O
povo das artes organizou uma virada cultural na Casa de Cultura de
Santa Maria. Acho que foi Rebeca Stumm quem os reuniu. Era mesmo um mar
de gentes, uma miríade de colaboradores). Por mais de vinte e quatro
horas cada um ocupou e interferiu na Casa (e também na praça Saldanha
Marinho e em vários outros lugares da cidade). Cada um desenvolveu uma
idéia, se expressou de um jeito, inventou algo para fazer. Doña Helga e
doña Tânia decidiram organizar um ciclo de "leitura para pessoas
vendadas", uma forma de chamar a atenção das atividades da Associação de
Cegos que funciona regularmente na Casa. Resolvi aderir ao projeto e me
escalei para ler um tanto. Na atividade o público era levado (vendado,
claro) para um corredor às escuras. Uma luminária permitia que um
voluntário lesse algo para os cegos temporários, para os vendados.
Vários alunos da Helga participaram, levaram seus livros. Havia Eduardo
Galeano e Charles Bukowski, Caio Fernando Abreu e
Clarice Lispector, Shakespeare e Isaac Singer. Levei esse "Um cartão de
Paris", livro de crônicas de Rubem Braga. Passei o sábado relendo o
livro, escolhendo as histórias que planejava ler. Escolhi esse livro
porque havia lembrado do Antônio Carlos durante a semana. Ele morreu num
agosto, o do ano passado, e era um entusiasta das coisas do Rubem
Braga. Gostava particularmente do "Viver sem Mariana é impossível" (acho
que uma de suas filhas se chama Mariana exatamente por conta disto). Eu
retrucava que "A mulher que ia navegar" era mais definitivo. Ele falava
do "Homem ao mar", eu de "As luvas". Havia muito prazer e
companheirismo nessas conversas, que gravitavam música, literatura e
mulheres, gastronomia, viagens e futebol. Nesse "Um cartão de Paris"
encontramos 35 crônicas, selecionadas por Domício Proença Filho. Elas
foram publicadas no Estado de São Paulo entre 1988 e 1990, ano em
que morreu. São crônicas muito tocantes, com uma vitalidade que não
está na ação, no movimento, mas na potência, naquilo que apresenta e
conta ao leitor, quase num sussurro. Apesar do lirismo Rubem Braga não
deixa a melancolia contaminar seu texto, ou melhor, deixa, mas não nos
aborrecemos com a sinceridade, a ironia, os truques do velho bruxo. São
histórias cheias de vida. Lemos cada uma delas em cinco minutos, mas
elas nos enredam e permanecem conosco por tanto tempo, como um perfume
que se fixa e carregamos sem nos dar conta. O livro inclui uma
introdução muito boa de Domício Proença Filho, além de uma lista dos
livros publicado por Braga. Li algumas das histórias para o público que
participou do evento. Depois ouvi várias outras (vendado, claro). É uma
experiência curiosa. Mas a tarde era do Rubem Braga e do Antônio Carlos.
Sai da Casa de Cultura, caminhei sem pressa para casa, ainda com o
velho Braga e o velho Nenê me assombrando. [início - fim 26/08/2011]
"Um cartão de Paris", Rubem Braga, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (1997), brochura 14x21 cm, 139 págs. ISBN: 85-01-04853-4
domingo, 28 de agosto de 2011
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
às avessas
Há quantos anos estou as voltas com a leitura desse livro? Certamente desde meados dos anos 1980, quando José Paulo Paes traduziu a obra-prima de Joris-Karl Huysmans e o romance foi publicado. Mas aquele exemplar ficou perdido em meio a meus guardados, esquecido. Só agora, ao encontrar esta bela edição da mesma tradução pela Penguin/companhia das letras, é que me disciplinei para enfrentá-lo. Vale dizer que várias vezes neste período don André Soares cobrou-me a leitura (é esta a função dos bons amigos, hooray!). "Às avessas" é um romance único, seminal, que inaugura e explora quase todas as possibilidades de uma forma de narrativa dedicada a registrar o tédio, a decadência, a imobilidade, a depressão, o crepúsculo de um tempo, a banalidade das ações cotidianas, a inação e inércia de algo condenado a se esgotar. É um romance que antecipa experimentalismos literários que serão utilizados no início do século XX. Quando publicou o livro Huysmans era respeitado como um disciplinado naturalista, discipulo de Zola, mas com "Às avessas" ele se alinha ao movimento simbolista, influenciado por autores como Baudelaire, Mallarmé, l'Isle Adam e Verlaine. O leitor fica simultaneamente exasperado e encantado, enfeitiçado mesmo com o