sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

o pato, a morte e a tulipa

Este será o último livro que resenharei este ano. Li ainda em julho ou agosto, não me lembro mais, todavia decidi ainda naquela época que deixaria este pequeno livro para ser resenhado por último. Acontece que neste ano vários amigos e/ou conhecidos próximos morreram. Alguns eram mortes anunciadas, estavam doentes há tempos e sinalizando este desfecho. Outros se foram mesmo numa surpresa. Não posso dizer como Flaubert que "meu coração está transformado em uma necrópole", pois minha relação com estes amigos não era exatamente íntima, mas fiquei realmente aborrecido com estas perdas, como se a materialidade da morte se entranhasse numa camada ainda inacessível de mim mesmo. Surpreendi-me com meu distanciamento e frieza. Será que este comportamento é perene? Sentirei o mesmo quando pessoas ainda mais próximas morrerem? Não sei dizer. Pois "O pato, a morte e a tulipa" é um livro para crianças que conta um tanto sobre a morte, que apresenta a morte ao leitor (não necessariamente apenas aos leitores jovens, pois também os adultos podem gostar desta morte - que fala com ironia, que se diverte em acompanhar o pato em suas últimas semanas). O traço de Erlbruch é muito bonito, o texto curto, sem sobressaltos. A filosofia e a cultura amarram o texto. O pato conversa com a morte sobre sua natureza. Entende que quando estiver morto haverá um vazio, um "lá", sem ele, mas que será para o pato também um "não lá", algo que existe a despeito dele, mas está entranhado e definido por ele. É só uma associação besta, mas este belo livro fez-me lembrar de um poema de Wystan Auden onde ele perguntava: "Whither? Where does this journey look which the watcher upon the quay, standing under his evil star, so bitterly envies, as the mountain swim away with slow calm strokes, and the gulls abandon their vow? Does it promise a juster life?" Afinal, para onde aponta esta jornada? É isso o que cada um de nós leva uma vida inteira para descobrir. O livro é bonito, mas este foi um ano ruim. [início 01/06/2010 - fim 24/12/2010]
"O pato, a morte e a tulipa", Wolf Erlbruch, tradução de José Marcos Macedo, editora Cosac Naify (1a. edição) 2009, brochura 24x29,5, 32 págs., ISBN: 978-85-7503-831-4
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Balanço final [31.12.2010]
Este foi um ano complicado, mas ler marcou sempre os melhores momentos, algum descanso na loucura, algum descanso dos aborrecimentos. Li coisas realmente boas, fortes. Li uns seis ou sete bons livros de Javier Marías, notadamente de crônicas, o sujeito sabe ser convincente; encontrei as últimas cositas do Manolo Vazquez Montalbán e do Cees Nooteboom; descobri o poder da prosa de Enrique Vila-Matas; li bons livros de Ian McEwan, Cormac McCarthy e Alejo Carpentier; diverti-me com a prosa descompromissada de Andrea Camilleri e seu adorável comissário Montalbano. Este foi um ano em que li muitos livros em espanhol (29% do total) e que voltei a ler romances policiais (mas os livros de Camilleri oferecem algo mais ao leitor que apenas escapismo). Foi o ano que passei a usar os portais de sebos Abebooks e Iberlibros para garimpar o que me falta na biblioteca, que cousa boa! E foi o ano do lançamento de Arquimedes, um romance coletivo que produzimos cá em Santa Maria, que vendeu e vai vender bem mais ainda. Eis que em 2010 foram 130 livros lidos, quase o mesmo que no ano passado. Foram 28 romances, 18 de crônicas ou ensaios, 14 de perfis ou memórias, 12 romances policiais, 11 novelas, 11 de contos, 9 cartuns ou mangás, 7 de poesia, 6 de gastronomia, 5 infanto-juvenis, 3 didáticos, 3 de aforismos, 2 livros de arte e 1 drama poético (o seminal Filoctetes de Sófocles, que belo livro). No ano que vem quero reler alguns clássicos, como as Metamorfoses, a Ilíada e a Odisséia; voltar a passear pela Mancha com Don Quixote; retomar algum Shakespeare; mergulhar em alguma mitologia, celeiro dos homens; reaprender algo com Joyce, claro; e voltar aos caminhos de Swann e Guermantes, com Proust. É tempo! São projetos de comemoração de meus cinquenta anos. Veremos. Se é que você me acompanhou até aqui boas festas, felicidades mil. Vamos a ver o que se passará de verdade em 2011. Vale.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ligeiramente fora de foco

Vi este livro nas prateleiras da CESMA e fui arrebatado pelas fotos ao folheá-lo (no início quase displicentemente, confesso). O livro reúne uma centena de fotos de guerra e um texto relativamente curto do autor das fotos: Robert Capa. Ele é lembrado por muitas coisas: foi co-fundador da agência cooperativa de fotografia Magnum e produziu centenas de fotos ao permanecer na linha de frente de todas as guerras possíveis entre os anos 1935 e 1954 (quando pisou em uma mina terrestre na Indochina e morreu). Uma de suas fotos mais famosas registra um miliciano da guerra civil espanhola no exato momento em que tomba alvejado de morte. Em "Ligeriamente fora de foco" ele conta parte de sua vida nos anos da segunda grande guerra, principalmente aspectos rocambolescos de como conseguiu tornar-se correspondente de guerra e estar quase sempre na frente de batalha mesmo sem contar inicialmente com um passaporte oficial (ele era Húngaro, um país que naquela época já estava tomado pelos nazistas). O ritmo do texto lembra o tom dos livros de memórias de David Niven, principalmente quando ele fala dos acasos da vida, de como a vida é mesmo sempre surprendente até para o mais neurótico dos estrategistas mentais. Este tom é de farsa, como se o autor quisesse (inconsciente ou deliberadamente, vá se saber) que não confiássemos totalmente em sua descrição dos fatos, de sua versão dos acontecimentos. Uma brincadeira que mantêm o leitor fisgado pois com isto tudo o que é contado parece mágico, como um conto de fadas macabro. O impacto desta técnica narrativa talvez não incomodasse tanto quando o livro foi lançado, quando o heroísmo e a maluquice na guerra era algo que provocava mais inveja nas pessoas do que hoje. Atualmente suas histórias me parecem anacrônicas (mais acostumados com os horrores de qualquer guerra não rimos tanto de um sujeito que conta com a sorte o tempo todo e só se preocupa verdadeiramente em como gastar seu dinheiro em bebidas, em como se hospedar em hotéis caros quando se afasta do front, em como viabilizar seus encontros amorosos. A memória é sempre seletiva. De qualquer forma o texto é movimentado e bem escrito. Acompanhamos Capa dos Estados Unidos a Inglaterra, de lá para o Norte da África, ao sul da Itália e finalmente ao desembarque na Normandia, no mítico dia D. As fotos são realmente boas. Quando a guerra termina um fotógrafo como ele não tem muito o que fazer (a não ser procurar outra, claro, pois morrer de tédio é impossível). O livro inclui ainda uma boa introdução de Richard Whelan e um prefácio de Cornell Capa (irmão mais novo de Robert). [início 15/11/2010 - fim 19/11/2010]
"Ligeiramente fora de foco", Robert Capa, tradução de José Rubens Siqueira, editora Cosac Naify, 1a. edição (2010), capa-dura 16x23 cm, 296 págs. ISBN: 978-85-7503-950-2

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

don segundo sombra

Tive sorte de achar esta edição de bolso de "Don Segundo Sombra", de Ricardo Güiraldes. Ela não é completa como a edição crítica editada pela Unesco há tempos, mas eu não tinha coragem de carregar aquele tijolo em papel bíblia por aí para tentar ler. Bueno. Este é um clássico argentino, publicado originalmente em 1926, e rivaliza com o poema Martín Fierro (de José Hernández, que nunca li, confesso), a progenitura do arquétipo do gaúcho em livro. É um livro gostoso de ler, apesar de ter palavras e termos com as quais realmente não estava familiarizado (o fato desta edição incluir um pequeno vocabulário e algumas notas técnicas ajudou um bocado, mas eu tive de me socorrer naquela edição coordenada por Paul Verdevoye). "Don segundo sombra" é um Bildungsroman (romance de formação) típico. No início do livro o narrador é um rapazola orfão, que vive sob os cuidados de duas tias e de pequenos trabalhos em uma cidadezinha perdida no interior argentino. Impressionado com a passagem do lendário Don Segundo Sombra por sua cidade, decide-se tornar um gaúcho, um homem do campo. Don Segundo sombra é um experiente "resero", sujeito sem patrão fixo, que viaja de campo a campo , de estância a estância domando cavalos selvagens, reunindo e tratando o gado, um sujeito identificado com a vida dura no campo, homem forte, física e moralmente. Acompanhamos como o rapaz parte em aventuras pelo pampa argentino tendo Don Segundo como padrinho. O rapaz tem experiências de toda sorte, com a geografia e o relevo, com os animais e os homens; ele aprende a conhecer os sinais do tempo, a aceitar a vastidão dos prados, a se reconhecer na dura lida da vida, a aprender que há fatalidade e destino também na vida simples de seus iguais. Com o tempo deixa de ser neófito, tnas palavras de Güiraldes "torna-se mais que homem, torna-se gaúcho" (este livro deve ser mesmo caro aos argentinos - e aos riograndenses cá do Brasil também, como não?). Há passagens muito legais, como o de um rodeio de milhares de cabeças de gado bruto, as aventuras e os perigos em uma velha estância junto ao mar, ou as histórias de fantasmas e bruxaria contadas por Don Segundo nas noites de paragem. E um livro menos épico e menos pretensioso que um "Grande Sertão: Veredas" por exemplo, mas tem alguns paralelismos com ele. Qualquer sujeito que goste de histórias gaudérias ou curiosidade sobre as diferenças regionais brasileiras vai se divertir muito com este livro. Vale. [início 13/12/2010 - fim 16/12/2010]
"Don Segundo Sombra", Ricardo Güiraldes, Centro Editor de America Latina, 1a. edição (1992), brochura 11x18,5 cm, 217 págs. ISBN: 950-25-2609-0

