quinta-feira, 20 de agosto de 2009

pejuçara

Feliz da cidade que tem um poeta para cantá-la e fazê-la ainda mais perene que seu casario, suas ruas, sua paisagem, que a memória mesmo de sua gente. Pejuçara, que fica no noroeste do Rio Grande do Sul, tem esta fortuna e acaba de receber um livro de poesias com seu nome. O lançamento aqui em Santa Maria foi em meados de julho, atrasado com o calendário só tive tempo de dar um abraço no Escobar, perdi a fila e o autógrafo, paciência. Gostei muito do livro. Apesar do que possa parecer da leitura dos primeiros poemas ao final encontramos no livro mais mordacidade que desencanto, mais lucidez que crítica pueril sobre os destinos da cidade (que poderia ser qualquer cidade, mesmo a nossa patética Santa Maria, a caipira Porto Alegre, a nebulosa Curitiba, a sufocante São Paulo, a trivial Rio de Janeiro, a desencantada Brasília). Ao final fiquei com vontade de conhecer Pejuçara, mas talvez esta cidade só exista mesmo no coração do Escobar, não é visível na geografia destes pagos, destes campos. Relembrei de cousas e causos meus, da São Bernardo da Borda dos Campos de Piratininga que hoje mal conheço. A abertura do livro e o fechamento do livro são dois primores, cousas muito bem postas, que convidam o leitor a dividir algo e depois se despedem dele com cortesia. Um verdadeiro achado. Em certa hora lembrei de um poema do Mario de Andrade que começa com "Abancado à escrivaninha em São Paulo, na minha casa da rua Lopes Chaves, de supetão senti um friúme por dentro". Para mim Escobar é um interlocutor deste paulista que pensa nos brasileiros como ele, que sente um friúme por dentro, que esquece o livro palerma que estava lendo, que fica trêmulo com o destino das gentes e das cidades, por que não? [início: 16/07/2009 - fim: 18/08/2009]
"Pejuçara", Escobar Nogueira, editora 7 Letras (1a. edição) 2009, brochura 13x20, 71 págs. ISBN: 978-85-757-7575-2

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

discurso do urso

O texto curto de "o discurso do urso" faz parte do maravilhoso "Histórias de Cronópios e de Famas", que o argentino Julio Cortázar publicou em 1962 e que todos, jovens, adultos ou anciãos, meninos e meninas de qualquer idade, deveriam ler uma vez ao menos na vida. Emilio Urberuaga, um artista plástico espanhol, ilustrou (e teve a idéia do livro), e Leo Cunha, um mineiro, o traduziu para o português. A editora Record o publicou em homenagem aos 25 anos de morte de Cortázar. Segundo consta na apresentação do livro o texto é o primeiro exercício do autor com temática infantil e foi dedicado ainda em 1952 aos filhos de um pintor francês chamado Eduardo Jonquières. Na história um urso vermelho conta suas andanças noturnas pelos canos dos prédios e sua relação com os seres humanos que percebem os ruídos que ele produz. É uma bela historieta para ser lida para as crianças antes de dormir nas noites frias de um inverno ou para discutir com estas mesmas crianças em tardes em que a chuva nos prende dentro de casa, sem ter mais o que fazer. Muito bonito mesmo. [início 16/08/2009 - fim 16/08/2009]
"O discurso do urso", Julio Cortázar, tradução de Leo Cunha, editora Record (1a. edição) 2009, capa-dura 21x28, 28 págs. ISBN: 978-85-01-08499-6

