sexta-feira, 24 de abril de 2009

pó de parede

Este pequeno livro editado pela "não editora", belo nome, nos apresenta três contos curtos de Carol Bensinon, uma jovem gaúcha de Porto Alegre. A meu juízo são três histórias que demoram a engrenar e/ou encantar, mas que engrenam e encantam afinal. A primeira história envolve um grupo de amigos que se dispersa nos desvios desta vida, tudo é apresentado em quatro, cinco pinceladas rápidas, o tempo vai e volta (mas é explícito, sem sacanear o leitor). Tudo é muito vago, mas é bem escrito e o conto se deixa conquistar. A segunda história é mais engajada, vamos dizer assim. Um sujeito volta a uma cidade (ou região, ou bairro) e organiza um grande investimento, que certamente vai radicalizar as mudanças na paisagem do lugar. Um garoto (que representa as forças vivas da natureza, talvez, estou especulando um bocado) transtorna o set de filmagens da propaganda que estava sendo preparada para o lugar. É como se a natureza, ou antes a humanidade adormecida destes tempos bicudos dominasse afinal uma situação. O último conto envolve uma história bem curta. Uma moça resolve ganhar um dinheiro trabalhando em um hotel. A idéia é também aprender algo sobre o ser humano enquanto se trabalha subserviente à ele. Mas as relações de trabalho não foram inventadas para oportunizar jovens escritores a ganhar experiências de vida. O que dizer? Li os contos com prazer. São de fato bons exercicios de escrevinhação, mas eu estou mal acostumado, acabei de ler o livro de estréia do Philip Roth e fico a pensar que um sujeito que vai enfrentar resmas de papel em branco tem de mostrar mais estofo logo de cara, não pode apenas mostrar exuberância e bem escrever, há que mostrar vísceras expostas, de alguma forma se expor sem medo e sem pudor. Dueña Carol me fez anotar seu nome e me faz esperar algo que venha de seu futuro imediato. Sabe-se lá quando um Nathan Zuckerman não aparece na vida da gente. Vale a leitura. [início 17/03/2009 - fim 20/03/2009]
"Pó de parede", Carol Bensimon, não editora (1a. edição) 2008, brochura 13x18, 122 págs. ISBN: 978-85-61249-05-2

terça-feira, 21 de abril de 2009

playback

Por sugestão de um amigo meu resolvi experimentar este Raymond Chandler. De fato apesar de ter lido muitos romances policiais nunca havia experimentado Chandler, conhecido como um mestre neste ofício. Claro, eu já o conhecia através do cinema, pois é de Chandler a criação do detetive particular Philip Marlowe, interpretado por Humphrey Bogart no "Falcão Maltês", filme que já vi um bocado de vezes. Este "Para sempre ou nunca mais" é a tradução de um original publicado em 1958 simplesmente como "Playback" (vá saber porque a editora resolveu usar este título português). Em duas páginas todos os clichês que usualmente associamos aos livros de detetive já são utilizados: uma loura fatal, um detetive entediado com um cigarro fumegante preso no canto da boca, uma sucessão de frases espirituosas e cortantes sendo trocadas entre os dois, uma ameaça de chuva, uma gabardine cinza que esconde as curvas (certamente voluptuosas) da loura, uma requisição enigmática dos serviços do detetive. Tudo muito cinematográfico, visual. Claro, o sujeito praticamente reinventou este estilo de literatura e impregnou todas as gerações futuras de cinéfilos com estes signos. É um livro que se lê de um fôlego só. Tudo acontece muito rapidamente, mas há também alguma reflexão sobre a condição humana, sobre Deus e a fé, principalmente. O detetive é contratado para seguir uma moça e logo chega a um hotel de luxo na fronteira dos Estados Unidos com o México. Aparentemente ela foi acusada de assassinato em um estado do meio oeste americano. Vários outros sujeitos também estão no seu encalço, sujeitos que não hesitam em usar de violência e até matar quem se interpõe entre eles e a moça. Ela é uma sobrevivente, portanto tampouco hesita em utilizar-se da mentira e da sedução para se safar. O detetive Marlowe parece sempre estar um passo atrás da ação e das peripécias da moça mas no final (claro!) vai ser a peça chave no desfecho da trama. Livro tranquilo de se ler, na verdade o sujeito escreve mesmo muito bem. Dei boas risadas mas há que considerar que este mundo glamuroso com sua ética e moral próprios, de sessenta, setenta anos atrás, não existe mais. No mundo de hoje, muito mais cínico e devasso, povoado por Bushs e Madoffs, Sarneys e Collors, Tarsos e Protógenes, Castros e Chavez, Lulas e outros medíocres de plantão, o mal cheiro é muito mais intolerável. [início 19/03/2009 - fim 20/03/2009]
"Para sempre ou nunca mais", Raymond Chandler, tradução de Pedro Gonzaga, editora LP&M (1a. edição) 2007, brochura 11x18, 176 págs. ISBN: 978-85-254-1705-3

