sábado, 18 de julho de 2009

el pianista

Este "El pianista" foi-me emprestado por Jesús González ainda em junho de 2008. Fiquei de ler e devolver antes de minha viagem a Espanha deste ano mas acabei deixando-o no Brasil apesar de já tê-lo lido (fazer o quê com os impulsos, devo esta para o Jesús). Trata-se de um livro que não faz parte do ciclo de romances e contos onde Montalbán utiliza o detetive Carvalho para defender suas idéias e posições. Publicado em 1985, logo após o volume "El balneário" da série Carvalho, mas iniciado de fato ainda em 1972, Manuel Vázquez Montalbán conta em "El pianista" uma história curiosa sobre um pianista que é afetado pelos acontecimentos da guerra civil espanhola. São três grandes partes: na primeira o pianista, Alberto Rosell, já está velho, trabalhando praticamente incógnito e desconhecido em um cabaret onde se apresentam travestis, na noite de uma Barcelona tímida frente à famosa movida madrilhenha daqueles dias. Na segunda parte voltamos no tempo, e encontramos o pianista, ainda jovem, mas alquebrado, logo após sua saída de uma cadeia franquista, onde passou seis anos sem tocar seu instrumento, obcecado com a idéia de voltar a tocar. Na terceira parte, somos apresentados ao jovem estudante de piano Rosell, que vive na Paris da segunda metade dos anos 1930, dividido entre sua arte e vocação, o piano, e seu desejo de voltar a Espanha e participar da guerra civil que se aproxima. São três momentos do mundo espanhol: o antes da guerra civil, o imediatamente após a segunda grande guerra, e os anos de distensão e redemocratização, posteriores à morte de Franco. Nestes três momentos um outro sujeito, Luís Dória, faz as vezes de um duplo de Rosell, mas um duplo que fez a outra escolha possível, ou seja, manteve-se exilado durante a guerra, continuou estudando música e voltou a Espanha consagrado e influente, durante os anos da ditadura franquista. Claro que sentimos mais carinho pelo perdedor e fracassado Rosell, mas sabemos que os Dórias são sim sempre muito mais frequentes nesta vida, (apesar de também a seu modo serem perdedores, mas apenas perdedores morais.) Talvez esta questão ainda não esteja totalmente digerida na Espanha de hoje, tão dividida entre os liberais pragmáticos e os socialistas algo inconsequentes. Basta folhear qualquer jornal atual para ver o quanto é crispado e dividido o mundo político e jurídico de lá (a população comum parece estar alheia a tudo que se passa, mas eu diria genericamente que eles são mais conservadores social e politicamente do que aparentam ou querem ser). Gostei particularmente da descrição de um passeio noturno que vários personagens fazem, desde a parte alta da cidade até a Barceloneta anterior às obras das Olimpíadas de 1982. Ele também fala dos bares da cidade, como o Boadas, que finalmente visitei nesta última viagem. É um livro para melômanos, pois ele fala da música sempre com paixão, um livro onde se discute se o fracasso ou o sucesso individual são de fato julgados pela história, um livro sobre a ausência de imanência naquilo que acreditamos ser as vanguardas, a modernidade. É por fim um livro pessimista, mas que a meu juízo vale a pena ser lido. [início 13/06/2009 - fim 30/06/2009]
"El pianista", Manuel Vázquez Montalbán, Plaza & Janes editores (1a. edição) 1993, brochura 11,5x18, 287 págs., ISBN: 84-01-42276-0

sábado, 11 de julho de 2009

anna ahkmatova

Toda vez que abro o jornal e leio sobre uma das canalhices do lula e sua troupe de petistas amestrados penso no Stálin e sua entourage sinistra, que tanto assombraram o século XX. Os antídodos contra o fascismo são sempre pouco eficientes, mas ler poesia, principalmente a poesia forte de alguém que padeceu da opressão encarnada de tantos algozes, e sobreviveu com retidão, pode trazer um pouco de sabedoria para um sujeito paranóico como eu. Anna Akhmátova foi uma das mais importantes poetas russas de seu tempo e influenciou vários grandes poetas jovens, como o nobelizado Joseph Brodsky por exemplo. Neste pequeno livro da LP&M, Lauro Coelho nos apresenta uma seleção dos poemas dela, traduzidos diretamente do russo. O livro também inclui uma rica apresentação e várias notas explicativas. Sem elas a maioria dos poemas seria ininteligível para mim, cheios de enigmas que são. Há muitos trechos líricos e realmente tocantes, como o "Todos somos um pouco hóspedes desta vida, pois viver é apenas um pequeno hábito.", ou "Quando, à noite, espero tua chegada, a vida me parece suspensa por um fio. Que importam juventude, glória, liberdade, quando enfim aparece a hóspede querida trazendo nas mãos a sua rústica flauta? Ei-la que vem. Soergue o seu véu, olha para mim atentamente. E lhe pergunto: ´Fostes tu quem a Dante ditou as páginas do Inferno?´ E ela: ´Sim, fui eu´. Li este livro lentamente, sempre fragmentando o texto e deixando um novo trecho para depois, mas as descrições precisas e claras dos tempos tão sombrios que ela viveu deixaram este leitor com um pouco mais de paz interior. [início: 24/04/2009 - fim: 29/05/2009]
"Antologia poética", Anna Akhmátova, tradução de Lauro Machado Coelho, editora LP&M pocket (1a. edição) 2009, brochura 11x18, 208 págs. ISBN: 978-85-254-1753-4