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

seré amado cuando falte

Javier Marías sabe contar e inventar histórias (como poucos, não me canso de recomendá-lo), mas também sabe observar o mundo real e interpretá-lo. Bem sabemos que a literatura pode salvar - e também condenar - um sujeito. Marías é um legítimo "antena da raça", como dizia Erza Pound dos poetas geniais, que antecipam uma forma, uma voz, um ritmo, um conceito. Suas crônicas têm algo da conversação erudita, mas sem pedantismos, e também da conversação informal, mas sem bravatas, já que ele argumenta justamente para levar o leitor a pensar e não para marcar pontos mentais, não para vencer algum debate de mesa de bar. "Seré amado cuando falte" reúne 104 crônicas publicadas em jornal no período que vai de dezembro de 1996 a novembro de 1998. São crônicas antigas, mas a grande maioria delas não perderam o vigor, pois ele fala de temas que são perenes, mesmo transportando-os para o Brasil que inicia a segunda década do século XXI. De certa forma a Espanha do final dos anos 1990, descrita e comentada por Marías, tem algo com este Brasil ufano dos últimos anos, onde qualquer paspalho, orgulhoso de nunca ler jornais ou abrir um livro sério, arrota que o Brasil é uma potência, que a Europa e os Estados Unidos vão se curvar ao jeito brasileiro de ser. Quem acompanha as cousas da Espanha sabe dos problemas econômicos e sociais que tem passado após uns bons anos de felicidade geral. Como é fácil ser tolo. Bueno, Javier Marías sabe ser ranzinza, mas pontua, com muita ironia e precisão, os temas que lhe cabem: a literatura e a arte, a política e as relações entre as pessoas. Sempre me surpreendo com sua coragem e honestidade intelectual. Como magistral ficcionista que é seu texto transborda invenção, descobertas linguísticas, histórias que enriquecem e deleitam o leitor. São poucos os articulistas e escritores brasileiros de nosso tempo que mantêm tal equilíbrio e qualidade entre sua produção ficcional (seus romances principalmente) e sua produção factual (suas crônicas). Que sujeito! E ainda me cabe o registro de que graças aos serviços eficientíssimos do Abebooks haverá muitos Marías por aqui no ano que vem. Vale. [início 16/11/2010 - fim 13/12/2010]
"Seré amado cuando falte", Javier Marías, editora Alfaguara, 1a. edição (1999), capa-dura 14x22,5 cm, 345 págs. ISBN: 84-204-4188-0

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

santiago

Há livros que lemos por compulsão, sem planejamento prévio. Encontrei este "Santiago" na feira do livro de Porto Alegre. Como este é um ano Xacobeo (como dizem os gallegos) achei por bem experimentá-lo. A idéia segue aquele padrão já consagrado: um sujeito decide dar um tempo na vida e caminhar pelo norte da Espanha, em perigrinação até Santiago de Compostela. O que importa é o "caminho", não a motivação, não a cidade ou a religiosidade, não o sujeito que caminha. Todos os anos milhares de pessoas fazem isto, pessoas de todos os cantos, idades, condição financeira, porque não o fazermos também? Este foi o caso do autor, Gentil Corazza, um porto-alegrense e professor universitário de seus cinquenta e tantos anos. Ele conta os sucessos de sua caminhada, seus vinte e quatro dias e setecentos quilômetros, os encontros e desencontros do caminho. O livro tem boas ilustrações de Edgar Vasques e recolhe os causos emblemáticos do caminho: sua origem, as lendas e histórias, as superações pessoais, os albergues, as bolhas nos pés. Depois que lemos um livro deste tipo não nos espantamos com nada. Corazza inclui algo de ficção no texto, apresentando uma mulher misteriosa cuja caminhada se confunde com a sua, dona de um segredo que é negado ao leitor. Nada muito espetacular. Confesso que prefiro os desvios de Cees Nooteboom, que registrou seus trinta anos de experiências nestes caminhos espanhóis, coletando algo mais que espiritualidade ou mitos, mas Nooteboom é um escritor experimentado, não um neófito. Paciência. Tenho ainda de caminhar por meus livros e seguir em frente. Vale. [início - fim 06/12/2010]
"Santiago: caminhos imaginários", Gentil Corazza, ilustrações de Edgar Vasques, editora Literalis, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 150 págs. ISBN: 978-85-88709-46-1

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

guinada na vida

"Guinada na vida" foi publicado originalmente em 2003 e é o décimo primeiro dos livros de Andrea Camilleri onde o comissário Salvo Montalbano é protagonista. Neste livro ele está cinquentão, algo cansado e desmotivado, deprimido com os rumos polìticos da Itália de Berlusconi e Fini, que pensa em se demitir. Mas o acaso se apresenta, na forma de um cadáver que Montalbano resgata do mar. Da curiosidade inicial sobre a origem do cadáver sucedem reviravoltas frenéticas. Montalbano envolve-se com migrantes extra-comunitários e sente-se culpado por de certa forma provocar a morte de um garoto africano, sequestrado para o mercado de pedofilia europeu. A investigação é conduzida como uma vingança pessoal de Montalbano, sem registro nos canais usuais da burocracia da polìcia. Montalbano é um personagem robusto, que tem seus matizes de humor e sorte, como todos nós no mundo real. Auxiliado por seus imediatos Fazio e Mimí, além de sua amiga sueca Ingrid (o elenco de personagens femininos de Camilleri é muito bom), Montalbano consegue chegar aos responsáveis pelas mortes do afogado e do garoto africano: dois tunisianos sádicos e muito perigosos. Neste livro Montalbano experimenta desconforto físico, seu corpo reclama um tanto da idade. Camilleri sabe dar verossimilhança a um personagem que aprendemos a amar. Movimentado e direto ao ponto. Belo livro. [início 03/12/2010 - fim 05/12/2010]
"Guinada na vida", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Avila Melo, editora Record, 2a. edição (2008), brochura 14x21 cm, 221 págs. ISBN: 978-85-01-07017-3

sábado, 4 de dezembro de 2010

el sueño del celta

Comprei este "El sueño del celta" na feira do livro de Porto Alegre. O povo da feira que trabalha com livros importados em espanhol (o Miguel da Calle Corrientes e os distribuidores da Sur e da Maneco) estavam muito animados, pois o livro chegou uns poucos dias depois de seu lançamento mundial, que ocorreu exatamente um mês atrás, no último 03 de novembro. Li em algum lugar que foram 500 mil exemplares nesta primeira fornada, metade para o mercado espanhol e outra metade para o mercado americano (das américas do sul e do norte, grande é este continente). O lançamento em grande escala aproveitou a recente outorga do prêmio Nobel à Vargas Llosa pois fazia tempo que um sujeito que escreve em espanhol não ganhava (o anterior foi Octávio Paz, em 1990). Emendei a leitura deste longo romance com os outros projetos que já havia iniciado (são tantas as leituras de final de ano, este é mesmo o único jeito de se seguir em frente). Não posso dizer que gostei deste livro. Trata-se de um romance histórico, onde Llosa conta os sucessos da vida de um sujeito chamado Roger Casement, um irlandês que foi dos primeiros a denunciar os crimes cometidos pelos exploradores europeus na África, notadamente no Congo Belga (ou Zaire, ou a atual República Democrática do Congo). Ele também foi dos primeiros a denunciar - na condição de cônsul - os crimes cometidos contra os indígenas da região de exploração de borracha na amazônia peruana e colombiana do início dos anos 1910. Além destes lugares ele foi cônsul inglês em Lisboa, no Rio de Janeiro e no Pará. Tornou-se cavaleiro do Império Britânico por seus serviços prestados. Nos últimos anos de sua vida engajou-se na luta pela independência da Irlanda e foi condenado a forca após o desastre do levante da páscoa irlandês de 1916 (propositalmente o livro terminou de ser escrito no 19 de abril de 2010, exatamente 84 anos após esta tentativa frustada de independência irlandesa - Vargas Llosa sabe um tanto de marketing). O livro é dividido em duas series de histórias que se alternam. Em uma acompanhamos a biografia romanceada de Casement. Começa com sua educação formal, sua inserção no elitista corpo diplomático inglês do final do século XIX e sua primeira viagem à Africa, no grupo de exploradores comandado por Henry Stanley, um dos sujeitos que grangearam fama no processo de colonização da África. Os capítulos seguem até os dias que antecedem a primeira guerra mundial, suas viagens ao interior da Irlanda, suas gestões com os revolucionários irlandeses nos Estados Unidos e com os membros do alto comando alemão, de quem pretendia receber ajuda na luta pela independência. Os outros capítulos tratam dos últimos dias de Casement na prisão, desde quando recebe sua sentença de pena de morte, reencontra alguns amigos, conversa com o sheriff da prisão e segue até os momentos que antecedem sua morte. Trata-se de um personagem interessante, pouco conhecido e ambíguo o suficiente para merecer esta espécie de resgate histórico promovida por Llosa, mas ao mesmo tempo o sujeito retratado no livro é de uma ingenuidade e/ou estupidez atroz, que se deixa enganar pelo serviço de contra-espionagem inglês de formas quase bisonhas. Como um sujeito como ele pôde ser umas das principais lideranças de sua época e acreditar que uma insurreição contra os ingleses daria certo? A campanha de difamação contra Casement, promovida pelo governo inglês, aparentemente diminuiu o reconhecimento dele como uma liderança importante na independência. Apenas em meados dos anos 1960 seus restos mortais foram levados a Irlanda e seu nome incluído no panteão dos heróis da pátria. Talvez os verdadeiros revolucionários tenham de ter mesmo uma cota de loucura maior que a média, além de uma completa inaptidão para a realidade, por falta de sabedoria prática, vai-se saber. Como panfleto, como livro dedicado a incentivar uma causa nobre, "El sueño del celta" até funciona, pois gostamos de conhecer personagens assim, mas como literatura, algo que assombre e estimule o leitor, este livro deixa muito a desejar. Certamente há coisas mais poderosas de Vargas Llosa para se ler. Preciso voltar a elas um dia destes. [início 17/11/2010 - fim 03/12/2010]
"El sueño del celta", Mario Vargas Llosa, editora Alfaguara, 1a. edição (2010), brochura 15x24 cm, 455 págs. ISBN: 978-987-04-1644-9

