sábado, 29 de maio de 2010

criação imperfeita

Bueno. "Criação imperfeita" é o tipo de livro que só serve na verdade para quem já saiba um tanto de física, um tanto de história da ciência. Por mais que Marcelo Gleiser se esforce por encontrar um tom didático e acessível os temas que ele aborda são naturalmente áridos para não se permitirem reduções tão elásticas como aquelas que ele faz. Paciência. Como um bom malabarista de paradoxos me parece que ele escreveu este livro mais para se desculpar do passado, de suas escolhas no passado, do que escrever algo realmente novo ou original (tudo parece muito improvisado e mal articulado). Com este livro aparentemente ele prepara terreno onde espera esgrimir seus argumentos (de divulgador científico) no futuro. Ele tenta agrupar toda a comunidade de físicos em um equívoco (a busca infrutífera por uma grande e final unificação) que nunca foi partilhado por toda a comunidade de físicos. Talvez ele devesse ser mais honesto intelectualmente e dizer que esta questão sempre foi um problema restrito a um grupo reduzido. A maioria dos físicos deste último século fez seu trabalho sem se preocupar com as implicações de uma eventual e mítica grande unificação. Ele vincula a busca por simetrias na ciência com o mito da grande unificação e, ao mesmo tempo, desqualifica as simetrias. Ora, no mundo real são muitos os fenômenos associados às simetrias e às quebras de simetrias. Não consigo entender sua aparente incapacidade de aceitar o fato das lei de Gauss para a eletricidade e para o magnetismo serem intrinsicamente distintas (existem cargas elétricas, porém não existem monopolos magnéticos). O livro é dividido em cinco seções. A primeira e a última são muito ruins, pois vagas, dispersivas, onde o tom, pessoal demais, personalista demais, chegaria a ser irritante se não fosse risível (ele pontua certas descobertas científicas com fatos de sua vida, como se o universo realmente girasse em seu redor). O epílogo é ainda mais pessoal e apocalíptico, como se as dúvidas e as questões entre ele e seus filhos importassem algo para o futuro da humanidade. Na segunda seção e na quarta, o tom é um tanto mais adequado, mas o tratamento dado aos temas continua frouxo demais. A seção central, onde ele descreve os fundamentos da física da matéria condensada e da física de partículas é bom, mas duvido que alguém não familiarizado com física possa aproveitá-lo plenamente. Tem um lacanismo besta no livro (uma brincadeira com "procura " ser "pró-cura") que não dá para aguentar. Gosto de dizer que "o mundo é assim" para sintetizar o quão surpreendente ele o é. Gleiser parece querer chamar para seu campo teórico aqueles que não compartilham exatamente os fundamentos da ciência. Neste temas compartilho o cetismo e o tom de Richard Dawkins ou Christopher Hitchens por exemplo, estes sim sujeitos que não têm medo em delimitar o quê é aceito cientificamente do que pertence a uma outra forma qualquer de conhecimento. Paciência. "Eppur si muove", já disse Galileu muitos anos atrás. [início 10/05/2o1o - fim 17/05/2010]
"Criação imperfeita", Marcelo Gleiser, editora Rocco, 1a. edição (2010), brochura 16x23 cm, 366 págs. ISBN: 978-85-01-08997-7