sexta-feira, 10 de julho de 2009

nos tempos da pedra

Vi uma entrevista com Abraão Aspis e resolvi ler algo dele. Escolhi este "Nos tempos da pedra" por encomenda, mas só ao recebê-lo é que percebi que não é bem um livro, mas um conto curtíssimo, de 38 páginas. No meu manual de edição publicações com menos de 50 páginas não são propriamente livros, paciência. No texto encontramos uma versão para os dias do homem da pedra, como alguns se especializam em caçar e outros em inventar novas ferramentas, novos instrumentos. Trata-se obviamente de uma visão idealizada e romantizada de como deveriam ser aqueles tempos duros em que o homo sapiens sapiens aprendia a sobreviver em condições extremas. Alguns dos personagens de Aspis já usam algo do método científico, ou seja, da capacidade da observação organizada ajudar um sujeito a entender melhor o mundo que o cerca. Já outros seguem dominados pelo misticismo e o medo. Não é um livro excepecional, mas uma tentativa honesta de contar em linguagem simples o poder de transformação do homem. Todavia talvez isto não seja uma coisa sobre a qual os jovens de hoje precisem ser lembrados. [início 27/06/2009 - fim 27/06/2009]
"Nos tempos da pedra", Abrão Aspis, editora Academia Gravatalense de Letras (1a. edição) 2008, brochura 14x21, 38 pág., ISBN: 978-85-7727-137-5

quarta-feira, 8 de julho de 2009

santiago

Este é um livro minúsculo, menos de trinta páginas. Nele há uma apenas uma curta mas tocante balada do poeta espanhol Federico García Lorca. Ele chamou esta balada de "balada ingênua". Morto durante a guerra civil espanhola Gárcia Lorca sempre é associado a liberdade, ao lirismo, a luta pela verdade, a felicidade, ao auto-conhecimento. A balada "Santiago" foi publicada em um dos primeiros livros de poesias publicado por ele, em um remoto 1921. Ele canta a história (ou mais bem uma passagem da história) do apóstolo padroeiro da Espanha (sanTiago), que tantas peregrinações suscita. O apóstolo aparece para uma moça do campo e a menina é depois assolada por perguntas das vizinhas sobre o acontecido. Porque alguns recebem uma benção e outros não, parece dizer-nos Lorca. Como já disse algumas vezes aqui este é o tipo de livro que um sujeito pode dar de presente sem medo para os filhos, para os filhos dos amigos, para pré-adolescentes ou para adultos de coração jovem, que não têm medo de se sensibilizarem. O livro inclui belas ilustrações de Javier Zabala, um espanhol especializado em livros infanto-juvenis. Também inclui uma curta biografia de García Lorca. Muito bonito. [início 23/06/2009 - fim 23/06/2009]
"Santiago", Federico García Lorca, tradução de William Agel de Mello, editora Martins Fontes (1a. edição) 2009, brochura 19,5x28,5, 28 págs. ISBN: 978-85-7827-095-7