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

em alguma parte alguma

Ferreira Gullar é um sujeito de seus oitenta anos que ainda "inventa o que dizer", que compreende que a vida provisoriamente permite que ele encontre poesias dentro de si. Este "Em alguma parte alguma" é seu mais recente livro de poemas publicado (o livro saiu um par de meses depois do comunicado de que ele vencera o prêmio Camões neste ano, o ano de seus oitenta anos, cousa boa). A edição é muito bem cuidada. O livro inclui uma bibliografia completa de sua obra e dois textos assinados por especialistas em Gullar: Alfredo Bosi e Antonio Carlos Secchin. Os poemas são variados, na forma e na extensão. Há temas recorrentes: a gênese mesma da poesia, a desordem, os sentidos, a natureza, gatos, ossos, memória, a rua duvivier, a podridão e os ossos, a pedra. Uma série longa, com onze poemas, fala do universo e da ciência, das escalas das coisas no mundo. Uma outra, menor, com seis poemas, fala de artistas plásticos e outros poetas. Um poeta forte sempre fala de outros poetas, mesmo quando não explicita a conversa. Alfredo Bosi cita em seu prefácio como Gullar se reinventa de tempos em tempos, como se inquieta e não repete fórmulas em seu ofício, mas, ao mesmo tempo, cita como estes dois temas, que ele chama de "visão cósmica" e "evocação dos mortos", são de longa data temas caros à Gullar. A memória da poesia é algo que se deve construir desde pequeno, não é fácil formá-la se já não vemos o mundo com os olhos de menino. Paciência. O livro tem vários poemas que me tocaram, que reli gaiato, coisas realmente poderosas, que fazem um sujeito pensar na vida, com calma, sem açodamentos, como sempre deve ser. Em algum ponto ele nos lembra que "de tais espantos somos feitos." Que espanto? Cada leitor vai encontrar o seu. Gullar encerra o livro com dois poemas mais longos, que falam também da morte: um sobre Rainer Maria Rilke, um passeio do poeta e da morte pela Alemanha de Rilke; um outro sobre uma viagem de volta a Santiago do Chile, lugar de lembranças boas e lembranças bem amargas, cruéis, que termina com algo que lembra uma frase latina que eu gosto muito (nec spe, nec metu). Um assombro. Muito bom mesmo. Por fim, como se não fizesse parte do livro, encontramos um poema manuscrito ("uma corola" se chama o pequeno). Dele se tirou, se desabrochou, o nome do livro inteiro: em alguma parte alguma. Um poema de onde se pode inferir que sempre haverá vida desabrochando sem pudor em algum lugar, um poema onde se diz que a potência de vida fulge sempre em algum lugar. Ulalá. Que grande livro. [início 03/11/2010 - fim 30/11/2010]
"Em alguma parte alguma", Ferreira Gullar, editora José Olympio, 1a. edição (2010), brochura 13,5x21 cm, 142 págs. ISBN: 978-85-03-01095-5

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

mil-folhas

Este delicado livro, muito bem editado, inclui dezenas de ilustrações e conta uma história do doce. Trata-se de uma festa para os sentidos. As imagens são do tipo que estimulam nossa memória, especialmente a memória afetiva e a memória gastronômica, aquelas de nossos primeiros contatos com os doces, com as guloseimas que consumíamos quando crianças - e continuamos a consumir, talvez com culpa desta vez. Lucrecia Zappi sabe não aborrecer seu leitor com detalhes, mas também não deixa de ser muito precisa, informativa, estimulante, indo do mel e do açucar (o sal indiano, vejam só que nome mais exótico) a suas variadas encarnações: na forma de doces, bolos, tortas, biscoitos, sorvetes (e o que mais um bom doceiro, um bom quituteiro, souber inventar). É um livro para se saborear em uma tarde vagabunda qualquer, enquanto nos decidimos se vamos experimentar um quindim, um doce de leite, uma bomba de chocolate ou outras delícias. Lendo este "mil-folhas" nos percebemos "drowning in honey, stingless", como se deve sempre ser. [início - fim 27/11/2010]
"Mil-folhas: história ilustrada do doce", Lucrecia Zappi, editora Cosac Naify, 1a. edição (2010), capa-dura 24x27 cm, 96 págs. ISBN: 978-85-7503-689-1

domingo, 28 de novembro de 2010

romances de cordel

Nesta bonita edição da José Olympio estão reunidos quatro poemas de cordel de Ferreira Gullar. São poemas antigos, do inìcio dos anos 1960, feitos para contribuir para a luta polìtica (talvez naquela época um sujeito podia acreditar menos anacronicamente que a esperança é irmã do desejo). São poemas engajados, que têm mais valor para a historiografia do que para a literatura ( digo isto como um sujeito que mal e porcamente consome poesias). Paciência. Um dos poemas fala da vida dura no campo; outro das desgraças da vida em uma favela; o terceiro conta um causo engraçado, um desafio de cordel entre um brasileiro ladino e o tio sam; o último conta um tanto sobre Gregório Bezerra, à época preso pela ditadura militar. Os poemas não têm o frescor das coisas genuinamente populares, naïves, mas são honestos no seu propósito e forma. O livro inclui ilustrações muito boas de Ciro Fernandes, um dos decanos da gravura brasileira. A sintonia entre poeta e gravador é perfeita. O livro é gostoso de ler e de se folhear, excelente para os dias vagabundos destas férias que se avizinham. [início 13/11/2010 - fim 19/11/2010]
"Romances de cordel (1964-1967)", Ferreira Gullar, ilustrações de Ciro Fernandes, editora José Olympio, 1a. edição (2009), brochura 20x20 cm, 95 págs. ISBN: 978-85-03-01019-1

sábado, 27 de novembro de 2010

puro enquanto

Em "Puro enquanto" encontramos duas séries de textos. Dois terços dele são dedicados a compilação de toda obra inédita em livro de Sérgio Luís Fischer, professor de literatura que atuava em Porto Alegre e que morreu recentemente. Há um romance policial praticamente pronto, "Elementar, meu caro Bogart!", que não faria feio em nenhuma biblioteca de novelas negras - como dizem deste gênero os espanhóis; outras quatro narrativas curtas tem a ossatura e o clima de romances policiais, mas ainda no estágio de idéias impressas, que mereceriam algum estofo. São cinco textos muito bons, que percorrem vários dos estilos/tipos de romances policiais. Há sempre algo de cinematográfico nas histórias, os elementos visuais são realmente fortes. Outra coisa que me chamou a atenção é que nestes textos ele não dá nome próprio aos personagens. O efeito nas narrativas se faz sentir, pois o leitor se comporta como um ajudante de detetive que não conhece muito do que investiga. Curioso. Além destas narrativas encontramos crônicas (recompiladas de um blog mantido por Fischer tempos atrás, onde ele mistura sarcasmo e erudição); poemas e sonetos (aparentemente Fischer era um estilista nesta forma, mas eu sou o menor dos anões quando leio poesia, sem norte, sem paciência, fazer o quê?); artigos (um sobre a teoria dos romances policiais, o sujeito gostava e conhecia mesmo este assunto). Como tudo que é recolhido por terceiros de uma gaveta de guardados não se pode dizer que os textos possam se defender sozinhos. Há poemas e sonetos por exemplo que são muito bons, mas há coisas menos fortes, que talvez ele mesmo não gostasse de ver impressas. Mas quando se quer homenagear um sujeito a melhor coisa é oferecer algo dele mesmo, sem intermediários, sem tradução. Enfim, a obra reunida de Sérgio Fischer está agora aí ao dispor dos leitores. O livro inclui também uma terça parte formada por testemunhos e memórias sobre ele, de parentes e amigos. São mais de sessenta depoimentos. Eles formam uma espécie de "Festschrift" - aqueles livros comemorativos que os alemães costumam preparar quando um acadêmico importante se aposenta, reunindo textos de seus ex-alunos e colegas. Apesar de entender a motivação e o desejo real de homenagear um sujeito que deixou memória marcante em seu círculo de relações afetivas e profissionais, acho esta parte do livro maçante e repetitiva. Todavia ela cumpre uma função no luto de cada um, e disto não se pode desdenhar. [início 19/11/2010 - fim 23/11/2010]
"Sérgio Fischer: Puro enquanto - obra reunida", Sérgio Luís Fischer, Luís Augusto Fischer (org,) editora LP&M, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 295 págs. ISBN: 978-85-254-2026-8