sábado, 18 de abril de 2009

el hombre que mira

Antes deste "El hombre que mira", publicado em 1948, eu só havia lido um livro de Alberto Moravia. Era o "La Romana", que li apaixonadamente pois à epoca estava apaixonado por uma mulher que tinha o mesmo nome da personagem principal e isto cosmicamente devia significar alguma coisa. O que não fazemos quando estamos apaixonados? Com estas lembranças em mente ao ver este livrinho do Alberto Moravia em uma estante invulgar decidi comprá-lo de uma vez. Começo a leitura e "presto!": novas coincidências para mim, já que um dos personagens principais do livro é um físico e seu filho um professor, dois aguinaldos num só. Os caminhos que os livros fazem para nos encontrar são mesmo curiosos. Pois bem. A história envolve uma relação amorosa em crise. Na Itália do início dos anos 1980, um homem e uma mulher dividem um grande apartamento com o pai do primeiro. Este, um velho senhor, um físico e professor universitário algo famoso e importante, sofreu um acidente e quebrou a perna, com isto tem de ficar imobilizado em uma cama durante um certo tempo. Este fato gera uma crise no relacionamento do casal, pois a presença contínua do pai no apartamento e todos os cuidados e atenção de que precisa evidenciam o desconforto e falta de privacidade que os afligem. O apartamento na verdade devia pertencer ao homem, pois era parte da herança da mãe, mas na juventude ele o havia renegado, arroubo típico da contracultura européia do final dos anos 1960. Agora ele também é um professor universitário como o pai, faz parte do sistema, digamos assim, mas tenta parecer ainda jovem no espírito e na maneira como administra sua vida. O acidente com o pai perturba o frágil equilíbrio das relações entre todos, ele e o pai, ele e a mulher, a mulher e o sogro. A mulher decide sair de casa por uns tempos. Ele perambula pela Roma luminosa em busca de alguma tranquilidade, eventualmente flertando com uma bela africana que ele casualmente conhece. Através de uma das jovens enfermeiras do pai descobre o quanto ele é cativante e sedutor. Um dia ele relembra uma cena de sua infância onde o relacionamento de seu pai e de sua mãe fica mais claro para ele. Vários temas são discutidos neste livro: a ciência, o erotismo, o voyerismo, a psicologia, as diferentes formas de traição, o sexo, o processo educativo, as relações entre pais e filhos, as mudanças que o tempo provoca nas maneiras de encarar a vida. Escrever mais sobre a trama anteciparia situações que um eventual leitor não precisaria saber agora. Gostei muito do livro. É mesmo produto de um escritor maduro (foi um dos últimos romances publicados por Moravia) que conhece como poucos as sutilezas das relações amorosas e afetivas. Há coisas que me fizeram me lembrar de Coetzee (o homem lento) e também de Proust (o voyerismo naquela cena com a filha do compositor Vinteuil ou naquela onde o narrador vê Charlus e Jupien). A obsessão do narrador com as semelhanças de algumas personagens e as imagens de um quadro lembra também o Swann do Proust. Belo livro, que li aos poucos, intercalando com vários outros. Procurei nos meus guardados o "La Romana" que eu discutia e explicava tão apaixonadamente para minha musa, mas não o achei. Devo ter deixado com ela. Acontece. [início 11/02/2009 - fim 13/03/2009]
"El hombre que mira", Alberto Moravia, tradução de Silvia Querini, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2006, brochura 13x19, 244 págs. ISBN: 978-84-9793-935-2