livro, enebriado com as imagens criadas, perguntando-se a que propósito afinal lhe serve a trama e o cenário que o autor apresenta e descreve. Quem já leu "O retrado de Dorian Gray", de Oscar Wilde, há de se lembrar que apesar de não nominado explicitamente é "Às avessas" o livro que inspira Dorian Gray em sua escalada de vícios e corrupção. Jean Floreissas des Esseintes, o curioso personagem do romance de Huysmans, é uma espécie de esteta infernal. Após terminar seus estudos o jovem duque Des Esseintes, último membro de uma aristocrática e centenária família francesa, decide se afastar da sociedade. Ele passa a materializar um mundo de sonhos, a acumular intensas experiências literárias, botânicas, sensuais, artísticas, estéticas, musicais, como se vivesse em uma Citera, a idílica ilha dedicada aos prazeres (como aprendemos no "Flores do mal", de Baudelaire). "Às avessas" lembra "Bouvard et Pécuchet", mas Flaubert é mais irônico e sarcástico que Huysmans. Des Esseintes é um personagem aparentado ao barão de Charlus (de Proust, claro). A edição é muito especial. Além do texto e de um prefácio do autor publicado vinte anos após a edição original o livro inclui introdução e notas de um especialista (Patrick McGuinness); uma inspirada apresentação do tradutor, José Paulo Paes; uma seleção de pequenos textos críticos; uma cronologia da vida de Huysmans e uma pequena bibliografia. Que bom se todo livro tivesse uma edição tão bem cuidada assim. Qualquer sujeito que fique exasperado com a banalidade reinante de nossos dias, onde a mediocridade é moeda de troca nas relações pessoais e a hipocrisia uma espécie de máscara coletiva, há de se divertir e se inspirar com esse livro. [início 07/07/2011 - fim 26/08/2011]
"Às avessas", Joris-Karl Huysmans, tradução de José Paulo Paes, São Paulo: editora Penguin/Companhia das Letras, 1a. edição (2011), brochura 13x20 cm, 347 págs. ISBN: 978-85-63560-18-6 [edição original: À rebours, Charpentier (França), 1884]
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
el oficio de oír llover
Javier Marías reúne em "El oficio de oír llover" 99 crônicas, publicadas originalmente na revista El País Semanal (para onde passou a escrever depois de um terrível caso de censura gerado por seus antigos editores). São dois anos de ensaística (ainda não estou convencido que seus textos sejam meras crônicas de jornal), publicados entre fevereiro de 2003 e fevereiro de 2005. Por conta da mudança de casa editorial ele retoma o procedimento de se apresentar (comum nas séries iniciais de crônicas: Pasiones pasadas, Vida de fantasma, Mano de Sombra). Ele fala de suas obsessões, de suas motivações como cronista, como sujeito que observa e lê seu tempo sistematicamente, que compartilha suas impressões com os novos leitores (apesar de muito provavelmente boa parte deles terem acompanhado sua disposição de mudança). O período dessas crônicas é particularmente movimentado, pois inclui o último dos anos do governo Aznar e o primeiro do governo Zapatero, como primeiro-ministro espanhol. A transição dá-se exatamente em 11 de março de 2004, quando um atentado terrorista em Madrid muda o rumo das eleições gerais espanholas. A mentira, o deboche e o uso político do atentado por Aznar reverte a tendência favorável a seu grupo político e dá a vitória ao grupo de Zapatero por estreita margem de votos. Marías reflete sobre seu tempo, fala sobre seu bairro, sua cidade, seu país, mas também sobre questões de alhures (os temas são variados: sobre um colega escritor austríaco, uma lei estranha que é aprovada na Alemanha, uma rebelião de presos nas selvas do norte brasileiro, sobre os filmes edulcorados de Hollywood). Ele pratica um feminismo não militante, reflete (quase sempre com ironia e sarcasmo) sobre questões jurídicas, questões filosóficas, as relações entre os sujeitos de sua cidade. É implacável com a corrupção, com a influência absurda da igreja católica na sociedade espanhola, com os desmandos dos políticos. O mais intolerável para ele é a imbecilidade reinante de seu tempo (que ele afirma ser perigosa ao corpo social como um todo, antes de tudo mais, pois aos imbecis cometer qualquer crime é justificável por seus fins, praticar qualquer censura é justificável antecipadamente, qualquer vilania é tolerável quando praticada em nome de um bem