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

a memória vegetal

Em "A memória vegetal" estão reunidos dezenove artigos, prefácios de livros, palestras e comunicações acadêmicas de Umberto Eco. São textos escritos entre 1988 e 2005, que tratam genericamente da bibliofilia, ou seja, do colecionismo, do amor ao livro enquanto objeto, enquanto coisa que se tem. Umberto Eco não fala de livros comuns, mas dos livros raros, dos incunábulos, dos livros da época de Gutenberg. Apesar de ler um ou outro dos artigos com curiosidade, a maioria deles é muito técnico. Na verdade, quase a totalidade dos artigos é monótona e irrelevante (porque um sujeito comum, não envolvido no elitista mercado dos colecionadores de livros raros, se interessaria na simples listagem dos livros do século XVIII que discutem se Shakespeare era Shakespeare ou se era Francis Bacon?, ou se interessaria na listagem de livros apresentados em um leilão que se realizou em 1997?). Claro, você sempre aprende algo em qualquer livro, mas por este eu me senti enganado, como se estivesse lendo não exatamente aquilo que esperava ler. Interessante mesmo só o artigo que dá nome ao livro (escrito em 1991, duas décadas atrás, na época das cavernas da cultura digital)., e um outro, onde Eco discute as diferenças entre bibliófilos, bibliômanos, biblioclastas, onde o leitor também encontrará alguma reflexão consistente sobre o mundo dos livros. Os demais são mesmo papel e tinta jogados fora, um desperdício, um caça-níqueis para trouxas compulsivos como eu. Arre! [início 13/11/2010 - fim 16/11/2010]
"A memória vegetal e outros escritos sobre bibliofiilia", Umberto Eco, tradução de Joana Angélica d´Avila, editora Record, 1a. edição (2010), brochura 13,5x21 cm, 271 págs. ISBN: 978-85-01-08332-6

domingo, 21 de novembro de 2010

a louca de maigret

Atrapado em um aeroporto no interior das minas dos matos gerais fiquei verdadeiramente chateado quando percebi que terminaria ainda ali, longe de casa, o último dos livros que havia incluído na bagagem. O divertido "París no se acaba nunca" se acabava, era tempo de encontrar algo novo para ler, e rápido. Na conexão em São Paulo consegui uns poucos minutos livres e eis que um Simenon, justo este "A louca de Maigret", coube a mim. Quando foi que o li pela última vez? Há uns vinte anos provavelmente. Minha veia de leitor de romances policiais secou por anos. Foi o Manolo Montalbán quem me resgatou para este gênero, e isto muito recentemente. O quê dizer dos livros de Simenon? São bons romances, sem descrições supérfluas, repletos de diálogos que conduzem freneticamente qualquer história. Mas a maquinaria das histórias de detetive está tão entranhada na prosa de Simenon que a irrelevância da leitura fica quase explícita. Ele conduz o leitor por um labirinto de possibilidades de investigação e até permite que este possa aventar uma ou outra delas como a solução do crime em questão, mas seu detetive é demasiado hábil, demasiado implacável. Em "A louca de Maigret" o detetive coloca seu engenho na investigação do assassinato de uma velhinha que ele poderia ter salvo, caso levasse seus temores mais a sério. Por se sentir algo responsável ele dedica seu tempo livre em acossar os suspeitos mais à mão, parentes dela e agregados, praticamente deixando-os se enredar por si próprios, em uma transferência clássica de culpa (investigadores, assim como os médicos, devem aprender cedo a não se envolverem emocionalmente com nada). Se falta materialidade ao crime, se é praticamente impossível imputar a responsabilidade a quem induziu de fato o assassinato, Maigret o deixa com sua culpa privada, que provavelmente o assombrará por anos. É um livro fácil de ler (antes do avião aterrisar eu já o havia terminado), já cumpriu sua missão. Preciso voltar a algo com mais estofo para me divertir de verdade. [início - fim 13/11/2010]
"A louca de Maigret", Georges Simenon, tradução de Paulo Neves, editora L&PM Pocket (v. 792), 1a. edição (2009), brochura 10,5x18 cm, 158 págs. ISBN: 978-85-254-1906-4

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

parís no se acaba nunca

"París no se acaba nunca" é um bom romance, mas não é fácil classificá-lo. O quê Enrique Vila-Matas nos apresenta mesmo? Uma divertida memória de seus anos em Paris, dos tempos em que escrevia sua primeira novela (na verdade segunda, la asesina ilustrada, mas esta é outra história); um ensaio descompromissado sobre o ofìcio de escrever, dos procedimentos técnicos da construção de um romance; um inventivo texto de ficção, onde acompanhamos as obsessões de um sujeito algo arrivista, dono de uma poderosa capacidade de imaginação? Talvez um tanto de cada uma destas coisas. Publicado originalmente em 2003 o livro descreve a París de meados dos anos 1970. Vila-Matas abusa de sua memória literária, recheando o livro com citações, causos, encontros com intelectuais e escritores, reflexões sobre literatura e arte. O livro é escrito como se fosse uma comunicação oral para uma conferência. É também uma homenagem e/ou paródia de Hemingway e seu livro póstumo "Paris é uma festa", publicado exatamente na época em que Vila-Matas vivia em Paris e tentava escrever seu livro. É um livro pequeno, que se deixa ler com prazer, dividido em curtos capítulos (são mais de 100), que podem ser lidos independentemente mas são conectados por uma grande idéia. Vila-Matas fala muito sobre literatura e estruturas narrativas, mas também sobre o mundo do cinema, da política, das teorias sobre a ironia e a mentira, do amor e amizade, da solidão, do auto-exílio. Para um sujeito que gosta de frases como eu o livro é que é uma festa. Sempre me surpreendo com a comunicação entre os livros: três semanas atrás achei por acaso "la asesina ilustrada", uma semana depois outro acaso e resolvo começar este "parís no se acaba nunca", que descreve exatamente a gênese do primeiro. Pura magia. Cousas dos livros. [início 09/11/2010 - fim 13/11/2010]
"París no se acaba nunca", Enrique Vila-Matas, editorial Anagrama (compactos), 3a. edição (2009), brochura 13,5x19,5 cm, 233 págs. ISBN: 978-84-339-7267-5

domingo, 7 de novembro de 2010

nuestra pandilla

Dei sorte ao encontrar este livrinho perdido em um balaio da feira do livro de Porto Alegre. Cousa boa. "Nuestra pandilla" (ou "Our Gang" no original) é uma deliciosa sátira política publicada por Philip Roth em 1971. Na verdade ao menos a versão inicial dos seis capítulos deste pequeno livro foram publicados antes disto como artigos da New York Review of Books. O livro descreve sucessos delirantes, discursos tortos, entrevistas patéticas e conversas abúlicas de um amalucado presidente americano chamado Trick E. Dixon, óbvia caricatura de Richard Nixon. É hilariante, do começo ao fim. Mesmo quem pouco sabe do processo de impeachment pelo qual passou Nixon no meio de seu segundo mandato presidencial consegue acompanhar este livro sem maiores problemas. O incrível deste livro é saber que ele foi publicado antes do segundo mandato de Nixon, ou seja, antes do caso Watergate, antes do impeachment, antes que a maioria dos americanos entendessem o quão criminoso e estúpido era Nixon. Os bons romancistas sabem ser antenas da raça, como dizia Ezra Pound de alguns bons poetas. Philip Roth nos apresenta um Dixon sem escrúpulos, disposto a qualquer mentira, qualquer trapaça para continuar no poder. Não há método em sua loucura. Não há limites para sua desinteligência. O logro, a manipulação, a lógica difusa e obtusa do sujeito está a serviço de todo e qualquer mal. Seu discurso defendendo o voto dos fetos, seu comunicado à nação defendendo a invasão da Dinamarca por conta da pujante (e ultrajante) industria pornográfica instalada naquele país, sua reunião de gabinete nos porões da Casa Branca, são algumas das passagens divertidíssimas que encontramos no livro. Mas diferentemente do mundo real (onde Nixon foi reeleito com estrondosa maioria) no livro Dixon é assassinado e já no inferno candidata-se a suceder o próprio demônio. Ele não é eficiente o bastante para continuar neste posto, afirma Dixon em seu discurso infernal. Qualquer sujeito que não tenha sido lobotomizado e tenha alguma honestidade intelectual terá muitos motivos para se divertir com este livro, mesmo sabendo o quão revelador ele é do estado das cousas deste néscio Brasil de nossos dias. Grande Philip Roth. [início 02/11/2010 - fim 07/11/2010]
"Nuestra pandilla", Philip Roth, tradução de Ramón Buenaventura, editora Debolsillo, (Contemporánea) 1a. edição (2010), brochura 13x19 cm, 176 págs. ISBN: 978-987-566-578-1