sexta-feira, 17 de abril de 2009

mokusei! y el buda

Neste livro foram reunidas duas novelas curtas de Cees Nooteboom. "Mokusei!", assim mesmo com o ponto de exclamação no final, é de 1982 e "El Buda tras la empalizada" é de 1986. Ambas tratam do estranhamento experimentado pelos viajantes quando encontram outras culturas, outras formas de viver a vida. Nas duas histórias se valoriza o conhecimento ou antes o aprendizado de línguas novas, como ferramenta para o próprio auto-conhecimento. Aqueles sons novos ecoando em nosso cérebro têm de ganhar espaço e promovem uma reorganização mental. A primeira é uma história de amor entre um fotógrafo holandês e uma moça japonesa. Amores assim são sempre impossíveis e condenados de antemão. Ele a conhece durante uma primeira viagem de trabalho ao Japão, tenta manter o relacionamento à distância, volta algumas vezes para revê-la. Tudo muito poético e delicado. Uma noite ela o abandona discretamente (ela já havia dito que aquela seria a última vez que eles se veriam, já que ela se mudaria de cidade, seguiria sua vida, mas ele não parecia acreditar nisto quando a viu), deixando-o com uma tristeza palpável, que ele sabe será dali em diante carregada sempre consigo. Já "El Buda tras la empalizada" se passa na Tailândia, em Bangkok. Um viajante com seu passaporte, mapas, chapéu panamá, terno branco e caderno de notas tipicamente ocidental sai da rota francamente turística de um passeio e descobre um tanto do país real que se esconde atrás das paredes. Há miríades de Budas por toda a parte. Tudo é ainda mais estranho e exótico para ele. Ele vai apresentando as palavras que vai descobrindo e através delas apresenta este mundo novo. De volta ao hotel ficamos na dúvida se tudo não foi um delírio, um sonho, provocado pelo calor excessivo talvez. Gostei de uma metáfora que o personagem usa em uma longa descrição do budismo. Para ele a idéia de Karma é como uma bagagem etiquetada, aparentemente nosso corpo se afasta dela durante as viagens, mas através da etiqueta ela sempre nos alcança. Em ambas histórias há a idéia de uma tristeza que machuca mas não consome, não desgasta o sujeito. Belas histórias, sem dúvida. [início 08/03/2009 - fim 11/03/2009]
"Mokusei! y El Buda tras la empalizada", Cees Nooteboom, tradução de Julio Grande, ediciones Siruela (Debolsillo) (1a. edição) 2007, brochura 13x19, 104 págs. ISBN: 978-84-8346-439-7

domingo, 12 de abril de 2009

higiene do assassino

Em um dia estival de fevereiro eis que encontro meus grandes amigos Rrenato Cohen e Luiz Melo, na São Paulo dos Campos de Piratininga. Foi um belo dia "flanando", como diz sempre o Renato. Abancados nas poltronas de uma cafeteria, um tanto longe da rua Lopes Chaves, eis que começamos a falar de Amélie Nothomb. Luiz me disse que seu preferido era "Higiene do Assassino" e eu teimava em dizer que havia lido a versão espanhola, "Cosmética del Enemigo". Mas as histórias não combinavam, falávamos de livros diferentes, seguro que sim. Renato apreciava a disputa literária, bebericando calmo seu café. De volta a minha casa, ainda mais longe da Lopes Chaves, encomendei este "Higiene do Assassino" e li em dias felizes, ainda animado com meu dia de aniversário. Como sempre a autora sabe concentrar em poucas páginas uma reflexão seminal sobre o comportamento humano. O livro tem pouco menos de 200 páginas. Acompanhamos cinco entrevistas feitas com um irascível e genioso prêmio Nobel de literatura francês que, ao descobrir-se com uma doença terminal, decide permitir que cinco jornalistas registrem suas últimas considerações sobre o mundo e a vida, sobre a literatura e a espécie humana, que ele despreza sonora e literalmente, misantropo que é. As entrevistas são combates verbais, onde o escritor desnuda as hipocrisias, vaidades e limitações de cada um dos jornalistas, expondo o quanto o mundo da crítica literária e do jornalismo cultural é falso, tosco e irresponsável. Mas a última das selecionadas para entrevistá-lo é feita de um outro estofo e lentamente troca de posição com o escritor e passa ela sim a desnudar agressivamente vida e obra do sujeito, em um processo onde seu objetivo parece ser descobrir a gênese do escritor, o momento em que este despertou para a literatura. O que ela descobre (ou talvez já soubesse de alguma forma) é que o inicialmente misógino escritor amou e matou quando jovem e é neste binômio, do amor e da morte (primos segundo Drummond de Andrade), que repousa toda sua obra literária. Ao fim ela se torna (assistida por ele) uma espécie de avatar, uma iniciada, uma sucessora. É mesmo fácil identificar em cada homem todos os defeitos da espécie humana, reconhecer todas as odiosas possibilidades aflorando, como se todos nós apenas esperássemos um momento de desatenção social e/ou psicológica para reverternos todos à barbárie absoluta. Ulalá. [início 05/03/2009 - fim 08/03/2009]
"Higiene do assassino", Amélie Nothomb, tradução de F. Rangel, editora Record (1a. edição) 1998, brochura 14x21, 172 págs. ISBN: 85-01-04884-4