quarta-feira, 26 de maio de 2010

três dúvidas

"Três dúvidas" reune três boas novelas de Leonardo Brasiliense. Elas formam um conjunto temático. Segundo ele (que em um curto posfácio indica ao leitor um caminho de interpretação, algo que me lembrou certos posfácios do Philip Roth) as três novelas tratam de três classes de problemas: as dúvidas existenciais, as dúvidas essenciais e ao cerne mesmo delas, a essência das dúvidas. Mas os livros seguem seus caminhos sem as amarras que os autores podem aplicar a eles (por mais que estas amarras sejam bem intencionadas) e cada leitor certamente pode depreender, dos conflitos descritos nas novelas, outras facetas, outras epifanias, segundo suas próprias categorias de entendimento. De minha parte sempre tento associar o que leio com alguma tradição, com alguma literatura forte que se conecta a novos textos fortes. A primeira das novelas descreve em seções alternadas duas vidas oprimidas, sufocadas, terríveis em sua mediocridade. Um casal que se comunica apenas por um eloquente silêncio, que mal esconde o quanto estão angustiados. Lembra algo do tom de Camus em "O extrangeiro". Na segunda das novelas encontramos uma espécie de quebra-cabeças, em que os variados blocos do texto nos conduzem ao entendimento intrinsicamente fragmentário de uma história. O que há de factual na história? Talvez nada seja factual, nada seja real, talvez tudo seja apenas o resultado de uma mente em coma, que produz estratégias de economia mental automáticas, de um sujeito que luta por sua vida e delira. Lembra algo do "Enquanto agonizo", do Faulkner. Na terceira novela o tom já é mais cinematográfico. Um jornalista recebe uma dica que pode alavancar sua carreira, algo onde um escândalo político e a proximidade de eleições distorcem a compreensão do que é mesmo certo ou errado em cada situação, em cada argumento, em cada página. Um acidente automobilístico embaralha ainda mais a história, pois o jornalista passa a conviver com um duplo, um doppelganger, como se sua vida se bifurcasse naquele momento crucial. O texto lembra aqueles contos de terror da primeira metade do século passado, mas sem tantos arabescos (como se ele modernizasse o gênero). Talvez eu esteja esquematizando demais minhas associações. Gostei muito das três histórias. O tratamento literário, a qualidade do texto de Leonardo é algo a parte (uma coisa é inventar histórias, outra é utilizar uma linguagem que as valorizem e lhes incorporem densidade e vigor). É certo que mesmo sendo um jovem autor Leonardo Brasiliense sabe correr certos riscos e se reinventar a cada texto que oferece ao público leitor (ou seja, ele não precisa nem da companhia de uma panelinha literária, algo tão comum a sul do polo norte - para não dizer ao sul do Manpituba, como me parece ser mais apropriado - nem da repetição de truques literários). Por fim cabe registrar o belo acabamento do livro. A separação entre as novelas, as boas epígrafes, a separação das seções dentro de cada novela e, por fim, até a capa, belíssima, tornam este um livro que vale a pena o tempo que investimos em desfrutá-lo. [início - fim 16/05/2010]
"Três dúvidas: novelas", Leonardo Brasiliense, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 173 págs. ISBN: 978-85-350-0629-4

sábado, 22 de maio de 2010

cidades da planície

Com "Cidades da planície" Cormac McCarthy termina sua trilogia da fronteira. No primeiro volume John Grady Cole e seus companheiros adentram um México idílico sabendo apenas como se comportam os cavalos e não os homens. Ali Cole conhece o amor e as perdas capitais. No segundo volume Billy Parham três vezes cruza a fronteira entre os Estados Unidos e o México em busca de algo, mas nas três vezes fracassa. Neste último volume encontramos Cole e Parham trabalhando em uma grande fazenda do sul dos Estados Unidos, como domadores de cavalos. A segunda guerra mundial já acabou e o mundo dos vaqueiros é algo anacrônico mesmo para aqueles que nele vivem. A América de 1950 é contrasta com aquela que saiu dividida e selvagem de sua guerra civil (em 1870). O livro é dividido em quatro capítulos e um epílogo. Cole e Parham vivem de suas habilidades com o gado e os cavalos. Cole se apaixona por uma garota mexicana que trabalha em um bordel. Apesar dos conselhos de seu empregador, de um pianista cego (que lembra, claro, Homero) e de seu amigo Parham, Cole decide primeiro convidar a moça a sair do bordel, depois comprá-la de seu cafetão e por fim forçar sua saída. Após todos estes sucessos não surpreende o leitor encontrar um final trágico para esta história (os ecos gregos retumbam em toda a trilogia). O combate singular entre Cole e o cafetão, armados de punhais, é muito plástico, muito bem escrito. No epílogo encontramos Parhan velho e empobrecido, mas sem rancor. Ele ouve os sonhos de um sujeito que encontra em um bar (este sujeito bem pode ser a morte, curiosa da versão de Billy sobre suas histórias e seus sonhos). Ambos dividem longas reflexões sobre a vida e a morte, sobre o contínuo fluxo de gerações e sucessos. Por fim se hospeda na casa de uma família típica do rico e poderoso Estados Unidos em que seu país se transformou. Sonha com seu irmão. Se este é um livro menos movimentado que os dois anteriores, ainda assim é muito bom. Trata-se de uma espécie de coda, algo que leva o leitor a refletir, a filosofar, com vagar e precisão. Esta trilogia entra sim na minha cota dos belos livros. [início 06/05/2010 - fim 10/05/2010]
"Cidades da planície", Cormac McCarthy, tradução de José Antonio Arantes, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2001), brochura 14x21 cm, 343 págs. ISBN: 978-85-350-0133-7