sábado, 6 de novembro de 2010

la asesina ilustrada

Pois achei este livro no primeiro dia desta última feira do livro de Porto Alegre. Como me pareceu divertido "Dublinesca", achei que um pouco da ironia e erudição de Vila-Matas vinha a calhar com meu humor daqueles dias. Foram mesmo bons dias de leitura. O livro foi publicado originalmente em 1977. Segundo o próprio Vila-Matas afirma em um prefácio "La asesina ilustrada" foi seu segundo livro. Para ele o primeiro, "Mujer en el espejo contemplando el paisaje", é obtuso e irrelevante demais para que mereça ser lembrado (os velhos autores sempre lamentam as tolices de suas jovens encarnações). A edição é muito bem cuidada, com ilustrações de um sujeito chamado Óscar Astromujoff e um curto epílogo de um crítico chamado Jordi Llovet, que descreve uma reflexão pública sobre o livro feita por ele mesmo a uma indignada audiência barcelonesa, trinta anos atrás. O enredo é circular. Acompanhamos como um texto, a curta novela "la asesina ilustrada", passa por várias mãos e sempre alcança o mesmo efeito: provocar a morte do leitor. Vila-Matas adverte no prefácio que o leitor que tem o livro em mãos não corre mesmo este risco. Só um tolo e jovem escritor poderia ter uma idéia deste tipo (nem tão original assim, lembra ele mesmo, já que até Agatha Christie já tinha usado este artifício antes), pois com isto não teria leitores, apenas uma pequena coleção de ex-leitores mortos. Em torno da história assassina (vamos chamar assim) ele inclui relatos de uma jovem escritora, contratada para escrever o prólogo da biografia de uns dos leitores anteriores do texto (e consequentemente, já falecido), além de cartas da autora da historia a outros personagens. É mesmo uma história curta, um curto romance de trama intrincada, mas que se permite deslindar sem grandes esforços. Bueno, acho que vou começar a garimpar mais livros deste curioso e sarcástico catalão. [início 28/10/2010 - fim 03/11/2010]
"La asesina ilustrada", Enrique Vila-Matas, ilustrações de Óscar Astromujoff, ediciones Lumen, 1a. edição (2005), capa-dura 14x21 cm, 137 págs. ISBN: 978-84-264-1517-2

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

crônicas da vida boêmia

Me interessei neste livro após encontrar com o Valmor e um grupo de amigos dele na feira do livro de Porto Alegre. Recentemente eles haviam ido a Rivera e se envolveram em uma mirabolante história com "um amigo do Gaspar", que talvez um dia o Valmor conte. Veremos. Acabei comprando o livro e me diverti acompanhando os "causos" lembrados por Luciano Machado. São histórias da fronteira, de uma região que já foi bem mais próspera do que é agora, desgraçadamente pobre como praticamente toda metade sul do estado. As lembranças algo romanceadas de Luciano Machado descrevem personagens fortes, divertidos, por vezes violentos, quase caricaturais. Como toda vida boêmia, em qualquer tempo ou lugar, quando o dinheiro é farto vive-se sem limites, acumulam-se experiências que não podem mesmo durar para para sempre, quando o dinheiro muda de mãos (é rápido) os boêmios desaparecem, quase anônimos, perdem o encanto, como se acordassem todos mal humorados após um sonho ruim. Se a brevidade das histórias dá a elas um bom ritmo, a melancolia acaba por cobrar um quinhão do leitor. Bueno. Indicarei este livro para o Lippold, pois nele há algo de suas histórias boêmias, de suas histórias santa-marienses, contadas no "A culpa é do padre", já resenhado aqui. O mundo é mesmo uma grande vila e seus personagens quase sempre seguem o mesmo roteiro. [início - fim 03/11/2010]
"Crônicas da vida boêmia de Sant´Ana e Rivera", Luciano Machado, edições Renascença, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 93 págs. ISBN: 978-85-87004-88-8

terça-feira, 2 de novembro de 2010

la desaparición del muro

Demorei para conseguir este livro, mas com engenho e alguma arte ele se juntou a meus guardados, vindo de Alicante, vejam só. Bueno. O escritor holandês Cees Nooteboom tinha já seus cinquenta e muitos anos quando ganhou uma bolsa da agência alemã de intercâmbio acadêmico DAAD para passar um ano sabático em Berlin, cidade ainda dividida no final dos anos 1980. Já um escritor respeitado, tanto por sua poesia quanto pelos relatos de viagens e narrativas longas que publicou, ele deveria, em contrapartida à bolsa, fazer uma série de conferências, tanto na Alemanha Ocidental (RFA, a república federal) quanto na Alemanha Oriental (RDA, a república democrática). Quis a fortuna que o início da queda do muro de Berlin acontecesse exatamente no meio de seu período de estadia por lá (foi no 09 de novembro de 1989, não é tanto tempo assim, mas como o mundo parece ter mudado!) Para ele, um viajante por natureza, bom observador da paisagem natural mas também da alma humana, do comportamento humano, esta foi uma experiência importante e seminal. Foi como se a própria Clio, a musa da história, o acompanhasse naqueles meses agitados, convidando-o a desfrutar das transformações radicais pelo qual passaram não apenas o povo das duas alemanhas, mas o de toda a Europa, de todo o mundo. Lembro-me que Katya estava lá e pegou um pedaço do muro. Será que ela ainda o tem? O livro começa com um prólogo, escrito ainda em 1963. Nooteboom tem 30 anos e vai a Berlin Oriental para cobrir como jornalista um congresso dos partidos socialistas do mundo. O controle de entrada e saída é muito restrito, redundante, a atmosfera tensa. Já aquela época ele consegue registrar muito bem as sutilezas do modo de pensar e agir dos delegados. Quem seria o brasileiro que tinha assento lá naqueles dias? Talvez algum dos patetas que atualmente governam o Brasil e que teimam em impingir um stanilismo albanês nesta freguesia. Bueno. "O olho não se engana", nos ensina Nooteboom, há que se respeitar o valor das coisas que vemos e também as que intuímos, não podemos apenas confiar em nossos ouvidos, mais sensíveis as adulações, as chantagens, à corrupção. As crônicas do livro foram reunidas em dois conjuntos e publicadas em revistas no período compreendido entre 18 de março de 1989, quando de sua chegada ao já conturbado país, até 30 de junho de 1990, quando sai da Alemanha e já não acompanha in loco os acontecimentos, as discussões e a futurologia que contaminava a todos. Os dois conjuntos de crônicas são separados por dois intermezzos (ah, como é bom a um escritor também saber um pouco de música, de composição, de regência). Neles ele descreve a região e a história de Munique, cidade emblemática dos sonhos românticos de união alemã (que afinal deu-se muito tardiamente, quase no final do século XIX). Nas crônicas anteriores a queda do muro ele descreve seus limites, a forma como tudo na cidade parece condenado ao imobilismo. Todos espiam todos, delatam todos, a Alemanha Oriental é o paraíso dos stanilistas mais furibundos. As crônicas posteriores a queda descrevem o imobilismo que se torna caos, talvez um caos determinístico (para usar uma metáfora da ciência), onde tudo - valores, privilégios, procedimentos, rotinas, comportamentos, regras, direitos, deveres - se agitam, se transformam rapidamente, mas seus efeitos ainda podem ser interpretados racionalmente. Há coisas curiosas observadas por ele: um dia um sujeito é um líder irresoluto, no dia seguinte já é um cadáver político, condenado pelas circunstâncias; os autóctones perguntam aos extrangeiros a opinião deles como se fossem oráculos, Sibilas, mas Nooteboom sabe-se mais uma Cassandra vulgar. Além de continuar com as palestras e conferências boa parte de seus últimos meses por lá foram utilizados para viagens longas, até os novos limites da nova Alemanha. Nooteboom é um jornalista senhor de seus meios, mas também "el viajero", o sujeito que sabe desfrutar da paisagem, de descobrir coisas novas, irrelevantes que sejam. Nestas viagens verificamos como há valor no conhecimento das línguas, na familiaridade com a história das gentes e dos lugares. Suas reflexões me parecem pertinentes ainda hoje, mais de vinte anos após a queda do muro. A Alemanha tornou-se o país mais rico e influente da Europa (realidade que americanos, russos e os demais europeus sempre anteciparam e temeram). Um leitor curioso, interessado neste tema, certamente muito aprenderá com as palavras e as metáforas (sempre poderosas) de Cees Nooteboom. Encontrarei novamente algo deste grande sujeito, deste grande poeta, deste grande holandês errante? Veremos. [início 31/08/2010 - fim 30/10/2010]
"La desaparición del muro: crónicas alemanas", Cees Nooteboom, tradução de María del Carmen Bartolomé Corrochano e Pieter J. van de Paverd, ediciones Península, 1a. edição (1992), brochura 13,5x19,5 cm, 208 págs. ISBN: 978-84-2973-403-4