quinta-feira, 9 de abril de 2009

desorientais

Fazia muito tempo que estava planejando ler com calma alguma poesia. Este pequeno livro de hai-kais de Alice Ruiz encontrei por acaso e os acasos devem ser aproveitados. Estes poemas acabaram sendo meu presente de aniversário. Li com calma o dia todo, voltando para um ou outro, sempre com prazer. Os hai-kais são uma forma poética de origem japonesa, onde a objetividade e a síntese são sempre procuradas. Até onde aprendi os poemas tem sempre dezessete fonemas distribuídos em três linhas. É difícil "descrever" um poema deste tipo. Ficamos com uma impressão distinta após cada um deles, leitura que leva segundos, mas que nos leva a pensar por um tempo certamente mais longo. Gostei de poemas que são muito diferentes entre si, poemas do tipo: "dia que termina, nenhuma pressa, ano que começa"; "circuluar, sonho ímpar, acordo par"; folha seca, sobre o travesseiro, acorda borboleta"; "o relógio marca, 48 horas sem te ver, sei lá quantas para te esquecer" A primeira edição deste livro é de 1996. Li uma quarta edição, ainda da Iluminuras, grande editora que se dedica quase sempre à poesia. Nesta edição temos um prefácio generoso de José Miguel Wisnik, lembrando dos tempos de suas visitas à Curitiba, para ver e conversar com o casal de poetas Paulo Leminski e Alice Ruiz. Leminski escreveu muitos hai-kais e influenciou toda uma geração de poetas brasileiros. Para mim foi um bom dia de leitura. Preciso sim ser mais disciplinado e fazer estas pausas poéticas com mais regularidades. [início 04/03/2009 - fim 04/03/2009]
"Desorientais", Alice Ruiz S, editora Iluminuras (4a. edição) 2008, brochura 14x19, 123 págs. ISBN: 978-85-7321-039-7

sábado, 4 de abril de 2009

almodóvar

Neste "Conversas com Almodóvar", Fréderic Strauss nos apresenta uma série de entrevistas produzidas originalmente para a revista francesa Cahiers du Cinema. Elas cobrem um período de quinze anos e incluem discussões sobre todos os longas metragem dirigidos por Almodóvar, desde "Pepe, Luci, Bom y otras chicas del montón", de 1980, até "Volver", de 2006. São entevistas muito boas, onde Almodóvar é deixado livre para refletir sobre sua obra sem perguntas esquemáticas ou simplesmente burocráticas. Sutilezas de cada um dos filmes são discutidas e ambos, entrevistado e entrevistador, se dão conta de entendimentos novos que os filmes provocam. Além destas conversas (mais que entrevistas, pois Almodóvar está sempre a vontade e se deixa levar pelo tempo que passa) o livro inclui um bom número de fotografias e quase dez ensaios produzidos por Almodóvar e seu irmão Agustín, em sua maioria textos produzidos para orientar os jornalistas quando do lançamento de seus filmes. Há também uma filmografia excelente no final, com a ficha técnica de todos os filmes produzidos nestes vinte anos. Estas reflexões são bem mais cerebrais e intelectualizadas que aquelas registradas por Eric Lax em seu livro sobre Woody Allen que li e resenhei aqui meses tempos atrás. Curioso como Woody Allen parece um diretor mais improvisador e muito menos preocupado com as interpretações possíveis de sua obra. São dois grandes diretores, ou melhor, realizadores, que controlam o proceso produtivo de seus filmes em quase todos os detalhes, mas Woody Allen parece menos esquemático que Almodóvar. Lê-se este livro de Almodóvar com enorme prazer. Recuperei meus CDs dos filmes dele, fiquei ouvindo um tanto aqueles boleros e tentando lembrar de detalhes de seus filmes. Se a época da leitura deste livro ainda estava encantado com o último Woody Allen,: Vicky, Cristina, Barcelona, que vi e revi, prometi a mim mesmo "volver" aos filmes de Almodóvar, seguro e decidido, assim que possível. [início 26/02/2009 - fim 03/03/2009]
"Conversas com Almodóvar", Fréderic Strauss, tradução de Sandra Monteiro e João de Freire, editora Zahar (1a. edição) 2008, brochura 16x23, 312 págs. ISBN: 978-85-378-0091-1

