"Três dúvidas" reune três boas novelas de Leonardo Brasiliense. Elas formam um conjunto temático. Segundo ele (que em um curto posfácio indica ao leitor um caminho de interpretação, algo que me lembrou certos posfácios do Philip Roth) as três novelas tratam de três classes de problemas: as dúvidas existenciais, as dúvidas essenciais e ao cerne mesmo delas, a essência das dúvidas. Mas os livros seguem seus caminhos sem as amarras que os autores podem aplicar a eles (por mais que estas amarras sejam bem intencionadas) e cada leitor certamente pode depreender, dos conflitos descritos nas novelas, outras facetas, outras epifanias, segundo suas próprias categorias de entendimento. De minha parte sempre tento associar o que leio com alguma tradição, com alguma literatura forte que se conecta a novos textos fortes. A primeira das novelas descreve em seções alternadas duas vidas oprimidas, sufocadas, terríveis em sua mediocridade. Um casal que se comunica apenas por um eloquente silêncio, que mal esconde o quanto estão angustiados. Lembra algo do tom de Camus em "O extrangeiro". Na segunda das novelas encontramos uma espécie de quebra-cabeças, em que os variados blocos do texto nos conduzem ao entendimento intrinsicamente fragmentário de uma história. O que há de factual na história? Talvez nada seja factual, nada seja real, talvez tudo seja apenas o resultado de uma mente em coma, que produz estratégias de economia mental automáticas, de um sujeito que luta por sua vida e delira. Lembra algo do "Enquanto agonizo", do Faulkner. Na terceira novela o tom já é mais cinematográfico. Um jornalista recebe uma dica que pode alavancar sua carreira, algo onde um escândalo político e a proximidade de eleições distorcem a compreensão do que é mesmo certo ou errado em cada situação, em cada argumento, em cada página. Um acidente automobilístico embaralha ainda mais a história, pois o jornalista passa a conviver com um duplo, um doppelganger, como se sua vida se bifurcasse naquele momento crucial. O texto lembra aqueles contos de terror da primeira metade do século passado, mas sem tantos arabescos (como se ele modernizasse o gênero). Talvez eu esteja esquematizando demais minhas associações. Gostei muito das três histórias. O tratamento literário, a qualidade do texto de Leonardo é algo a parte (uma coisa é inventar histórias, outra é utilizar uma linguagem que as valorizem e lhes incorporem densidade e vigor). É certo que mesmo sendo um jovem autor Leonardo Brasiliense sabe correr certos riscos e se reinventar a cada texto que oferece ao público leitor (ou seja, ele não precisa nem da companhia de uma panelinha literária, algo tão comum a sul do polo norte - para não dizer ao sul do Manpituba, como me parece ser mais apropriado - nem da repetição de truques literários). Por fim cabe registrar o belo acabamento do livro. A separação entre as novelas, as boas epígrafes, a separação das seções dentro de cada novela e, por fim, até a capa, belíssima, tornam este um livro que vale a pena o tempo que investimos em desfrutá-lo. [início - fim 16/05/2010]
"Três dúvidas: novelas", Leonardo Brasiliense, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 173 págs. ISBN: 978-85-350-0629-4
3 comentários:
Pois é mestre Guina.
Eu vou mais além na questão dos pontos cardeais, e diria que as chacrinhas estão ao sul da Barragem do DNOS.
Como o mundo está cada vez mais formado por tribos. Que mal tem?
Cada um no seu quadrado, para ser mais “moderno”.
Athos
olá athos, como vais?
eu acho que iniciativas como as tuas não são panelinhas literárias (principalmente porque participo do que você organiza, hehehehehehe)
panelinha literária é o que a mídia gáucha faz diariamente com os autores que ela promove.
isto distorce a cena literária (e cultural como um todo) e faz com que a maioria da população do rio grande do sul fique sem muitos parâmetros para avaliar o que realmente merece algum tempo.
mas a conversa é boa.
continuemos...
abraços
guina
Muito bom comentário do livro do nosso parceiro Leonardo. E acho que não estás nada esquemático nas analogias, nos esquemas de leitura.
São observações de um leitor atento, isto sim.
Postar um comentário