comum, qualquer ilação falsa e mentira necessárias se o objetivo é tanger uma população de iletrados, qualquer propósito pessoal possível de ser alcançado através de desvios e de verbas oficiais). Para quem vive no Brasil, onde o governo de plantão pratica exatamente estes procedimentos canalhas e onde até professores universitários são ingênuos a ponto de se tornarem estúpidos, pouco disso é novidade. Todavia Marías acrescenta a seus argumentos uma refinada lógica e uma poderosa erudição. Sua capacidade de convencimento é impagável. Mas nem tudo é árido desta vez. Há também leveza. São histórias de futebol, lembranças das amigas de sua mãe, comentários sobre escritores que admira, os livros que lê, as viagens que faz). Há muitas questões vernáculas, sobre o uso da língua no dia-a-dia, filologia e tradução). Seu senso de liberdade e individualidade é algo que sempre me surpreende. Que sujeito! Agora só me resta um volume de suas crônicas para ler (a corrrespondente aos anos 2005 e 2006, pois fui afoito e já li a dos anos 2007 e 2008). Ouro fino, que guardarei para os dias em que os prazeres da inteligência se fizerem urgentes, para os dias em que a razão e a serenidade para entender este admirável velho mundo me faltarem. [início 10/08/2011 - fim 19/08/2011]
"El oficio de oír llover", Javier Marías, Madrid: Alfaguara (Grupo Santillana de ediciones) , 2a. edição (2005), brochura 14x22 cm, 316 págs. ISBN: 84-204-6887-8
sábado, 13 de agosto de 2011
el campo del alfarero
"El campo del alfarero" foi publicado originalmente em 2008. Da série de livros de Andrea Camilleri onde o comissário Salvo Montalbano é protagonista ainda preciso garimpar cinco: L'età del dubbio (2008), La danza del gabbiano (2009), La caccia al tesoro (2010), Il sorriso di Angelica (2010) e Il gioco degli specchi (2011). Na dose adequada Camilleri sempre é garantia de diversão. Nesse "El campo del alfarero" acompanhamos Montalbano na investigação de um assassinato que tem as características típicas de uma execução de mafiosos. Mas o que o leitor segue com crescente curiosidade é o envolvimento na trama de Domenico Augello, ou seja, o vice-comissário Mimí, braço direito de Montalbano. Fazio, Catarella, Lívia têm sua cota de protagonismo na história. Camilleri sabe equilibrar o interesse pelo desfecho e a apreciação pura das técnicas, da metalinguagem que utiliza. Nesse romance ele usa novamente os sonhos amalucados de Montalbano para acelerar o ritmo da história, bem como faz uso de cartas para organizar suas idéias. Até a leitura de um livro antigo de Camilleri ajuda Montalbano a chegar a uma conclusão importante. Nada soa artificial ou forçado, mas um leitor já experimentado em suas histórias (e que seja um pouco mais exigente) acaba se aborrecendo com muita repetição. Claro, nos romances policiais e de aventuras é exatamente a previsibilidade de certas estruturas narrativas e procedimentos que garantem a fidelização do leitor. Paciência. Não é o melhor dos Camilleri mas vale o tempo de leitura. [início 08/08/2011 - fim 10/08/2011]
"El campo del alfarero", Andrea Camilleri, tradução de María Antonia Menini Pagès, Barcelona: ediciones Salamandra, 1a. edição (2011), brochura 14x22 cm, 221 págs. ISBN: 978-84-9838-356-0 [edição original: Il campo del vasaio (Sellerio editore) Palermo 2008]
terça-feira, 9 de agosto de 2011
duas novelas
As duas novelas incluídas neste livro foram publicadas separadamente no início dos anos 1990, ambas pela editora Imago. "Efeito suspensório", de 1993, é a mais curta das duas, "Goldstein & Camargo", de 1994, a maior. São duas boas histórias, escritas por um autor que domina técnicas variadas de como construir quebra-cabeças literários, que alcançam alguma versossimilhança. O ritmo e o material utilizado por Bernardo Ajzenberg nas duas é distinto, mas ambas são urbanas, contemporâneas. Elas gravitam uma São Paulo surpreendentemente discreta, que poderia ser entendida como um dos personagens (como o coro de uma tragédia grega). São histórias que tratam do que poderíamos chamar de "talentos desperdiçados", sujeitos que não suportam a cota de aborrecimentos a que são submetidos e se vêem, progressivamente, em uma espiral de inadequações e pequenas tragédias. "Goldstein & Camargo" é uma história de advogados, um thriller psicológico. Um dos sócios