sexta-feira, 3 de abril de 2009

medo e submissão

Os livros de Amélie Nothomb são sempre pequenos, mas invariavelmente deixam o sujeito moído por dentro no final. Difícil não ficar pensando um tanto, não ser arrebatado pela combinação de idéias que ela apresenta. A história é tão surpreendente que prefiro não incluí-la entre romances, pois acredito que não há a imaginação que supere a realidade. Neste relato autobiográfico Amélie Nothomb conta sua experiência como funcionária de uma companhia japonesa no início dos anos 1990. Ela é contratada para ser intérprete mas a rígida organização da companhia torna inevitável que ela seja realocada em posições cada vez mais subalternas, terminando seu ano de contrato como atendente dos banheiros da empresa. Tudo se passa como um ritual de passagem que ela devesse enfrentar para seguir seu caminho, sua vida. As reflexões dela são objetivas, seminais. Os demais personagens são antes patéticos que estranhos a um ocidental. Eles são os "chefes" da narradora, primeiro a chefe imediata, Fubuki, depois, Saito, Umashi e enfim, Haneda, o presidente da companhia. Com todos eles a narradora tem passagens que flertam com o cômico, mas são retratos de um assédio moral consentido, a forma mesmo de organização do trabalho no Japão. Excelente livro. Anos atrás vi um filme baseado nele, com a deliciosa francesinha Sylvie Testud fazendo o papel de Nothomb. À época tudo me pareceu tão impossível e surreal que não me animei em ler o livro (é deste tipo de tolice que padecemos às vezes). Todo aquele interessado em entender melhor culturas diferentes e distantes aproveita muito deste livro, principalmente por nos apresentar como um princípio de realidade, na forma de ferramentas mentais para se livrar, como neste caso, do japão idealizado e glamourizado, que tendemos a acreditar existir. Acabei de ler um livro de Cees Nooteboom onde algo semelhante acontece, em uma história que também se passa no Japão. Voltarei logo a este tema portanto. [início - fim 25/02/2009]
"Medo e submissão", Amélie Nothomb, tradução de Clóvis Marques, editora Record (1a. edição) 2001, brochura 14x21, 142 págs. ISBN: 85-01-05840-8