domingo, 16 de agosto de 2009

cuentos madrileños

A maioria dos dezesseis contos reunidos neste livro foram produzidos no século XX, mas há também um do final do século XVI e alguns do século XIX. É um livro editado, com propósitos claramente didáticos: há uma breve sinopse de cada conto e mini-biografia de cada autor no início, uma introdução e/ou apresentação geral do formato do livro e um guia de leitura no final, onde são feitas perguntas sobre os contos e seus autores, boa forma de fixarmos o que aprendemos lendo cada um deles. Como o título já antecipa os contos antes de mais nada falam de Madrid, a cidade que tornou-se Villa y Corte de España pelo desejo de um homem (o rei Felipe II). Pois nos contos publicados neste livro a felicidade de ser bem acolhido por uma cidade transborda das páginas. Os contos descrevem as ruas, os prédios, os indivíduos, as festas coletivas e as transformações sociais, os sucessos políticos e os fracassos, cada um em um estilo particular (e a julgar pela apresentação, emblemáticos da literatura espanhola). Vi há pouco uma entrevista do peruano Mário Vargas Llosa onde ele afirma ser também um tanto madrileño, pois trata-se de uma cidade que acolhe tantos sujeitos vindos de fora que ao optarmos por ali viver somos imediatamente indigitados madrileños, ganhamos as raízes de um barrio, as histórias de uma calle, a memória gastronômica de um mesón familiar, a serenidade de pertencer a algo desde sempre. É desta espécie de generalização que são feitos estes contos. Claro, aceitamos melhor uns e outros com menos entusiasmo, mas é um livro para quem já gosta da cidade e que pretende conhecer um tanto mais de sua história, mas não da Madrid monumental de hoje, antes a história da modesta fortaleza árabe que vai aos poucos dominando a meseta, os planos, as distâncias e os corações dos povos da península ibérica. [início 11/07/2009 - fim 13/08/2009]
"Cuentos Madrileños", Antonio Liñan, Fernanflor, Emilia Pardo Bazán, Azorín, Manuel Machado, José Montero, Emilio Carrere, Pedro de Répide, Emiliano Ramírez, Tomás Borrás, Camilo José Cela, alonso Zamora Vicente, Antonio Pereira, Ignacio Aldecoa, Josefina Aldecoa, José María Merino, organizado por José Montero Padilla, editorial Castalia (1a. edição) 2002, brochura 12x19, 187 págs., ISBN: 84-9740-006-2

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

política ficción

Os contos de "Historias de política ficción" poderiam ser chamados sem perda de precisão de histórias de velhinhos. Carvalho, o gastrônomo detetive galego inventado por Vázquez Montalbán é chamado para descobrir os sucessos envolvendo três velhos senhores que estão as voltas com problemas decorrentes de suas atividades políticas. São três histórias, três contos curtos, onde estes velhos senhores, veteranos de embates, de refregas terríveis como a guerra civil espanhola ou a guerra mais subterrânea e fria da redemocratização espanhola se deparam com seus fantasmas. No primeiro conto um velho louco que acredita ter direito a casa real espanhola descobre tarde demais que é utilizado como massa de manobra por um bando de golpistas. Carvalho e o delegado Contreras exageram no sarcasmo ao discutirem sobre as diferenças entre democracia e ditadura. No segundo, em um monastério transformado em asilo nos arredores de Barcelona, Carvalho descobre em que circunstâncias um velho foi morto por seus companheiros de quarto. Trata-se de uma história envolvendo traições e sectarismos ocorridos quarenta anos antes, durante a guerra civil. No último, o golpe de estado real perpetrado pelo tenente coronel Tejero no vinte e três de fevereiro de 1981 serve como oportunidade para dois sobrinhos sequestrarem e torturarem um avô que havia sofrido muito nos tempos do regime franquista. São histórias que se resolvem com presteza, onde Carvalho usa mais sua perspicácia e conhecimento da alma humana que exatamente analisando os fatos propriamente ditos. A gastronomia e a análise política de seu tempo dominam o cenário dos três contos. Biscuter e Bromuro, Charo e Fuster, Contreras e a ideal Barcelona de Montalbán aparecem, coadjuvantes mas fundamentais, auxiliando Carvalho na solução das tramas. [início 08/08/2009 - fim 10/08/2009]
"Historias de política ficción", Manuel Vázquez Montalbán, editorial Planeta DeAgostini (1a. edição) 2000, capa-dura 13,5x20,5, 169 págs., ISBN: 84-395-8471-7

