Em um dia estival de fevereiro eis que encontro meus grandes amigos Rrenato Cohen e Luiz Melo, na São Paulo dos Campos de Piratininga. Foi um belo dia "flanando", como diz sempre o Renato. Abancados nas poltronas de uma cafeteria, um tanto longe da rua Lopes Chaves, eis que começamos a falar de Amélie Nothomb. Luiz me disse que seu preferido era "Higiene do Assassino" e eu teimava em dizer que havia lido a versão espanhola, "Cosmética del Enemigo". Mas as histórias não combinavam, falávamos de livros diferentes, seguro que sim. Renato apreciava a disputa literária, bebericando calmo seu café. De volta a minha casa, ainda mais longe da Lopes Chaves, encomendei este "Higiene do Assassino" e li em dias felizes, ainda animado com meu dia de aniversário. Como sempre a autora sabe concentrar em poucas páginas uma reflexão seminal sobre o comportamento humano. O livro tem pouco menos de 200 páginas. Acompanhamos cinco entrevistas feitas com um irascível e genioso prêmio Nobel de literatura francês que, ao descobrir-se com uma doença terminal, decide permitir que cinco jornalistas registrem suas últimas considerações sobre o mundo e a vida, sobre a literatura e a espécie humana, que ele despreza sonora e literalmente, misantropo que é. As entrevistas são combates verbais, onde o escritor desnuda as hipocrisias, vaidades e limitações de cada um dos jornalistas, expondo o quanto o mundo da crítica literária e do jornalismo cultural é falso, tosco e irresponsável. Mas a última das selecionadas para entrevistá-lo é feita de um outro estofo e lentamente troca de posição com o escritor e passa ela sim a desnudar agressivamente vida e obra do sujeito, em um processo onde seu objetivo parece ser descobrir a gênese do escritor, o momento em que este despertou para a literatura. O que ela descobre (ou talvez já soubesse de alguma forma) é que o inicialmente misógino escritor amou e matou quando jovem e é neste binômio, do amor e da morte (primos segundo Drummond de Andrade), que repousa toda sua obra literária. Ao fim ela se torna (assistida por ele) uma espécie de avatar, uma iniciada, uma sucessora. É mesmo fácil identificar em cada homem todos os defeitos da espécie humana, reconhecer todas as odiosas possibilidades aflorando, como se todos nós apenas esperássemos um momento de desatenção social e/ou psicológica para reverternos todos à barbárie absoluta. Ulalá. [início 05/03/2009 - fim 08/03/2009]
"Higiene do assassino", Amélie Nothomb, tradução de F. Rangel, editora Record (1a. edição) 1998, brochura 14x21, 172 págs. ISBN: 85-01-04884-4
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