de um escritório de sucesso resolve defender no tribunal um colega de juventude envolvido em um crime passional. O outro sócio tenta acompanhar as motivações tortas do colega e entendê-lo, mas Proust já nos ensinou que aquilo que partilhamos com um amigo, um familiar, um conhecido, quase sempre é ilusório e parcial, enganador e frágil. A memória também é uma construção. "Goldstein & Camargo" convence, é uma história poderosa. "Efeito suspensório" discute algo das estratégias mentais que utilizamos para fugir dos problemas realmente centrais de nossa vida. Fala também das ações equivocadas derivadas dessas estratégias. Na histórias um sujeito que trabalha como contador em uma fundação tem pretensões artísticas (relacionadas ao mundo do teatro) e é seduzido por uma espécie de Mefistófoles moderno (Jonas, um bom personagem de Ajzenberg) com o qual viaja mundo afora e se associa num empreendimento maluco (uma espécie de bar descolado, talvez a fachada de um negócio de lavagem de dinheiro ou cousa que o valha). O autor sabe ser cruel, mas não sentimos pena do sujeito que ele inventou (somos afinal feitos do mesmo material que ambos). Gostei mesmo das histórias. Vamos a ver se encontro algo mais de Ajzenberg em breve. [início 01/08/2011 - fim 09/08/2011]
"Duas novelas", Bernardo Ajzenberg, Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (2011), brochura 14x21 cm, 220 págs. ISBN: 978-85-6325-2668-7
domingo, 7 de agosto de 2011
maigret e o mendigo
Em "Maigret e o mendigo" acompanhamos duas investigações. Há a investigação oficial sobre a tentativa de assassinato de um mendigo. Maigret e seus associados descobrem quem ele é (quem ele foi talvez seja mais apropriado dizer), alcançam saber das coisas nas quais ele estava envolvido. E há a investigação paralela, oficiosa, ligada ao instinto de Maigret, que percebe que o quase afogamento do mendigo está relacionado há algo mais antigo e importante. O mendigo se recusa a colaborar. Maigret está seguro que ele poderia juntar as duas histórias, mas seu silêncio não é rompido nem mesmo com a iminência da morte. O suspeito de Maigret é exatamente o barqueiro belga que salvou o sujeito das águas. Simenon brinca um tanto sobre certas diferenças entre belgas e franceses (sobretudo coisas relacionadas ao uso do francês e da lógica). O texto é bem movimentado, mas a violência policial é algo que transborda nesse livro. Fazia tempo que não ficava tão irritado com um livro, com um personagem. É que eu esqueci que qualquer sujeito que decida fazer parte de um corpo policial e/ou militar (para falar só das atividades mais óbvias) não deve mesmo valer grande coisa. Argh! Preciso ficar um bom tempo sem ler estes romances ligeiros do Simenon. [início - fim 05/08/2011]
"Maigret e o mendigo", Georges Simenon, tradução de Myriam Campello, editora L&PM Pocket (v. 801), 1a. edição (2009), brochura 10,5x18 cm, 160 págs. ISBN: 978-85-254-1920-4 [edição original: Maigret et le clochard, Presses de la Cité (França), 1963]
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
unhas
Sobre a trama de "Unhas" é melhor eu não me dedicar tanto, pois este é o tipo de livro que perde algo quando sabemos seu desfecho. Paulo Wainberg nos apresenta um "exterminador de paixões proibidas", uma espécie de serial killer que vende seus serviços, seus crimes, suas obsessões. A influência de Rubem Fonseca no estilo é marcante. Trata-se de um livro bem escrito. Wainberg alterna capítulos onde seu personagem principal age (planeja e executa seus crimes) com digressões sociológicas, psicológicas, filosóficas, literárias e religiosas. Além dessas digressões ele emula pequenos trechos, como se fossem originais de pulp fictions dos anos 1940 e 1950, e os distribuí por seu romance, sem conexão direta com a trama principal. O efeito procurado parece ser o de cotejar as técnicas e procedimentos criminosos utilizados por seu personagem com aquelas dos romances noir clássicos. Não é uma idéia ruim. O enorme número de pequenos capítulos (são 97 deles) me parece um artifício desnecessário. O romance ficaria melhor sem tanta fragmentação, pois o leitor teria o desafio extra de separar as vozes que o autor utiliza (ora um narrador onisciente é quem conta a trama, ora é o assassino quem a conduz, ora lemos trechos dos romances noir inventados por