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

um outro pastoreio

"Um outro pastoreio" é uma curiosa graphic novel cujo argumento foi concebido por dois gaúchos: Rodrigo dMart, que assina o roteiro, e Índio San, que produziu as ilustrações, belíssimas. Trata-se do resultado de um projeto ambicioso, que inclui um blog e um site cheio de informações. Os autores tiveram a ajuda e colaboração de muitas pessoas. O livro é bastante bom. A edição caprichada valoriza o texto. O design lembra muito as histórias do Neil Gaiman, mas tem sua marca pessoal. O texto é intrincado mas não hermético a ponto de desistimular o leitor. A enredo nos remete a lenda do "Negrinho do pastoreio", mito popular muito antigo que foi compilado no início do século passado por Simões Lopes Neto em seu "Contos Gauchescos". Os autores revisitam este mito entelaçando-o com mitos do Candomblé, como o de Iansã e Ogum, e também com a caminhada de um velho peregrino, Simão, em busca de sua fé perdida na natureza e nos homens. Por ter o dom de encontrar coisas perdidas o "Negrinho do pastoreio" serve bem como arquétipo destas duas jornadas (a do velho peregrino e a da orixá Iansã) em busca de algo que os complete. Há um bocado de associações religiosas e mitológicas que podem ser feitas a partir da leitura da história. Um leitor não familiarizado com o Candomblé (exatamente o meu caso) não perde muito da trama, pois tudo é bem descrito e apresentado. O livro inclui um bom glossário e o texto integral da história original de Simões Lopes Neto. A capa dura, a boa escolha dos tipos gráficos e o belo acabamento do livro realmente tornam divertidos e prazeirosos os momentos de leitura (poderá um dispositivo digital oferecer algo parecido com isto algum dia? Logo veremos...). [início 04/10/2010 - fim 26/10/2010]
"Um outro pastoreio", Rodrigo dMart, Indio San, editora Manuzio, 1a. edição (2010), capa-dura 15,5x23,5 cm, 208 págs. ISBN: 978-85-910-9520-9

sábado, 30 de outubro de 2010

amor a porto alegre

Um grupo de amigos se reune e inventam de fazer uma oficina literária. Eles são "um povo dos números", sujeitos que trabalham em atividades ligadas ao Sindicato de Auditores de Finanças Públicas deste Rio Grande do Sul. Todos gostam de livros e têm o desejo de se tornarem "um povo das palavras". Com Hilda Simões Lopes, senhora de muita habilidade no ensinar e muita experiência no escrever, eles aprendem algo deste outro ofício, que as vezes parece fácil para um não iniciado: o de escrever ficção, o de contar e cantar histórias, o de inventar, relembrar e garimpar algo da memória que seja seminal, que toque alguem. Hilda coordena a oficina, eles escolhem um tema caro a todos eles: o amor a cidade em que vivem, que os acolheu, que os desafia: Porto Alegre. Passados alguns meses o resultado é o livro que temos nas mãos. A edição é caprichada, capa-dura, belas ilustrações, um tratamento gráfico realmente especial. José Antonio Pinheiro Machado é uma espécie de padrinho do grupo, assina um prefácio lembrando os bares e restaurantes da cidade, também ele saudoso de um tempo que sempre passa. São 27 contos de 9 sujeitos/alunos entusiasmados. Talvez não sejam exatamente contos, já que o tom é no mais das vezes confessional, um resgate da memória de cousas experimentadas. Mas também não são exatamente crônicas, relatos do cotidiano. Bueno. Cada autor também contribui com um mini-conto (talvez um outro exercício de suas aulas). O resultado é algo irregular, talvez eles mais do que eu saibam exatamente o porquê. Alguns contos são muito bons, gostei de navegar com eles pelas ruas de uma cidade que não me encanta, de cujo passado e história pouco sei. Reli estes com prazer, ora melancolico, como o texto quis, ora com um sorriso nos lábios, contendo um riso mais franco. Mas há textos que mereceriam mais tempo e mais esmero. Mas as oficinas têm prazo para terminar, assim como os diagramadores e as gráficas prazos para transformar palavras em livros. Nenhum texto vai esperar eternamente que seu autor lhe dê vida, lhe liberte do arquivo do computador e lhe exponha aos olhos, por vezes cruéis e desdenhosos, mas também calorosos e vibrantes, de cada um dos leitores. A partir de agora os textos vão se defender sozinhos. Boa sorte a eles e a seus autores. Que eles viagem bem por este mundo das letras. Já é tempo! Os autores são: Berenice Longo, Cecília Quaresma, Celina Barcelos, JDFigueiredo, Jussara Schivitz (que assina também o projeto gráfico e as imagens), Orlandi Teixeira, Raquel Braga, Valmor Braga Simonetti e Virgínia Rocha. [início 17/10/2010 - fim 28/10/2010]
"Amor a Porto Alegre", Hilda Simões Lopes (org.), editora Manuzio, 1a. edição (2010), capa-dura 21,5x21,5 cm, 103 págs., sem ISBN

domingo, 24 de outubro de 2010

como se não houvesse amanhã

Este livro foi-me sugerido pela Daniela Santi, futura mãe da Sofia. Foi quando nos encontramos (Maurício, Daniela, Helga e eu) na Carrer de la Princesa, lá na grande feiticeira do Mediterrâneo, meses atrás. Em "Como se não houvesse amanhã" encontramos 20 contos inspirados livremente em canções da banda Legião Urbana, banda que fez muito sucesso nos anos 1980 e 1990 (e que ainda vende muito ainda hoje e certamente tem fãs Brasil afora, bem se ouve e se vê). A idéia original é de Henrique Rodrigues. Ele convidou um grupo variado de pessoas para escrever algo que tivesse como matriz uma das músicas dos álbuns do Legião Urbana. Como eu não conheço a maioria das músicas (será mesmo que eu ouvia naquela época algo além de Frank Zappa e Miles Davis?) não saberia dizer até que ponto há simetrias entre as canções e os contos, mas se é que eu entendi bem a idéia do livro os autores não tinham que "resumir" as canções, mas sim emulá-las através deste outro registro, que é o registro literário, mas também o registro da paixão. Há contos onde há alguma experimentação, noutros o tratamento é mais quadrado, esquemático ou formal, o que para meu gosto torna o livro algo irregular. Talvez o livro funcione melhor para quem é mesmo fã da banda, mas o livro se sustenta afinal de contas, como uma boa seleção de contos de uma geração de escritores contemporâneos, quase todos bem jovens. Encontramos nos contos separações, perdas, lamentos e dúvidas. Alguns são confessionais, registros de algum encantamento. Noutro dia vi uma boa entrevista com o organizador do livro (entrevista feita pelo jornalista Maurício Melo Júnior) onde este último dizia que no livro encontrou mais o lirismo da banda que a contestação e as mensagens de fundo político, que sempre gravitaram pelas letras de suas músicas. Boa observação a dele. Talvez seja assim que a memória filtra nosso passado, amenizando com lirismo (que pode chegar a ser edulcorado, artificial e falso, não podemos nos esquecer disto) o que se imaginava alguma vez ser revolucionário, bruto e/ou transgressor. O esquecimento é mesmo um remédio que devemos tomar, cedo ou tarde, mas como todo remédio preferencialmente cedo. Bueno. "Como se não houvesse amanhã" é um bom livro, certamente para se ler ouvindo as músicas, quando for o caso de um leitor que as conheça e as ame. Os autores são: Alexandre Plosk – Que país é este; Ana Elisa Ribeiro – Andrea Doria; Carlos Fialho – Faroeste Caboclo; Carlos Henrique Schroeder – Há tempos; Daniela Santi – Será; Henrique Rodrigues – Acrilic on canvas; João Anzanello Carrascoza – Pais e filhos; Manoela Sawitzki – Giz; Marcelo Moutinho – Vento no litoral; Mariel Reis – Música de trabalho; Maurício de Almeida – Sagrado coração; Miguel Sanches Neto – Meninos e meninas; Nereu Afonso da Silva – Ainda é cedo; Ramon Mello – Sereníssima; Renata Belmonte – Por enquanto; Rosana Caiado – Eduardo e Mônica; Sérgio Fantini – Música Urbana 2; Susana Fuentes – Quando o sol bater na janela do seu quarto; Tatiana Salem Levy – Tempo perdido; Wesley Peres – Monte Castelo. [início 17/08/2010 - fim 23/10/2010]
"Como se não houvesse amanhã", Henrique Rodrigues (org.), editora Record, 2a. edição (2010), brochura 13,5x21 cm, 159 págs. ISBN: 978-85-01-08943-4

domingo, 17 de outubro de 2010

os contos de belazarte

Esta bela edição reúne 7 contos de Mário de Andrade, dois textos críticos (assinados por Aline Nogueira Marques e Tatiana Longo Figueiredo) e reproduções fac-similares das edições originais do livro. Tudo muito bem organizado e apresentado, bonito mesmo. As histórias originais são dos anos 1920, 1930, mas a forma final delas foi fixada por Mário em 1944, quando publicou em livro todos eles pela primeira vez. A São Paulo que se urbaniza de forma caótica na primeira metade do século passado emerge das páginas do livro; o falar das gentes, sem norma culta, sem norma alguma, vibra vívido nos contos; o caldeirão de imigrantes, sonhos, ambições, dinheiro (combinação sempre explosiva) fica registrado nas histórias como se estivesse acontecendo hoje (e lá se vão uns 90 anos da publicação original). São contos muito bons, mas pessimistas e terríveis pelos temas que abordam: a solidão e a triteza das gentes, a vida dura nos bairros pobres, os sonhos baldados. Mário de Andrade experimenta a língua, tenta captar o falar de imigrantes nacionais e extrangeiros, cultos e incultos, que se misturam na cidade. O livro é um celeiro de frases, idéias, estruturas narrativas, oralidade. O narrador conta as histórias que um tal Belazarte lhe contou, mas este Belazarte é um alter ego pouco disfarçado do próprio Mário, um personagem que talvez tenha se tornado um fardo para ele. As histórias terminam sempre com um bordão do tipo: "fulano foi muito infeliz" ou "fulano foi infeliz", que aumenta a melancolia no leitor, mas ao terminar o livro podemos sim dizer: "o leitor foi muito feliz." Que livro! [início 20/09/2010 - fim 29/10/2010]
"Os contos de Belazarte", Mário de Andrade, editora Agir, 1a. edição (2008), brochura 13,5x21 cm, 165 págs. ISBN: 978-85-220-0883-4