domingo, 9 de agosto de 2009

asesinato en prado del rey

Achei este legítimo Montalbán da série Carvalho, junto com Natália, leitora das boas, em um dos sebos que se reunem aos domingos no "Mercat de sant Antoni" de Barcelona. Este volume e outros dois, sorte das grandes, agora são poucos os Carvalhos distantes dos meus domínios. São quatro contos curtos ambientados principalmente em Madrid, para onde Carvalho se desloca apenas profissionalmente, quase nunca por desfrute e prazer. Como diz o subtítulo do livro são histórias basicamente sórdidas. São histórias que Carvalho conta retrospectivamente, enquanto prepara pratos delicados para seu vizinho Fuster ou sua amante Charo, ou ainda seu ajudante Biscuter e com cada um deles divide garrafas de vinhos brancos suaves ou tintos encorpados. No primeiro dos contos (e que dá nome ao livro, pois se passa nos arredores da região da antiga sede da Rede de Televisão Espanhola) Carvalho tem de resolver o assassinato de um sujeito de origem vasca, diretor de filmes para televisão populares e de longas metragens sofisticados, mas sem público. A lista de prováveis suspeitos é grande. Carvalho acaba se envolvendo com o mundo articial e glamourizado das produções televisivas, onde as amizades e as escolhas profissionais são temperadas sempre pela mentira, por traições, pela inveja. Ao final ninguém, nem mesmo a polícia, tem interesse em descobrir quem foi o assassino. A dinâmica do jornalismo e da comunicação é sempre fornecer ao público novas crises, novos problemas, novos crimes e soterrar o que não tem mais importância ou poder. No segundo dos contos a ação se dá em uma casa noturna sofisticada e exclusiva, daquele tipo que atrai todos os moderninhos de plantão, cai logo no gosto popular, faz sucesso na mídia, vira "case" de designers e publicitários, torna-se insolvente e fecha as portas em pouco mais de três semanas. Carvalho consegue solucionar o crime antes que o público troque de bar, tudo muito divertido. O terceiro conto obriga Carvalho a se envolver com uma rica família catalã e o submundo da prostituição e das drogas. A família tem interesse em acobertar a morte violenta de uma garota, filha do patriarca. Carvalho descobre rápido quem são os hipócritas de plantão e encontra um desfecho lógico para os acontecimentos. O último dos contos envolve uma série de assassinatos aparentemente não correlacionados: uma prostituta que estuda nas horas vagas, um professor medíocre, um turista argentino e um cachorro de rua. Carvalho descobre logo quem é o rapaz louco responsável pelos crimes. São histórias realmente sórdidas, no sentido que revelam a irrelevância do destinos das gentes que vivem nas bordas das cidades, marginalizadas, entretidas em seus devaneios e sonhos. Nem a polícia, nem o sistema judicial têm interesse em resolver casos desta natureza. Carvalho faz suas investigações quase por curiosidade profissional mas sabe que tudo tem um quê por quixotismo, uma quase certeza de irrelevância. [início 02/08/2009 - fim 07/08/2009]
"Asesinato en prado del rey y otras historias sórdidas", Manuel Vázquez Montalbán, editorial Planeta DeAgostini (1a. edição) 2000, capa-dura 13,5x20,5, 187 págs., ISBN: 84-395-8467-9

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

maestro de esgrima

Comprei este "El maestro de esgrima" em um sebo, poucos dias depois de don Manolo Vázquez ter-me sugerido exatamente ele para uma leitura descompromissada de férias. Coincidências devem ser mesmo aproveitadas pensei, e comecei a ler o livro quase naquele dia mesmo. Trata-se de um romance histórico, ambientado na Madrid de 1868, época de intensa movimentação política que vai culminar na abdicação (ou mais corretamente, deposição) da Rainha Isabel II da Espanha. A história tem a política como pano de fundo, mas trata mesmo de uma vingança, perpretada por uma moça misteriosa, Adela de Otero, que domina como poucos a arte da esgrima. Ela chega a cidade e passa a tomar aulas particulares de esgrima com um velho professor, chamado Jaime Astarloa, muito zeloso de sua habilidade, de sua honradez, de seus princípios (virtudes já algo fora de moda naquele final de século XIX). Naquela época a esgrima já não tinha a função que teve no passado e servia mais como passatempo ou forma de distinguir pessoas refinadas que possibilitar de fato vantagens em escaramuças e contendas entre indivíduos. Com isto o velho professor tem poucos alunos realmente hábeis, sendo que um deles é um jovem aristocrata que teve durante um certo tempo cargos importantes em ministérios da Rainha Isabel II. A jovem misteriosa na verdade usa as aulas de esgrima para se aproximar deste jovem, pois ele tem provas contudentes e irrefutáveis dos planos para o golpe de estado que está em curso (liderado pelo General Prim, uma verdade histórica). O pretexto que ela utiliza para iniciar as aulas de esgrima é aprender um movimento com a espada que seria perfeito, indefensável. Ela usa exatamente este movimento para matar o jovem aristocrata, deixando o velho professor (conhecido por dominar esta técnica) como principal suspeito do crime. Aos poucos a trama vai se resolvendo e o mestre de esgrima tem por fim a chance de descobrir um movimento ainda mais perfeito e mortal que o anterior. É uma história movimentada, os capítulos têm o nome de movimentos clássicos da esgrima, lê-se com prazer e sem maiores preocupações com a vida. [início 26/07/2009 - fim 01/08/2009]
"El maestro de esgrima", Arturo Pérez-Reverte, editora Alfaguara/Bolsillo (1a. edição) 1992, brochura 11x18, 275 págs., ISBN: 84-204-8101-7