Wainberg). "Unhas" é um livro onde encontramos perversões, o domínio do sexo, pedofilia, alguma escatologia. Nada que um leitor do século XXI não encontre nos jornais ou na televisão regularmente. Duas bobagens me incomodaram (mas elas não comprometem o livro, faço o registro por conta de minhas obsessões). Um é a forma que o personagem principal utiliza para atrair seus clientes, demasiado inverossímil para mim (mas como o mundo da ficção é mesmo livre, temos de acreditar no autor). A outra é ler "teor magnético" quando o autor quer se referir ao que eu acredito ser "alta indução magnética" (uma tonteria, concordo, mas acontece que eu trabalho com magnetismo e não posso deixar passar isso). Bueno. Não é o melhor livro do ano, mas para quem está em busca de um thriller ligeiro, "Unhas" garante um bom par de horas de diversão. [início 03/08/2011 - fim 04/08/2011]
"Unhas", Paulo Wainberg, São Paulo: editora Leya, 1a. edição (2010), brochura 16x23 cm, 247 págs. ISBN: 978-85-62936-46-3
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
maigret e o negociante de vinhos
Ler os romances policiais de Georges Simenon proporciona entreterimento rápido e satisfatório. Conhecemos os personagens principais, os procedimentos, os bordões. O desfecho lógico e implacável do inspetor Maigret é algo seguro, o leitor nunca é surpreendido. Claro, um sujeito tem de controlar a dose, pois é fácil se cansar. Nestes dias vagabundos de férias de inverno (são apenas uns dez dias sem aulas, nada espetacular, que permita viagens e diversões genuínas) eis que resolvi ler alguns Simenon. Nesse "Maigret e o comerciante de vinhos" acompanhamos a investigação sobre a morte de um arrivista que ao longo de sua vida acumulou tanta fortuna quanto inimigos e detratores. Maigret está gripado e tem dificuldades para manter o ritmo e a atenção no processo complicado que tem em mãos. Simenon aproveita para refletir um tanto sobre as diferenças entre a moral burguesa e as regras de conduta dos trabalhadores mais simples de seu tempo (ok, isto é feito de forma muito superficial). Após algum esforço e diligências chega-se a confissão e ao culpado. Nada espetacular. Acho que não estou com o humor certo para essas leituras tão ligeiras. Vou experimentar só mais um e basta! [início - fim 02/08/2011]
"Maigret e o negociante de vinhos", Georges Simenon, tradução de Paulo Neves, editora L&PM Pocket (v. 800), 1a. edição (2009), brochura 10,5x18 cm, 169 págs. ISBN: 978-85-254-1919-4 [edição original: Maigret et le marchand de vin, Presses de la Cité (França), 1970]
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
hotel íris
As histórias sobre o Japão e as cousas que aprendi sobre os japoneses já fazem parte da forma como entendo o mundo, fazem parte de minha formação, num misto de admiração e reservas, ambas não exatamente justificáveis. Não sou um entusiasta cego da cultura japonesa, principalmente do etnocentrismo característico deles, mas de qualquer forma, tenho uma curiosidade intelectual sobre esse país e seu povo que transcende a mera aversão ao "noigrandes", o mero horror ao tédio. Encontei este pequeno romance noutro dia e a edição me chamou a atenção. Discreta e provocadora ao mesmo tempo. Yoko Ogawa, a autora, nascida em Okayama, no sul do Japão, tem seus cinquenta anos e já publicou mais de vinte romances. É uma escritora respeitada e premiada em seu país, mas não é exatamente a mais traduzida ou mais influente. Esse seu livro me agradou. Nele acompanhamos a história de uma garota que se envolve com um sujeito bem mais velho. Ela ajuda sua mãe na administração de um hotel de uma cidade costeira. Ele é um tradutor do russo, que vive afastado em uma ilha, nas proximidades da cidade em que vive a garota. O relacionamento dos dois não é trivial. Ambos experimentam medo e prazer na relação, encantamento e curiosidade no que descobrem um do outro. Entendemos desde o início que o tradutor é um personagem perverso, mas a garota é um personagem crível, que experimenta seu corpo sem convencionalismos (entender as variantes do comportamento sexual de cada povo é uma empreitada sutil e complexa como poucas). É um livro perturbador, na medida em que apresenta ao leitor uma situação limite nas relações humanas, que ao mesmo tempo nos atrai institivamente e nos choca moralmente. Enfim, Yoko Ogawa descreve como pessoas se relacionam no dia a dia, sem se aprofundar nas motivações externas aos atos delas, seus curiosos personagens. Livro interessante. Deve ser difícil encontrar outra coisa dela, mas vou procurar. [início 25/07/2011 - fim 31/07/2011]