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

o escravo

Encontrei este livro em um sebo. Fazia tempo que não lia um romance de Isaac Singer, sempre insuperável em seus contos, e este "O escravo", sobre o qual nunca havia ouvido falar, pareceu ter vindo mesmo a calhar. A história é interessante. Singer descreve como Jacob, judeu culto e estudioso, sobrevive a um massacre perpretado por cossacos russos (em meados do século XVII) e se torna escravo de camponeses em uma região remota e montanhosa da Polônia. Ainda assombrado pela morte de sua mulher, seus filhos pequenos e demais conhecidos, ele se esforça por manter suas tradições e ritos. Apesar do isolamento e da falta de meios ele alcança alguma comunhão com sua fé e, ao mesmo tempo, desenvolve alguma sabedoria prática no duro trabalho do campo. Ele acaba se envolvendo com a filha de seu senhor, uma jovem viúva cristã chamada Wanda, mas aquilo que ele acredita ser a conversão dela ao judaísmo é mantido em segredo dos demais. Há um bocado de reviravoltas no livro, Jacob e Wanda passam por muitas vicissitudes, que acompanham as dúvidas dos dois sobre seu amor e suas relações nas comunidades judaicas pelas quais tentam ser aceitos. Este é assim um romance que apresenta a religião judaica, onde um leitor aprende um tanto sobre como funcionam parte dos ritos e dos procedimentos que um sujeito desta fé deve obedecer. O único reparo que faço a este livro é a tradução, sofrível, do começo ao fim. É difìcil acreditar que a prosa sempre rica e elegante de Singer sobreviva ao massacre linguístico que padece nas mãos da tradutora. Há umas coisas que parecem do português arcaico, umas passagens tortas que confundem o leitor. Paciência. Apesar da medonha tradução trata-se de um legítimo Singer, que sempre nos deixa algo de bom. Nota bene: Graças a tradutora Denise Bottmann fiquei sabendo que muito provavelmente esta tradução foi copiada literalmente - e com alguns acréscimos espúrios - de uma tradução portuguesa, feita no início dos anos 1970, por um sujeito chamado João Cabral do Nascimento. Isto explica muita coisa (o útil site da tradutora Denise Bottmann pode ser encontrado em http://naogostodeplagio.blogspot.com/ ). Que cousa! [início 27/09/2010 - fim 13/10/2010]
"O escravo", Isaac Bashevis Singer, tradução de Juliana Borges, editora Germinal, 1a. edição (2001), brochura 14x21 cm, 267 págs. ISBN: 85-86439-12-6

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

los villanos de la nación

Ler Javier Marías é sempre um deleite. Neste "Los villanos de la nación", uma jornalista e editora amiga, Inés Blanca, selecionou oitenta e quatro artigos de Javier Marías publicados em jornais entre os anos 1985 e 2009. São artigos monotemáticos, que falam do mundo das relações de poder, do mundo da política, do mundo da administração pública, artigos pinçados da vasta produção de Marías. Eu já me considero suspeito, suspeito por falar bem de Marías, suspeito por registrar o quanto me impressiona sua verve, suspeito de louvar em demasia a riqueza de sua argumentação. Paciência. Este é um livro lido e assim vai seguir nesta cota de minhas resenhas. Os tais "vilões da nação" de Marías são os prefeitos, vereadores, deputados, senadores, presidentes e governadores, os empresários do setor imobiliário, os técnicos responsáveis por obras públicas. São aquelas pessoas que de uma forma ou outra decidem o quê deve ser feito nas cidades, decidem como e quando será feita uma obra, decidem como serão administradas e pagas estas tais obras. Claro, os artigos não falam apenas de sua inconformidade com as obras públicas de seu país, mas de tudo o que oferece o mundo da política pública. Nestas crônicas ele descreve principalmente como durante o "boom" econômico espanhol tudo parecia maravilhoso, inevitável; tudo parecia confirmar a vocação espanhola para ser incluída no panteão das nações industriosas e ricas do mundo; tudo parecia fruto e obra do milagreiro de plantão. Mas o mundo real e a história são implacáveis e logo um sujeito é forçado a reconhecer que de ilusão não se pode viver muito tempo (ulalá, vale a pena registrar que aquele que lê ao menos um jornal na vida sabe o tamanho da crise pela qual estão passando os espanhóis ainda hoje). São crônicas que não deixam de soar familiares a um brasileiro, que sabe desde jovem como se dão os negócios entre o poder público e o poder privado. É fácil ler nas crônicas de Marías o mesmo mecanismo que experimentamos hoje no Brasil, onde o atual governo, medíocre e patético, tão solerte na forma de escolher suas prioridades, tão sagaz ao apresentar suas conquistas, tão astucioso na operação de conquistar corações e mentes, não pratica nada além da mesma atávica e secular enganação já apresentada por legiões de governantes antes dele, com o acréscimo nefasto de não medir esforços em sufocar seus antogonistas. Toscos, acima de tudo! Bueno. Há coisas muito boas neste livro, mas cada um dos leitores deve garimpá-lo e encontrar o que mais lhe agrade. Gostei particularmente de uma em que ele diz "Hubo un tiempo, lo recuerdo vagamente, en el que las argumentaciones servían de algo." De fato, hoje em dia quase ninguém é permeável a uma argumentação lógica (a maioria das pessoas prefere um prato de comida ou uma benesse qualquer - custa menos esforço). Em uma outra ele compara adultos estúpidos as crianças e ançiãos quando diz: "Para los políticos no existe nada mejor ni más cómodo que esto: un electorado infantilizado o ancianizado, que pide a gritos que se le mienta y anuncia que se creerá las mentiras." Pois disto nenhum político brasileiro pode reclamar, de não ter este rebanho a mão, deste tipo de cidadãos votantes estamos bem fartos, bem abastecidos. Que pena não contar com um sujeito como Marías dentre os cronistas brasileiros nestes tempos bicudos.
[início 24/09/2010 - fim 05/10/2010]
"Los villanos de la nación: Letras de política y sociedad", Javier Marías, editora Los libros del lince, 1a. edição (2010), brochura 15,5x23 cm, 318 págs. ISBN: 978-84-937038-9-9

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

fun home

Este é mais um dos livros que ganhei da Sibele. É uma graphic novel que ganhou o Eisner Award de 2007 e recebeu muitos elogios quando de seu lançamento. Alison Bechdel conta parte da história de sua família, descreve o relacionamento tenso e ambíguo com seu pai. Como em toda história familiar que é narrada por um dos envolvidos há algo de artificial no texto, como se um recorte da vida pudesse ser linearizado, ser compreendido plenamente em suas sutilezas, em seus matizes. Alison parece acreditar que o fato de ter contado aos pais que é lésbica tenha induzido seu pai a cometer suicídio, justo ele que nos é apresentado com um gay enrustido típico dos anos 1950/60. Associando cada uma das fases de seu relacionamento com o pai em textos literários potentes (Camus, Proust, Joyce, Wallace Stevens), Alison consegue alcançar registros muito especiais, que levam o leitor a pensar no delicado dos temas que ela aborda. Claro, o texto é mais cerebral do que usualmente são as análises das turbulencias e embates de qualquer família, em qualquer tempo. A memória não costuma ser boa conselheira quando reviramos os guardados de eventuais tragédias familiares, pois há sempre racionalizações e interpretações superpostas às verdades factuais (se é que mesmo estas sejam reais e não construções mentais). Na narrativa há algo de conto de fadas, algo de propositadamente esquemático, o que de certa forma torna mais tolerável algumas das reflexões e sínteses de uma autora que também é personagem. Talvez a arte seja mesmo uma ferramenta boa para se purgar dos aborrecimentos reais desta vida, mas apenas alguns, um reduzido e feliz pequeno bando (como já disse o bardo), tem a sorte de encontrar em algum texto passagens suficientemente poderosas para mitigar sofrimentos e dramas. Talvez Alison Bechdel tenha tido esta sorte e tenha tido a felicidade de se contentar com esta forma de reflexão sobre a vida. O traço economico e a fixação no preto e branco tornam a leitura agradável, sem sobressaltos. Bom livro afinal de contas. [início 09/09/2010 - fim 06/10/2010]
"Fun Home: uma tragicomédia em famìlia", Alison Bechdel, tradução de André Conti, editora Conrad, 1a. edição (2007), brochura 16x23 cm, 239 págs. ISBN: 978-85-7616-271-1