sábado, 15 de maio de 2010

a capital da solidão

Foram Heloísa, Lara e Samuel que me falaram deste livro (incrível como aquela noite rendeu boas conversas e boas dicas de leitura - acho que ainda não os agradeci adequadamente, preciso corrigir isto). O livro foi publicado em 2003. Trata-se de uma história, uma biografia talvez explique melhor, da cidade de São Paulo. Qualquer um que já tido a fortuna de viver em São Paulo sabe do encantamento que a cidade sabe produzir (esqueça o que você vê pela televisão, uma cidade só se conhece perdendo-se nela, sem pressa, sem temor). Talvez você só a abandone (se é que isto é possível) quando não há mesmo outra solução. Mas ler sobre a cidade é igualmente encantador. Roberto Pompeu de Toledo investiu um bom tempo na composição deste livro e o resultado é realmente muito bom. São três grandes seções que agrupam trinta e um capítulos em ordem cronológica, partindo da distante época do descobrimento e seguindo até 1900 mais ou menos (estou seguro que estes últimos 110 certamente merecerão uma outra biografia). Acompanhamos a descrição de como um lugar remoto, afastado do mar e dos grandes centros, lentamente ganha relevância, atrai diferentes tipos de sujeitos, se transforma e se reinventa. É um livro fácil de ler, muito bem escrito. São tantas as passagens interessantes, tão rico o conjunto de informações bem fundamentadas, tão equilibrados o humor e as seções mais carregadas de rigor sociológico e antropológico. Não há como destacar algo do livro. Aprendemos um bocado com as associações e com os fatos que Pompeu de Toledo conta. Não sabia que foi tão intenso o movimento migratório na cidade na segunda metade do século XIX, a ponto da cidade ter praticamente a mesma fração de antigos residentes e extrangeiros (italianos, alemães, árabes, e muitos outros mais). Claro, gostei mais das seções iniciais, onde as décadas iniciais de formação do povoamento que vai se transformar na cidade grande que conhecemos são apresentadas. Lembrei-me de meus anos de escola fundamental, quando fui apresentado pela primeira vez àqueles portentos: João Ramalho, Anchieta, Nóbrega, Tibiriçá, os Bandeirantes. Esta seção inicial faz um bom contraponto ao livro de Fernando Cacciatore de Garcia que li recentemente (Fronteira iluminada), onde este último descreve a formação das fronteiras do Rio Grande do Sul. Estes dois livros se complementam de alguma forma. Bueno. "A capital da solidão" merece mesmo o bom tempo que dedicamos a ele. Que belo livro. [início 02/04/2010 - fim 06/05/2010]
"A capital da solidão: uma história de São Paulo das origens a 1900", Roberto Pompeu de Toledo, editora Objetiva, 1a. edição (2003), capa-dura 16x23 cm, 599 págs. ISBN: 85-7302-568-9

sexta-feira, 14 de maio de 2010

a face oculta da lua (inércia)