"Hotel Íris", Yoko Ogawa, tradução de Marly Peres (a partir da tradução francesa de Rose-Marie Makino-Fayolle), São Paulo: editora Leya, 1a. edição (2011), brochura 12x21 cm, 205 págs. ISBN: 978-85-8044-090-4 [edição original: Hoteru Airisu (ホテル・アイリス) Tóquio, 1996]
terça-feira, 2 de agosto de 2011
vida conjugal
Nunca havia lido nada de Sergio Pitol, mexicano de seus quase oitenta anos, ganhador do prêmio Cervantes de 2005. Encontrei este "Vida conjugal" em um balaio de um sebo paulista e o li com autêntico prazer. É um romance curto, onde somos apresentados às atribulações do relacionamento de um casal mexicano durante a segunda metade do século passado. Esse casal, Jaqueline Cascorro e Nicolás Lobato, experimentam ascensão e queda, períodos de riqueza, viagens e serenidade com outros mais sombrios e humilhantes, vivem a dor das traições e o lenitivo dos reencontros. A ironia e o humor preenchem este romance do começo ao fim. Aprendemos um tanto sobre a vida íntima do equivalente à classe média do México, mas não encontramos em "Vida conjugal" reflexões sobre o cenário político ou econômico mexicano, demonstrando que não é necessário em um romance explicitar engajamentos políticos, ideologias e outras escravidões mentais (como muito se vê na produção brasileira dos últimos tempos). É um romance ligeiro e movimentado, talvez um tanto esquemático demais, já que depois de duas reviravoltas ficamos adestrados completamente aos truques utilizados por Pitol no trato de seus personagens. De qualquer forma gostei muito deste sujeito e da trama criada por ele. Romance honesto. Quem sabe quando um outro livro dele cairá em minhas mãos? Logo veremos. [início 28/07/2011 - fim 31/07/2011]
"Vida conjugal", Sergio Pitol, tradução de Bernardo Ajzenberg, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 107 págs. ISBN: 978-85-359-1427-6 [edição original: La vida conyugal (Mexico: editorial Anagrama), 1991]
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
comer e beber como deus manda
Sergio de Paula Santos teve uma vida movimentada, industriosa, plena (ele morreu há pouco mais de um ano). Tinha ointenta anos, era médico formado pela USP, respeitado otorrinolaringologista, mas talvez fosse mais conhecido por sua dedicação aos livros, à gastronomia e ao mundo dos bons vinhos. Lembro-me de ler sua coluna no Estadão, depois também na Folha de São Paulo. Para um neófito como eu, nada familiarizado com o hábito de tomar vinhos, os artigos eram puro encantamento, novidadeiros, impressionantes. Aprendi com ele um bocado de cousas. Nesse "Comer e beber como deus manda" (publicado postumamente) estão reunidos artigos variados, que abrangem todos os interesses gastronômicos de Paula Santos. Há textos que falam da história da culinária e dos vinhos; de suas preocupações; registram causos engraçados; abordam temas da medicina e saúde; fornecem informações ligeiras; lembram de pessoas e lugares; descrevem livros e tratados históricos sobre culinária. Há textos muito bons, inspirados, mas também umas poucas coisas repetitivas e maçantes (um defeito comum em livros que são como depositários de uma vida de reflexões e inspirações - não que ele não tenha publicado nada antes, justo o contrário, mas este me parece o livro mais ambicioso e de maior fôlego produzido por ele). A edição tem bom acabamento, inclui um pequeno conjunto de fotos (de dar inveja aos colecionadores de livos e de vinhos) e uma generosa bibliografia. Cabe o registro que ele legou à família cerca de 15.000 livros e umas 1.500 boas garrafas de vinhos. Para onde terá sido levado este tesouro? Seguro que o leitor há de se divertir um bocado em ter Sergio de Paula Santos como seu cicerone particular pelo mundo mágico dos prazeres da gastronomia e do vinho. [início 21/05/2011 - fim 27/07/2011]
"Comer e beber como deus manda", Sérgio de Paula Santos, São Paulo: editora Unesp (São Paulo: editora Senac), 1a. edição (2011), brochura 17x23 cm, 370 págs. ISBN: 978-85-396-9949-6 / 978-85-393-0098-3
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