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

el perro de terracota

"El perro de terracota" é o segundo dos livros de Andrea Camilleri onde aparece o consistente comissário de polícia Montalbano (grande personagem e grande homenagem ao Manolo Vazquez Montalbán). Publicado originalmente em 1996 encontramos neste livro uma trama bastante intrincada que só é deslindada bem perto do final. Camilleri conta uma história terrível que remonta os tempos da segunda grande guerra. Em uma Itália assolada pela destruição um casal é executado ritualmente. Somente quarenta anos depois seus corpos são encontrados e Montalbano tem a chance de solucionar as circunstâncias e as motivações para o crime. Há várias tramas paralelas que justificaram a solução proposta por Camilleri: um roubo aparentemente comum de um supermercado; a prisão de um adoentado mafioso, importante o suficiente na hierarquia da organização para tornar seu captor (Montalbano, claro!) candidato a uma promoção especial do ministério (cousa que ele definitivamente não quer correr o risco de conseguir); a morte acidental de um velho comunista. Camilleri parece estar ainda tateando com os trejeitos e com a obstinação de seu personagem. Boa leitura nestes dias ainda frios de final de inverno. [início 10/09/2010 - fim 27/09/2010]
"El perro de terracota", Andrea Camilleri, tradução de María Antonia Menini Pagés, ediciones Salamandra, 1a. edição (2005), brochura 11,5x18 cm, 285 págs. ISBN: 978-84-95971-69-2

sábado, 2 de outubro de 2010

a primeira investigação de montalbano

Em "A primeira investigação de Montalbano" encontramos três curtas novelas policiais: uma é a que dá nome ao livro e envolve exatamente a primeira investigação de um jovem investigador Montalbano na mítica Vigàta criada por Andrea Camilleri. Ele ainda está envolvido com uma namorada (Mery), que não me lembro ser citada novamente em sua obra (logo veremos). Na história uma garota é estuprada por um sujeito ligado à Máfia. Mesmo agindo no limite da lei Montalbano consegue alcançá-lo e resolver o problema. O braço direito do comissário, o mercurial agente Fazio, aparece pela primeira vez, e descobrimos em primeira mão como Montalbano encontrou sua casa de praia em Montelusa. Na segunda história do livro acompanhamos como um louco mata ritualmente animais progressivamente maiores, gerando tensão e medo na cidade. Montalbano percebe rapidamente que o caso pode ser ainda mais bizarro e perigoso do que parece. Há um tanto de cabala e misticismo na história, que se defende bem, mas no limite da verossimilhança. Por fim, na terceira das novelas, Montalbano mostra toda sua capacidade de organização ao motivar seus confusos comandados na investigação do sequestro de uma menina. Descobrimos um intrincado jogo de extorsão promovido pela Máfia (com a ajuda de parentes veniais e sócios do pai da garota). A forma como Montalbano induz até os mafiosos a lhe auxiliarem é mesmo magistral. São três histórias que envolvem crimes sem sangue, tudo muito complicado e até com soluções mirabolantes demais, mas nada que realmente comprometa a prosa sarcástica de Camilleri. [início 20/09/2010 - fim 23/09/2010]
"A primeira investigação de Montalbano", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Avila Melo, editora Record, 1a. edição (2008), brochura 14x21 cm, 299 págs. ISBN: 978-85-01-07990-9

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

la orden del finnegans

No Bloomsday de 2008 seis escritores espanhóis se reuniram em um pub dublinense, visitaram a "Martello Tower de Sandycove", participaram de parte dos festejos do dia e por fim fundaram uma ordem literária dedicada a cultuar o "Ulysses" de James Joyce. É o tipo de coisa que parece óbvia quando se lê, mas é necessário que alguém a faça antes de você para que sua necessidade se torne patente. Bueno, eles decidiram produzir um livro coletivo que marcasse a fundação, um livro que incluisse alguma invenção, crítica literária e relatos breves. Acredito que a idéia original deva ter sido de Enrique Vila-Matas, o mais velho e escritor mais reconhecido dos seis, muito embora Eduardo Lago pareça ser o sujeito familiarizado com o Bloomsday e o Ulysses há mais tempo. Cabe lembrar que Enrique Vila-Matas publicou "Dublinesca" no ano passado, um romance onde a gênese desta curiosa ordem literária também é contada, mas ali estamos falando de ficção e não de crônicas (já resenhei "Dublinesca" neste blog). Já neste pequeno livro cada um dos seis contribuiu com um texto curto, como forma de registrar os sucessos de suas experiências na fundação da tal "Ordem de Finnegans" (cujo lema é um "Qué grandes estamos esta mañana!", delicioso). Vila-Matas apresenta um ensaio de bom tamanho onde contrasta duas formas de narrativas literárias: as mais experimentais, como o Finnegans Wake de Joyce, para ele arte limite, em estado puro, e as mais sintéticas, no sentido em que alcançam uma excelência discursiva, tornando-se fáceis de serem lidas, apesar de serem difíceis de serem escritas, forma exemplificada por um livro de Simenon (Monsieur Hire). Lago apresenta o texto mais radical, um sketch dramático, uma farsa bastante movimentada, onde vários personagens discutem o Finnegans Wake em um legítimo pub irlandês, repleto de citações eruditas bastante divertidas. Jordi Soler brinca com um personagem mitológico irlandês, em uma narrativa bastante pessoal. Antonio Soler, Malcolm Otero e José Vela também escolheram esta via: fazem curtos relatos de suas experiências prévias com o Bloomsday. No conjunto os textos fazem do livro uma obra irregular, pois há muita trucagem, passagens que são cifradas em excesso, que marcam o processo pelo qual a obra de Joyce foi recebida por cada um deles, sem que de fato o leitor possa acompanhar esta trajetória. No texto de Lago há uma passagem que fala de Joseph Campbell que está obviamente errada (as datas não fecham, um problema quando se repete uma piada literária sem checar as fontes). Em ao menos três oportunidades eles citam as traduções espanholas do Ulysses confundindo o primeiro tradutor para o espanhol (o argentino Salas Subirat) com o primeiro editor (o também argentino Santiago Rueda). O programa e o compromisso da ordem de Finnegans me parece irrealizável, pois cada um deles se compromete em participar de todos os Bloomsday futuros em Dublin, mas é de obsessões como esta de que é feita a mítica de Joyce (ele não esperaria compromisso menor). A capa inclui a mesma fotografia que usei neste ano para o cartaz do nosso Bloomsday santa-mariense. Bela coincidência. Talvez nosotros cá de Santa Maria deveríamos ter oficializado algo deste tipo antes, mas agora temos neste "La orden del Finnegans" um bom roteiro, um bom ponto de partida. Ainda é tempo. [início 23/07/2010 - fim 23/09/2010]
"La orden del Finnegans", Antonio Soler, Jordi Soler, Eduardo Lago, Enrique Vila-Matas, José Antonio Garriga Vela, Malcolm Otero, Ediciones Alfabia, 1a. edição (2010), brochura 13x20 cm, 142 págs. ISBN: 978-84-937348-9-3

domingo, 26 de setembro de 2010

shortcomings

Shortcomings é uma graphic novel de Adrian Tomine publicada no início dos anos 2000. Não é o melhor trabalho dele que já li, mas tem lá seu valor. Trata-se de uma história curiosa, em que se discute sobre o amor, sobre o preconceito de gênero e sobre o preconceito racial. O personagem principal é um descendente de japoneses radicado na California. Ele tem uma relação afetiva tensa com uma jovem cineasta também de ascendencia japonesa e tem uma jovem lésbica de ascendencia coreana como sua melhor amiga. Este sujeito tem dificuldades de entender relacionamentos interaciais, e é algo obcecado com as garotas caucasianas com quem se relaciona. Sua namorada resolve passar uma temporada em Nova Iorque para finalizar um projeto audiovisual e a separação deles o leva crises de ciúme e de auto-estima. A dificuldade dele em ter sentimentos honestos, consigo mesmo e com os demais a seu redor, sua fragilidade emocional inata, sua agressividade verbal e tentativas de se corrigir, são registrados vivamente no traço de Tomine. Claro, gostei mais das outras histórias dele que já li: Sleepwalk e Summer Blond, mas este Shortcomings tem o poder de enfeitiçar de alguma forma o leitor e fazê-lo refletir sobre sua capacidade de amar verdadeiramente. Consegui recentemente dois outros textos dele que irei resenhar em breve. [início 10/09/2010 - fim 25/09/2010]
"Shortcomings", Adrian Tomine, Draw & Quarterly Publisher, 1a. edição (2007), capa-dura 17,5x24,5 cm, 108 págs. ISBN: 978-1-897299-16-6

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

cuando ella era buena

Publicada originalmente em 1967 "Cuando ella era buena" é um romance atípico na caudalosa produção de Philip Roth. Trata-se de seu segundo romance ("Letting go" é o primeiro e o poderoso "Portnoy´s complaint" o terceiro), e o que soa atípico é o fato da personagem principal ser uma garota e de não haver nenhuma menção ao judaísmo em toda a trama do livro. Lucy Nelson é a filha única de uma família de ascendência nórdica radicada no meio oeste americano. Ela vive com os pais e os avós maternos. Educada em uma escola cristã ela desenvolve uma personalidade rude, com a qual julga moralmente e implacavelmente a si mesma, bem como a todos a seu redor. Não há lugar para ambiguidades no trato pessoal com ela. Quando ainda menina ela chama a polícia quando seu pai agride sua mãe, o que acaba provocando a prisão do pai e eventualmente a separação deles. Trabalhadora e estudiosa ela alcança entrar em uma universidade, mas logo no primeiro semestre letivo engravida de seu primeiro namorado e assume o papel fundador de mãe americana modelo (além de esposa americana modelo, mesmo com as restrições iniciais da família do marido). Manipuladora ao extremo ela constrange todos de seu círculo pessoal e familiar, sempre impondo seus pontos de vista: seja sobre a educação de seu filho, as escolhas profissionais do marido (um fotógrafo medíocre), ou sobre o eventual segundo casamento da mãe. Trata-se mesmo de uma mulher infernal e manipuladora, uma garota cuja piedade extrema mais destrói que conforta, uma "agressiva passiva" clássica, que exaspera o leitor. O final de uma personagem deste tipo só pode ser trágico (ela enlouquece lentamente e acaba morrendo em uma nevasca). Não é o melhor Philip Roth que já li, mas percebe-se que o sujeito sabe contar uma história. [início 10/09/2010 - fim 15/09/2010]
"Cuando ella era buena", Philip Roth, tradução de Horacio González Trejo e Margarita González Trejo, editorial Debolsillo, 1a. edição (2007), brochura 12,5x19 cm, 352 págs. ISBN: 978-987-566-330-5