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

a chave estrela

O químico e escritor italiano Primo Levi é muito conhecido por seus livros ambientados nos campos de concentração nazistas. Difícil não se impressionar com "A tabela periódica" ou com o "É isto um homem", onde ele escreveu que "só os piores sobreviveram aos campos de concentração". Neste "A chave estrela", primeiro livro que Primo Levi escreveu após seu afastamento das industrias químicas, os horrores do nazismo não aparecem. O livro mais parece uma coleção de contos monotemáticos que um romance propriamente dito. Somos apresentados a um alter ego de Levi, um narrador (químico como ele e que admite ter pretensões literárias) que é na verdade um bom ouvinte das histórias mirabolantes relembradas por um sujeito chamado Faussone, técnico montador de grandes guindastes e outros equipamentos industriais de grande porte. O narrador e o contador de causos Faussone são dois italianos que trabalham algumas vezes nos mesmos projetos e enquanto esperam que uma questão seja resolvida dedicam-se a conhecer o povo e a região onde estão (os campos de petróleo do sul da rússia dos anos 1970) e trocarem experiências sobre o mundo do trabalho no qual vivem. As histórias de Faussone sempre tem algo de fantasia, de farsa. O narrador tem orgulho de sua ciência e seu método de trabalho, mas também admira o conhecimento e a técnica de seu interlocutor, talvez mais orgânicos e humanos. Enfim, comprei o livro por impulso, ao vê-lo de longe, por conta de sua bela capa (uma composição de Fernand Léger), mas surpreendi-me mesmo com a boa prosa e as curiosas histórias inventadas por Primo Levi. [início 04/07/2009 - fim 15/07/2009]
"A chave estrela", Primo Levi, tradução de Maurício Santana Dias, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 200 págs., ISBN: 978-85-359-1400-9

domingo, 2 de agosto de 2009

os duelistas

Eu era ainda jovem quando vi "Os duelistas", filme de Ridley Scott lançado em 1977, mas lembrou-me bem do quanto impressionado fiquei. Os atores que conquistaram de cara. Da mesma forma que me impressionaram a iluminação, a trilha sonora, a cenografia, a história das guerras napoleônicas, a sutileza perene ao longo de todo o filme, no qual a princípio poderíamos acreditar que a violência seria sempre demasiada. Sabia que o filme havia sido baseado em um livro do Joseph Conrad, mas nunca o havia lido. Agora consegui encontrá-lo, em uma edição de bolso e barata da LP&M. Li com muito prazer. É um romance curto, uma novela, de pouco mais de 100 páginas. Dois sujeitos que fazem parte do corpo de hussardos do exército de Napoleão se desentendem por uma tonteria e passam a se enfrentar em combates singulares (duelos com espadas, sabres, pistolas, a pé e a cavalo, com padrinhos como testemunhas ou solitários) ao longo de quase duas décadas. Incrível como o livro é escrito em uma linguagem vívida, diria até cinematográfica mesmo, tão cheio de dinamismo e de imagens fortes. Ao mesmo tempo o Conrad descreve de forma muito rica precisa as nuances do caráter e do comportamento das pessoas, dos personagens, das gentes. Há escritores para os quais nenhum adjetivo laudatório é demasiado. Joseph Conrad merece mesmo toda a admiração e respeito que granjeou. [início: 07/07/2009 - fim: 12/07/2009]
"Os duelistas", Joseph Conrad, tradução de André de Godoy Vieira, editora LP&M pocket (1a. edição) 2008, brochura 11x18, 134 págs. ISBN: 978-85-254-1787-9