quinta-feira, 2 de abril de 2009

os homens que não

Este "Os homens que não amavam as mulheres" é mais um dos livros indicados por minha amiga Cristina Goméz Polo, moradora das terras altas de Navarra. Um dia ela me perguntou se Stieg Larsson era um best-seller por aqui e eu não soube responder. Olhei uma lista de mais vendidos e lá estava este volume. Curioso, comprei para ler durante o feriado de carnaval, dias medonhos para um cético incorrigível como eu. Este livro é o primeiro volume de uma trilogia que foi publicada originalmente em sueco em 2005 e que alcançou rapidamente grande número de entusiásticos leitores na Europa. Uma versão cinematográfica já foi produzida na Suécia. Por conta de uma daquelas coincidências caras ao Jung o autor morreu jovem e imediatamente após entregar os originais a seu editor, o que só aumentou a aura de livro maldito desde o início. Trata-se de um romance policial, um thriller, uma história de suspense, mas que é recheada de informações muito precisas sobre a sociedade atual. Não se trata de uma descrição muito generosa. Stieg Larsson nos apresenta uma Suécia falsa, inconstante, hipócrita, cruel, xenofobista, perversa mesmo. Estes adjetivos todos poderiam ser aplicados a toda sociedade ocidental contemporânea, acredito eu, inclusive a brasileira, tão mesquinha e tacanha. O enredo é movimentado. Dois personagens fortes são apresentados: o primeiro é um jornalista investigativo cuja ética e disciplina moral o leva a desvendar casos e negociatas escabrosas que envolvem os grandes grupos financeiros, políticos e de comunicação, os donos de plantão do poder; a segunda personagem é uma jovem investigadora, "hacker" nas horas vagas, anarquista ao extremo, no espírito e nas ações, mas que tem de lutar para manter-se, com alguma honestidade intelectual, à margem da sociedade, sem ser incomodada. Os destinos de ambos se cruzam ao investigarem o passado (e o presente) de uma sólida e tradicional família sueca. É um livro poderoso. Certamente vou tentar encontrar os dois volumes que o seguirão (mas que certamente envolverão outras histórias, outros problemas). É fácil lembrar de Bergman ou fazer uma associação entre este livro e o excelente "Festa de família", filme de Thomas Vinterberg lançado em 1998, um dos filmes feitos sob o espírito do projeto cinematográfico Dogma95. Eu, que estive na Suécia em um idílico passeio no íncio dos anos 1990, fiquei arrebatado com a crueza com que o autor revela o quão sombria é aquela sociedade. Dueña Natália Diacoyannis, também uma viajante e dona de um fino juízo tem razão: "Uma coisa é ser turista, pois todo o mundo te trata com respeito por ver que você é turista e está dando seu dinheiro para o país deles, outra coisa é viver com eles por algum tempo...". [início 23/02/2009 - fim 24/02/2009]
"Os homens que não amavam as mulheres - Millennium 1", Stieg Larsson, tradução de Paulo Neves, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2008, brochura 16x23, 522 págs. ISBN: 978-85-359-1324-8

quarta-feira, 1 de abril de 2009

firmin

Comprei e li este livro por impulso. Eu já estava envolvido em outras coisas mas a idéia de um livro cujo personagem principal era um rato me interessou. Claro, eu ainda estou com a memória fresca com a leitura do excelente "Eu sou um gato" de Natsume Soseki. Mas a comparação não é nada favorável a este Firmin, de Sam Savage. Não que o livro seja ruim. É um bom livro, bem escrito, mas falta algo de transcendental nele. Acompanhamos a curta vida de um rato da periferia da Boston (Massachusetts) dos anos 1960. O rato é o décimo terceiro de uma ninhada e por conta da dificuldade de conseguir leite materno (sua mãe somente tem doze tetas) aprende a consumir o papel dos livros picados sobre os quais nasceu. Por acaso este livro era um poderoso Finnegans Wake de James Joyce. Aos poucos o rato aprende a ler e desenvolve uma inteligência superior, mas seu corpo franzino não garantirá que ele "domine o mundo", como um outro rato, Cérebro, de um desenho animado simpático, acreditava ser possível conseguir. A vida do rato é uma metáfora das possibilidades que uma boa educação trás (tanto as boas: o alargamento dos horizontes e a compreensão do mundo; quanto as más: o isolamento e decepção com seus semelhantes). Trata também da rapidez com que as mudanças nos alcançam e nos modificam. Fermin cresce e consome sem ordem ou projeto uma infinidade de livros, alcançando uma invejável capacidade de entender o mundo dos homens. O mundo que o cerca é decadente (um sebo de uma região degradada - uma praça real, chamada Scollay, que será logo demolido) e cruel (seus "conhecidos" são bêbedos, prostitutas, loucos, deserdados). Quando o prédio onde nasceu e viveu é demolido ele fica sem lar e sem razão de viver. Seus últimos minutos são dedicados a saborear mais algumas páginas de seu ninho, mais algumas páginas do Finnegans de James Joyce. Divertido afinal, mas eu ainda prefiro o lirismo alcançado por Soseki com seu gato. [início 05/02/2009 - fim 22/02/2009]
"Firmin", Sam Savage, tradução de Bernardo Ajzenberg, editora Planeta (1a. edição) 2008, brochura 14x21, 244 págs. ISBN: 978-85-766-5385-1