo insuportável. [início 2007? - fim 14/09/2010]
"La Boqueria: la catedral dels sentits", Manuel Vázquez Montalbán, Eva Guillamet, Antonio Lajusticia, Txema Salvans, tradução de Jordi Curell e Valerie Collins, Editora do Ajuntament de Barcelona, 1a. edição (2002), brochura 30,5x30 cm, 211 págs. ISBN: 84- 7609-948-7

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

venecia

"I was drowning in honey, stingless". Lembro-me de quando ouvi esta frase pela primeira vez: eu morava na Rua dos Franceses, em São Paulo. Nas noites de segunda-feira assistia na tv cultura a série produzida pela BBC "Brideshead Revisited". Ali aprendi, com Charles e Sebastian, que à Veneza sempre se deveria chegar "pelo mar" e com Marchmain e Cara que "There were three, to be precise" Bellinis, nos palazzos e galerias de lá. Tonterias, mas que Renato Cohen e eu repetimos tantas vezes desde então. Bueno, depois aprendi um bocado sobre Veneza, com Proust e Ruskin, óbvio, mas também com Joseph Brodsky e, mais recentemente, com Javier Marías. Achei este livro na galeria dell’Accademia. Um sujeito pode viajar por dias, meses, folheando este belo livro. Além da arquitetura, das igrejas e da paisagem, o livro fala dos mosaicos, das escolas de arte, dos três Bellinis, mas também de Canaletto, Tiepolo, Tintoretto e Tiziano. Claro, qualquer livro deste tipo tem algo de superficial, irrelevante, mas o texto não compromete, inclui muitas informações e as fotografias e reproduções são tão bonitas, que logo nos sentimos imersos novamente naquela Veneza que não afunda, mas flutua (como disse Brodsky um dia). A memória é mesmo algo que sabe ser doce, que nos envolve, "stingless", sem medo. [início 28/07/2010 - fim 13/09/2010]
"Venecia", Alessandra Morgagni e Graziano Arici, tradução de Dante Fiorenza, Editora Mondadori Electa, 1a. edição (1997), brochura 20x28 cm, 112 págs. ISBN: 978-88-435-5959-6

sábado, 11 de setembro de 2010

o assassino usava batom

Ainda em 2008, quando acompanhava o folhetim de Tailor Diniz "Crime na feira do livro", comprei este exemplar de "O assassino usava batom", mas deixei-o perdido nos meus guardados esperando sua vez. Nestes dias frios reencontrei-o e decidi por fim conhecer a gênese do detetive Walter Jacquet. A trama é típica dos livros de detetive: ambientação restrita a poucos lugares, personagens fortes, algum humor, manias, detalhes, ironias e movimentação. Os nomes dos personagens são totalmente bizarros, e não se pode afirmar que Tailor ambienta a trama em New Orleans, New York, ou um vilarejo perto do mar na Austrália ou Inglaterra (tudo é muito vago, indefinido). Tailor nos apresenta um detetive Jacquet muito meticuloso, que sabe ouvir e perguntar, manipular jornalistas, disfarçar-se, ser agressivo e ágil quando necessário, mas Jacquet ainda é um solitário investigador neste volume, o que não permite o tradicional artifício de espirituosos e ágeis conversas de uma dupla na solução dos crimes, como encontramos no folhetim, onde o já alegretense Jacquet mantem diálogos divertidíssimos com João Macedônio em uma cobertura dos altos da independência, em Porto Alegre. Bueno. A trama envolve tráfico de drogas, contrabando de carros, empresas de fachada, clubes clandestinos de jazz, transformismos, assassinatos que escondem outros assassinatos, corrupção policial, envelopes de dinheiro. Coloquei "Satin doll" para ouvir noutro dia e entrei no clima enebriante que Tailor cria neste "Assassinato...". Lê-se o livro com prazer. Claro, há umas incorreções aqui e acolá (não entendi direito até agora toda a correria por um elevador que sobe e desce com um bandido que não se deixa capturar), mas nada que prejudique o ritmo frenético. Agora é esperar "A confraria do quibe" e as novas aventuras de Jaquet. [início 20/08/2010 - fim 11/09/2010]
"O assassino usava batom", Tailor Diniz, editora Mercado Aberto, 1a. edição (1997), brochura 11x2o,5 cm, 213 págs. ISBN: 85-280-0392-2