sábado, 1 de agosto de 2009

veneno remédio

Quem me deu a dica sobre este livro foi o Pedro Brum Santos, um pesquisador das letras e também boleiro, bem como narrador de futebol. Eu mesmo não jogo futebol, muito eventualmente assisto uma partida, estive em estádios apenas duas vezes e simplesmente não suporto aqueles programas de televisão onde um bando de patetas fica analisando os jogos do dia, do ano, das eras, como se a humanidade dependesse de algum lampejo surjido dali para se redimir. Porque li este livro afinal? Acontece que tenho obsessão por informações de qualquer natureza, inclusive esportivas, só por isto. E, afinal de contas, preciso me defender dos aficionados do futebol esgrimindo estatísticas e fatos. Bom, vamos ao livro: José Miguel Wisnik apresenta neste livro um consistente estudo histórico e sociológico sobre o fenônemo futebol no Brasil e no mundo. É um livro escrito com o rigor de um trabalho acadêmico, mas está longe de ser um livro pesado, pois ele escreve mesmo muito bem. Claro, ele é um entusiasta do futebol e realmente acredita no poder transcendental do futebol como ferramenta de entendimento dos povos. Isto dá ao texto um tom otimista demais, bossanovista demais, como se o Brasil fosse um dia tornar-se politicamente respeitado por conta dos sucessos que alcança no futebol. Gilberto Freyre, Roberto Schwarz, Machado de Assis, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Claude Lévi-Strauss alicerçam o livro, por assim dizer. Além do capítulo inicial de apresentação e final de considerações finais o livro tem duas grandes partes. Na introdução o tom é bem pessoal, onde ele explica seu envolvimento lúdico com o tema, mas já avisa que não perderá a mão firme do acadêmico que irá lhe guiar. Na segunda parte ele conta uma história do futebol, sua gênese, suas diferenças com os outros esportes, sua abrangência mundial. Na terceira parte ele usa a história das copas do mundo para descrever como o futebol praticado no Brasil se tornou eficiente, exemplar, invejado e tantas vezes campeão do mundo. O livro foi escrito entre duas copas, a de 2002, em que a seleção brasileira foi campeã, e a de 2006, onde a seleção brasileira perdeu sem ao menos chegar a final. As repercusões desta derrota ainda estão mal digeridas no livro, enquanto que o sucesso do formato utilizado em 2002, truncado e forçado, sem espetáculos e firulas, é discutido como contraponto ao futebol arte e a própria essência do futebol brasileiro em várias partes do livro. Há muito estofo histórico, filosófico, psicológico e sociológico nestas duas partes. Na quarta e última parte ele faz um sumário do que foi discutido e repete o que eu acho ser a tese central de seu livro: o quanto o futebol é privilegiado como ferramenta para entender, pois exemplarmente supera e renega, aquilo que ele define como "o paradoxo da escravidão brasileira" (que eu precisaria de um bom tempo neste blog para tentar explicar, se é que eu entendi bem). É um livro para se ler e refletir. Talvez um sujeito com menos preconceito que eu com o futebol possa acompanhar melhor as teses do livro. Vou pensar um tanto mais em tudo o que ele escreveu. O livro inclui muitas e generosas notas, além de um índice remissivo. Fiquei feliz em encontrar minha amiga Maria Luíza Kahl citada no livro, bem como em saber que o Maracanã foi inaugurado em um bloomsday, o bloomsday de 1950, mais uma efeméride joyceana para ser lida no ano que vem. Curiosamente a idéia e/ou motivação do livro parece ter saído de um trabalho do diretor de cinema italiano Pier Pasolini. Um trabalho onde este compara o futebol a uma linguagem e confronta jogadores italianos aos escritores daquela época, observando analogias entre os vários estilos e principalmente dividindo-os esquematicamente em futebol jogado em prosa e futebol jogado em poesia. Divertido não? [início 10/06/2009 - fim 07/07/2009]
"Veneno remédio: o Brasil e o futebol", José Miguel Wisnik, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 446 págs., ISBN: 978-85-359-1228-9