Antônio Cândido Ribeiro é um sujeito que realmente gosta de livros e de usar a palavra. Recentemente ele foi escolhido patrono da Feira do Livro de Santa Maria e teve a chance de lançar nela este livro, sua primeira narrativa mais longa, uma novela intitulada "A face escura da lua" (ele é conhecido por suas crônicas e de outros textos produzidos em parceria). A novela se deixa ler em um par de horas, pois é realmente pequena. Talvez a pretensão inicial dele fosse produzir um texto de mais fôlego, uma narrativa mais extensa e mais detalhada (isto se depreende pelo intervalo temporal da novela e também pelo fato de apesar do núcleo central de personagens ser pequeno, serem citados e participarem da trama vários outros personagens, calcados em fatos históricos da Cidade e do Estado há cem anos mais ou menos.) O enredo segue sempre rápido, descrevendo como um jovem médico, ao se radicar em uma ainda provinciana e distante Santa Maria, se envolve afetivamente com uma mulher casada com um sujeito que é de um grupo político distinto do seu, mas de quem torna-se um bom amigo (cabe dizer que as divisões políticas gaúchas são famosas por sua perenidade, sendo as disputas sempre lembradas por uma violência que não raro desgraça famílias e cidades.) Dos sucessos iniciais deste envolvimento somos levados a vislumbres da história política do Rio Grande do Sul, a repetidos embates e reconciliações, nem sempre fraternas. O narrador acompanha o nascimento e o crescimento do filho do casal, de quem acaba se tornando uma espécie de preceptor, pois o rapaz escolhe também a medicina como carreira. A história chega a um desfecho que propositalmente é ambíguo (onde Candinho faz uso de um poema de Felippe d´Oliveira que resume o conflito do personagem principal da história.) Talvez a história merecesse mais tempo de preparação, onde as tramas apenas mencionadas pudessem ganhar mais espaço, onde pudessemos acompanhar com mais vagar a evolução dos personagens, mas se isto acontecesse teríamos um outro livro nas mãos. Como eu considero que este pequeno livro é um presente do Candinho para os santa-marienses, não me cabe ficar aqui mal humorado reclamando da brevidade do encantamento que sua prosa provoca. Paciência. Em tempo: não vou me furtar de registrar aqui o absurdo que foi o processo de distribuição dos exemplares deste livro (editado com recursos públicos e destinado sim a distribuição gratuita). Se é que entendi bem o que aconteceu naquelas horas só tinham acesso ao livro aqueles que por alguma proximidade com um edil ou preposto municipal merecesse tal regalo. Frente aos reclamos dos presentes aparentemente uns quantos exemplares foram distribuídos, mas a maioria deles ficou mesmo confinado em caixas de onde eu mesmo duvido que um dia sairão. A sorte dos livros é quase sempre funesta, mesmo quando editados acabam por vezes nas mãos de pseudo-editores, que relapsos e ineptos, não tem pejo em cobrar constrangedores pedágios morais para deles se desfazerem. É mesmo pena. Como eu leio mais livros por mês que estes senhores serão capazes de ler em sua vida toda é claro que tenho um entedimento e apreço aos livros que é inacansável a eles. Seria de se esperar um tipo diferente de zêlo com a coisa pública neste caso, mas isto é pedir demais em uma cidade como Santa Maria. Preciso também agradecer ao Werner Rempel e ao próprio Candinho a gentileza de terem feito chegar às minhas mãos este livro. [início 03/05/2010 - fim 03/05/2010]
"A face oculta da lua (inércia)", Antônio Cândido de Azambuja Ribeiro, editado pela Câmara Municipal de Santa Maria, 1a. edição (2010), brochura 14x19 cm, 77 págs. sem ISBN

quarta-feira, 12 de maio de 2010

el monarca del tiempo

Javier Marías publicou "El monarca del tiempo", seu terceiro livro, em 1978. De certa forma Marías renegou este livro, mas acabou por republicá-lo em 2003 por seu sêlo "Reino de Redonda". É um livro formado por cinco textos: três contos, um ensaio e uma pequena peça em um ato. Esta última e um dos contos nunca foram republicados antes desta reedição, enquanto os demais textos apareceram em várias compilações dos contos e crônicas dele. "Portento, maldición" é um longo relato de um sujeito que parece aferrado em uma cama, imobilizado, refletindo sobre um sobrinho (um cantor lírico) que ele inveja, que ele detesta e a quem acusa de suas tribulações pessoais. Lembra o juiz Casaldáliga, que aparece num outro livro de Marías. "El espejo del mártir" é um monólogo onde um militar conta os sucessos de um hussardo dos tempos de Napoleão, que imaginou participar de uma carga de cavalaria e viu-se só no campo, frente aos canhões russos. É uma história incrível, que prende a atenção do leitor. Estes dois contos eu já havia lido. No "Contumelias", o terceiro dos contos, acompanhamos um casal (o mesmo cantor lírico e sua irmã) em uma viagem de trem até Roma. Os movimentos lentos do trem e dos personagens, assim como suas vontades e capacidade de ação, são miméticos. O quarto dos textos é um ensaio, onde Marías discute uma peça de Shakespeare (Julio César). Seus argumentos gravitam em torno do tema da verdade, ou ainda no estabelecimento da verdade em uma discussão entre iguais. Quem se lembra da peça sabe que Marco Antônio reverte uma situação política adversa argumentando o que se sabe ser um sofisma cruzado (que César é um homem ambicioso e que Bruto é um homem honrado). Ao menos o leitor imagina saber disto. É o texto de onde se retira o título do livro, pois para Marías o tempo presente é o "monarca do tempo". O último texto é uma curta peça , um sketch na verdade, onde um rapaz violento e seu preceptor no colégio discutem seu futuro acadêmico, vigiados por um demônio ou anjo da guarda (não sei dizer). O livro inclui um bom prólogo de Elide Pittarello e (um autêntico regalo) uma lista de toda a nobreza, inlcuíndo títulos, cargos e ordens emitidas, do fictício Reino de Redonda, atualmente governado por Javier Marías. Esta é uma história divertida, mas vai ficar para ser discutida noutro tempo e lugar. [início 25/04/2010 - fim 30/04/2010]
"El monarca del tiempo", Javier Marías, editora Reino de Redonda, 1a. edição (2003), capa-dura 14x21 cm, 207 págs. ISBN: 84-931471-6-8