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

lo que no vengo a decir

O Javier Marías dos livros de ficção é sempre poderoso e original. Já o Javier Marías das crônicas, ou ainda, dos breves ensaios publicados semanalmente em jornal sabe conciliar sua inegável capacidade de convencimento, sua riqueza de argumentação, com uma curiosidade intelectual abrangente. Ele sabe extrair verdades, apresentar assuntos para reflexão, localizar o que é central e importante nos temas de seu tempo. As noventa e cinco crônicas reunidas neste "Lo que no vengo a decir" foram publicados entre dois fevereiros, o de 2007 e o de 2009, no jornal espanhol El País. Seus temas são mesmo variados: há o sujeito que se preocupa com a política, a economia e os "modales" de seu país; há o escritor que reflete sobre a produção literária de nossos dias; o memorialista; o sarcástico e corrosivo antagonista; o homem íntegro e corajoso. A defesa da liberdade e da individualidade está acima de tudo, paira sobre os temas que aborda. Com um sabujo ele fareja fascismos, aponta tiranos, desnuda hipocrisias, investiga desatinos, ri das tolices tão comuns neste início de século tão perturbador. As tolices de Hugo Chávez e de nosso patético Lula são motivo de escárnio para ele; assim como os crimes de guerra perpetrados pelos israelenses contra os palestinos não deixam de ser condenados em um de seus últimos textos. Se eu tivesse de escolher uma única crônica para destacar estaria com um grave problema. Mas deixo aqui um trecho onde ele registra o que espera sempre fazer: "...intentanos, en términos generales, contar, decir y explicar, razonar, argumentar, llamar a atencíon sobre aspectos de la realidad que nos parecem inadvertidos, examinar pros y contras de algún asunto, y desde luego influir, persuadir, convencer y crear dudas. Damos vueltas a nuestras convicciones sobre las que es difícil tener una opinión, porque son complejas o desconcertantes: nos limitamos a exponer nuestra perplejidad y nos abstenemos, por tanto, de emitir una conclusión a la que no hemos llegado". Mas Marías também adverte que não admite: "la gente que se adentra en una pieza más o menos compleja para sacar de ella una conclusión simplona o falsa". Não há nenhum escritor e cronista brasileiro que possa ser comparado a Marías, seja pela qualidade de seus textos, seja pela honestidade intelectual com o qual exerce seu ofício. [início 02/08/2010 - fim 05/09/2010]
"Lo que no vengo a decir", Javier Marías, Editora Alfaguara, 1a. edição (2009), brochura 14x23 cm, 322 págs. ISBN: 978-84-204-2300-5

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

o cheiro da noite

"O cheiro da noite" é o sexto dos livros da série Montalbano e foi publicado originalmente em 2005. A trama é movimentada. Um sujeito dá um golpe financeiro em meia Vigáta (a mítica cidade do sul italiano inventada por Camilleri) e desaparece. Montalbano não tem jurisdição para investigar crimes financeiros, mas se envolve no processo pois acredita em um primeiro momento que o contador que adminstra o pecúlio de um afilhado seu poderia ter sido enganado pelo trambiqueiro. e sente algo a contragosto o peso dos anos que passam. Ficamos sabendo que Montalbano nasceu em 1950 e que sua relação com Lívia está mais do que estremecida. Camilleri cita vários autores, inclusive Faulkner, um luxo neste tipo de romance ligeiro, mas a coisa não soa artificial ou pernóstica. Ele abusa novamente do artifício de usar sonhos para solucionar alguns dos enigmas do livro, mas paciência, este é só um livro para garantir um par de horas de diversão. Vamos em frente. [início 31/08/2010 - fim 01/09/2010]
"O cheiro da noite", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Avila Melo, editora Record, 2a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 175 págs. ISBN: 978-85-01-06409-7

domingo, 5 de setembro de 2010

historias de fantasmas

Nestas férias de inverno consegui garimpar bons livros nos sebos espanhóis. Dos dois Montalbán que me faltavam eis que um consegui amelhar. Cousa boa. "Historias de Fantasmas" é um pequeno livro, onde estão reunidas três histórias que na verdade pouco têm de transcendentais ou misteriosas, antes ilustram bem como os homens podem se aferrar a lendas urbanas, se auto-enganar com os mitos que construímos para viver em sociedade, como preferimos explicações mágicas, por pedestres que sejam, ao invés de alguma racionalidade. Na ilusão, na farsa, na penumbra e nos mistérios parecem se esconder os homens. Na primeira delas Carvalho, o sempre irônico detetive criado por Montalbán, é contratado para solucionar o inusitado de um encontro, entre dois agnósticos comunistas e uma garota-fantasma. Esta última os alerta de uma curva perigosa na estrada e logo some, o que os atormenta e os leva a fraquejar em suas convicções políticas. Na segunda Carvalho descobre o que há de estranho e assustador no desaparecimento de um navio pesqueiro e toda sua tripulação. Uma história sórdida que envolve grandes interesses financeiros, tanto da Europa do norte quanto do longínquo Japão. Na última das histórias Carvalho desvenda como um casal de hippies (já anacrônicos - mesmo na Espanha - em meados dos anos 1980) se envolve um importante esquema de contrabando. São contos rápidos, movimentados, contos de viagem. Carvalho está fora de sua cativante Barcelona. Ele se movimenta ou bem perto da costa do Mediterrâneo ou nas encrespadas ilhas Canárias. Longe de seus usuais pontos de referência Carvalho se presta nestas histórias a conhecer a culinária dos locais que visita. As histórias estão assim repletas de boas referências culinárias e também algo antropológicas. Haverá ainda outros Montalbán para se ler, mas apenas um deles terá este curioso e cerebral detetive como personagem. Será que devo mesmo me esforçar por encontrar o último volume? Veremos. [início 26/08/2010 - fim 31/08/2010]
"Historias de Fantasmas", Manuel Vázquez Montalbán, Editorial Planeta (serie Carvalho - vol.8), 1a. edição (1987), brochura 12,5x20 cm, 175 págs. ISBN: 84-320-6919-1