sábado, 8 de maio de 2010

biblioteca

Este é um livro que vou classificar como de aforismos, mas isto por falta de uma compreensão melhor, por limitação minha mesmo. Em uma primeira versão desta resenha pensei em registrar que acho este livro enigmático, mas prefiro ser um tanto mais claro e escrever que este é um livro totalmente anacrônico e dispensável, um amontoado de incongruências. Terminei o livro me arrastanto, mais com raiva do que com algum deleite. A idéia em si me parece interessante: Gonçalo Tavares emula pequenos parágrafos no estilo de escritores que lhe são caros. Funcionaria como uma espécie de homenagem à estes escritores, uma forma do autor apresentá-los aos leitores com uma roupagem nova. Mas o efeito é entediante. Tentei ler os parágrafos dedicados àqueles autores que eu conheço relativamente bem: Joyce, Proust, Rosa, Cervantes. Mas eles são irreconhecíveis. Nada soa familiar. A maioria dos demais, de quem apenas os nomes me são conhecidos, não são apenas cifrados demais, são ininteligíveis. Não consigo imaginar qual a função de um livro assim. Talvez seja a de fazer com os leitores fujam dele e encontrem finalmente os autores que ele tenta emular, que reencontrem algum conforto nos textos produzidos por eles. Paciência. [início 24/02/2010 - fim 29/04/2010]
"Biblioteca", Gonçalo M. Tavares, editora Casa da Palavra, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 184págs. ISBN: 978-85-7734-125-2

sexta-feira, 7 de maio de 2010

o pequeno fascista

Este livro usa a clássica psicologia inversa (se é que alguma criança ainda se convence de algo com um truque deste calibre). Fernando Bonassi conta a história de uma criança que do útero aos primeiros contatos na pré-escola só é capaz de pensar em si mesmo. Não importa quem é o prejudicado: seus pais, seus irmãos, os parentes, os vizinhos, os colegas da escola, já que o pequeno fascista sempre vai tentar governar as vontades dos demais. Trata-se de um livro bem humorado, onde o autor conversa com o leitor tentando explicar como opera um sujeito assim, explicitando didaticamente boa parte de seus truques. Da forma como ele apresenta o fenômeno fica-se com a impressão que ser fascista é algo inato, mas o certo seria pensar em uma maior influência da educação e do meio no caráter de nossos filhos. Claro, podemos ler o livro como uma ferramenta contra a ilusão em que a maioria das pessoas embarca: a de que as crianças são seres angelicais, amorosos, boníssimos, quando é exatamente o contrário, o que um jovem homo sapiens sapiens faz é reclamar sua prescedência sobre todos os demais, sempre. O homo sapiens sapiens é mesmo cruel, agressivo, inconstante, egoísta, covarde, mentiroso, preconceituoso e torpe, e foi por isto que sobreviveu neste planeta inóspito. O livro é muito bem ilustrado por um sujeito chamado Daniel Bueno. Dar este livro de presente para o filho pode trazer aborrecimentos, já que dificilmente pais aceitam a idéia de que estão criando um pequeno fascista. Talvez o certo fosse presentear diretamente eles, os pais, e esperar que o livro cumprar sua função saneadora. Interessante livro, bom mesmo, principalmente em um país de analfabetos que atualmente é governado, e mal, por um legião de fascistas. [início 27/04/2010 - fim 27/04/2010]
"O pequeno fascista", Fernando Bonassi, ilustrações de Daniel Bueno, editora CosacNaify, 1a. edição (2005), brochura 16x23 cm, 64 págs. ISBN: 978-85-7503-373-5