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

horas venecianas

Neste pequeno livro são reunidos cinco textos escritos originalmente entre 1872 e 1902. Henry James não parece querer educar, ilustrar, mas sim nos guiar por um mar de evocações, evocações de um tempo perdido, um tempo que Henry James de alguma forma congela com sua prosa poderosa e seminal. Mesmo agora, um século mais de horas venezianas se acumulando na memória de milhares, milhões, de indivívuos que se dirigiram à Veneza algum dia, eis que reencontramos, através dele, algo do encanto experimentado na cidade. Na Veneza, fatigada e melancólica, que suporta a sofregidão das hordas. Na Veneza, labiríntica e luminosa, que é um grande museu, mas também uma grande tumba, de si mesma. Na Veneza, com suas pedras e suas turvas águas, justapostas. Todas as facetas da cidade são relembradas por ele, que também fala do povo (com um desdém absurdo para nossos dias politicamente corretos - prova da estupidez deste conceito), das obras de arte, da história, dos amigos que o recebem ali. Reiteradas vezes nos textos James cita irritado John Ruskin, que tão meticulosamente estudou e contou a cidade antes dele. James parece querer ressaltar o valor da imaginação, dos sentimentos, da paixão, em detrimento da ciência e da técnica, do conhecimento arquitetônico e histórico amelhado por Ruskin. Lembrei, claro, de Proust, e também de Evelyn Waugh, que também contaram algo sobre suas experiências em Veneza. Também tive lá minha cota de prazeres, minhas horas de imersão, minha educação sentimental, também eu "was drowning in honey, stingless”, mas esta é outra história, para ser contada com outro livro, em breve. [início 25/07/2010 - fim 30/08/2010]
"Horas Venecianas", Henry James, tradução de Miguel Ángel Martínez-Cabeza, ABADA editores, 1a. edição (2008), brochura 12x16,5 cm, 179 págs. ISBN: 978-84-96775-31-2

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

meridiano sangrento

Publicado originalmente em 1985 este livro de McCarthy conta uma história terrível. Trata-se de uma história de iniciação, de sobrevivência e aprendizado (e talvez de redenção, mas o final é ambíguo demais para se ter certeza). Em meados do século XIX, na longa fronteira de uma região ainda em disputa entre americanos, mexicanos e indígenas, um mundo bruto e selvagem, um garoto aprende a sobreviver através da violência. Ele se junta a um bando que vende serviços de extermínio, ora dos índios, ora de mexicanos. Há muito de mitologia escondido no texto, mas o enredo é baseado (bastante livremente se supõe) na biografia de um sujeito chamado Samuel Chamberlain que participou de uma gangue de matadores deste tipo, liderados por um sujeito chamado John Joel Glanton. No livro o bando passa boa parte do tempo caçando e exterminando índios, fugindo destes ou de militares americanos e mexicanos ou presos. A cada ronda de massacres McCarthy aborda de forma diferente como os homens se relacionam e são influenciados pelos elementos. O livro é dividido por capítulos com títulos longos, explicativos, que lembram a estrutura dos cantos da odisséia ou da ilíada. Os personagens são também emblemáticos, um em especial preenche todo o livro: o Juiz Holden. Alto, careca, violentíssimo, mas também um cientista natural, um homem renascentista, que parece entender de todos os assuntos. Quando aparece na trama ele fala (pontifica talvez seja o termo certo) de religião, geografia, biologia, mostra entender de astronomia, minearologia, política. A trama se desenvolve para um embate final entre Holden e o garoto. Após uma escaramuça final e fuga dos índios o bando se dispersa (são mortos ou aprisionados, cada um a sua vez). O garoto tem a chance de matar Holden, pois entende que é ele quem de fato dominava mentalmente o bando e os induzia as matanças. Ele falha e logo é preso. Holden o ajuda a sair da prisão e se recuperar dos muitos ferimentos. Separam-se. O romance avança em poucas páginas uns trinta anos. Encontramos o garoto já maduro, trabalhando em fazendas como vaqueiro. Quando Holden e o "garoto" se encontram não sabemos exatamente o que acontece. É como se Holden fosse um demônio, uma força da natureza, que voltasse para cobrar a vida do garoto, um demônio que continuará a insuflar morte e destruição entre os homens. Em um curto epílogo há uma cena que lembra Cadmo semeando os dentes de dragão que irão gerar os espartanos, sedentos de sangue e guerra. Um bom livro, algo esquemático demais talvez, mas ainda assim uma coisa que transforma o leitor. [início 18/08/2010 - fim 20/08/2010]
"Meridiano Sangreto ou O anoitecer vermelho no oeste", Cormac McCarthy, tradução de Julieta Leite, editora Nova Fronteira, 1a. edição (1991), brochura 14x21 cm, 320 págs. ISBN: 85-209-0256-1