terça-feira, 4 de maio de 2010

o sonhador

Este é o tipo de livro infanto-juvenil que não insulta a inteligência dos jovens e das crianças (nem dos adultos tampouco). São sete contos (como as vidas de um gato) onde acompanhamos os sonhos bastante realistas de um garoto, Peter. Nestes sonhos, um misto de magia e invenção, imaginação, mergulhamos no mundo interior de um rapaz que se sabe crescendo em um mundo que não é exatamente acolhedor. As histórias são comuns, como aquelas que partilhamos com os amigos quando relembramos nosso passado e percebemos de pronto quão similares elas são. Peter pensa falar com as bonecas de plástico de sua irmã; pensa trocar de corpo com o velho gato da família, que tem uma última experiência felina, com a alma renovada pelo garoto; pensa encontrar um creme de invisibilidade; pensa confrontar e vencer mentalmente o garoto forte e agressivo de sua escola; pensa ser um detetive que resolve o mistério de furtos na vizinhança de sua casa; num lance de mágica troca o corpo de um primo chato com o de um bebê dos vizinhos; reencontra amigos na praia que serão seus amigos na vida adulta e se percebe subitamente mais velho, realmente adulto. Tudo acontece neste mundo de fantasia, mas McEwan sabe recuperar estas experiências bem juvenis, estas memórias que brincam com o real, de uma forma realmente inovadora. É um belo livro para se presentear aos filhos dos amigos, aquelas criaturas maravilhosas que ainda sabem sorrir e se divertir sem culpa, criativos sonhadores que são. [início 15/04/2010 - fim 19/04/2010]
"O sonhador", Ian McEwan, ilustrações de Anthony Browne, tradução de Roberto Grey, editora Rocco, 1a. edição (1998), brochura 16x23 cm, 103 págs. ISBN: 85-325-0860-X

segunda-feira, 3 de maio de 2010

romance de barcelona

"Romance de Barcelona" é uma versão atualizada de um guia de viagens que já resenhei aqui no ano passado (Barcelona Petit de Guia, um pequeno e velho volume, publicado em 1992). Trata-se do mesmo livro em uma versão aumentada, um guia de viagens, com indicações sobre hotéis, restaurantes, pontos turísticos e toda a miríade de informações que um viajante precisa para se localizar (além de uma longa seção que mais parece um Almanaque de Gotha sentimental de Petit). Mas da mesma forma que seu irmão mais velho ele não serve como guia de viagens. A lista de hotéis, restaurantes, bares, etcetera e tal pode ter sido atualizada, mas sem a ajuda de um bom mapa e de endereços eletrônicos as indicações de pouco valem para um sujeito ainda não iniciado nos encantos da grande feiticeira do mediterrâneo. Além das costumeiras e belas ilustrações de Petit o livro inclui uma apresentação assinada por um jornalista catalão chamado Jesus Ulled que o define apropriadamente. Para ele Petit fantasia demais e, por amor a cidade, não vê seus defeitos (que são muitos), sufocados que são por sua paixão desmedida e sua leitura parcial da história. Podemos ler este livro para entrar em um determinado clima, para nos aproximarmos da visão idealizada de quem ama um lugar, sem limites, sem pudor. Conhecermos um punhado de histórias que poderemos depois conferir, visitamos espiritualmente um certo número de lugares que poderemos depois também visitar com nosso próprio coração, nos familiarizamos com nomes que um dia poderemos também lembrar com saudade. Talvez as confidências que a memória faz a um sujeito somente a ele podem mesmo interessar, particularmente anacrônicas que são. Paciência. [início 03/04/2010 - fim 18/04/2010]
"Romance de Barcelona", Francesc Petit, editora Novo Século, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 463 págs. ISBN: 978-85-7679-218-5

sábado, 1 de maio de 2010

dia de folga

Neste pequeno livro, uma bela edição bilíngue da Cosac Naify, encontramos dezesseis poemas de Jacques Prévert. São poemas divertidos, que brincam com o inusitado de situações simples do dia a dia, envolvendo crianças e animais. Ao mesmo tempo o autor brinca com a linguagem, oferecendo jogos verbais realmente muito bons (o tradutor ao menos me convenceu que os poemas se prestam a estes jogos). Aparentemente foram escritos para jovens, mas um adulto que não se envolva com estas histórias está com um problema sério. A seleção destes poemas (originalmente publicados ainda nos anos 1940 e 1950) foi feita pelo sujeito que assina as ilustrações: um holandês chamado Win Hofman. O resultado é muito bom. Este livro encanta as boas horas que dedicamos a ele. [início 01/03/2010 - fim 17/04/2010]
"Dia de folga", Jacques Prévert, ilustrações de Win Hofman, tradução de Carlito Azevedo, editora CosacNaify, 1a. edição (2009), capa dura 16x24 cm, 48 págs. ISBN: 978-85-7503-320-3