terça-feira, 7 de julho de 2009

enquanto agonizo

Em "Enquanto agonizo" William Faulkner nos mostra como uma situação banal pode gerar um romance poderoso. A ação se dá na mítica cidade inventada por Faulkner, Yoknapatawpha, no mundo rural e antiquado do sul dos Estados Unidos do início do século XX. São 59 capítulos (um deles com apenas quatro palavras) onde quinze personagens pensam e falam continuamente, detalhando cada um deles aspectos de suas vidas e da vida de Addie Bundren, uma mulher que acaba de morrer e manifestou o desejo de ser enterrada em sua cidade natal, distante 60 quilometros do local de sua morte. Na viagem para transportar o ataúde da mulher morta até esta cidade, para ser finalmente enterrado, o viúvo e seus cinco filhos se envolvem em peripécias incríveis, irritantes, angustiantes. É um livro que cobra um esforço do leitor, pois trata-se de um seminal volume onde a técnica narrativa de fluxo da consciência é utilizada exemplarmente. Olhamos para cada um dos personagens (além dos membros da família Brunden somos apresentados a seis ou sete outros personagens que explicitam a história, as dúvidas, os atos e o bizarro comportamentos daquele desgraçado núcleo familiar) ora com compaixão, ora com ganas de eliminá-los do convívio humano . É um livro cruel, que não glamuriza para o leitor a vida dura do campo, a ignorância dos homens, a pobreza de espírito e a estupidez da falta de senso. Lembro de ter lido este livro em uma outra tradução, no início dos anos 1980, mas esta releitura me encontrou mais acostumado com a vida e os homens sombrios, portanto aproveitei mais o romance. Que bela história. Difícil ficar indiferente à ela. [início 17/06/2009 - fim 19/06/2009]
"Enquanto agonizo", William Faulkner, tradução de Wladir Dupont, editora LP&M pocket (1a. edição) 2009, vol. 747, brochura 11x18, 224 págs., ISBN: 978-85-254-1852-4

segunda-feira, 6 de julho de 2009

mvm em memória

Este pequeno livro foi produzido em homenagem a Manuel Vazquez Montalbán. Este bom jornalista, político, gastrônomo e escritor catalão, nascido em um quatorze de julho (de 1939), morreu de repente, muito longe da sua Barcelona natal, em um dezoito de outubro (de 2003). Um funeral foi organizado na Universidade de Barcelona e muitos de seus amigos, por mais distantes que se encontravam, fizeram por bem atender esta primeira homenagem fúnebre. Um destes amigos é um jovem fotógrafo, Serafín Palazón, que sai as pressas de Madrid com seu material de trabalho e chega a tempo para registrar fotos da cerimônia fúnebre. Fixados nas imagens lá estão políticos, principalmente aqueles que participaram da redemocratização espanhola, escritores, poetas, amantes dos bons vinhos, da boa comida, do futebol, das artes, da liberdade, da igualdade, da fraternidade (como não, para um sujeito que nasceu em um 14 de julho). José Saramago (que estava lá) assina um curto prólogo às fotos e Eduardo Haro Tecglen faz uma curta mas tocante biografia pessoal, literária e política. As fotos são acompanhadas de curtos textos do poeta Juan Carlos de Sancho, que traduzem, ou tentam traduzir, os sentimentos captados pela câmara fotográfica. As quarenta e cinco fotos são de fato poucas para o tamanho do carinho e amizade com que Montalbán parece ter se cercado em vida. Aprendi a respeitar um tanto mais este sujeito (que me conquistou apenas com a força de seu texto e que comecei a ler sem sabê-lo já morto e incapaz de continuar a saga de seus cativantes personagens). [início 15/06/2009 - fim 15/06/2009]
"Manuel Vazquez Montalbán en Memória", Serafín Palazón e Juan Carlos de Sancho, editora El Rinoceronte de Durero (1a. edição) 2004, brochura 15x21, 115 págs., ISBN: 978-84-609-2450-5

sábado, 4 de julho de 2009

pra começo

"Pra começo de conversa" foi lançado no Ponto de Cinema, como parte das comemorações do Bloomsday Santa Maria de 2009. Os autores me convidaram para escrever a orelha do livro. Apesar de entender o comentário de meu amigo Ronaldo Lippold acho que não tenho muito que acrescentar ao que escrevi ali. Portanto, sigamos com o baile: James Joyce passou por atribulações mil e teve de ser paciente para conseguir publicar Dublinenses da forma que imaginou cada um de seus quinze contos. Suas histórias, ambientadas na ainda provinciana Dublin do início do século passado, incomodaram tanto pela forma como são descritos os personagens quanto pela crítica implacável aos hábitos e costumes da época. Um século depois e em outro hemisfério eis que quatro santa-marienses de fato ou adoção: Tânia Lopes, Athos Miralha Cunha, Orlando Fonseca e Antônio Cândido Ribeiro, resolveram publicar um livro reunindo crônicas genuinamente santa-marienses. Cada um deles, em seus estilos, vozes, manias e idiossincrasias, registra um tanto desta Santa Maria que é passagem e porto de tantos gaúchos, brasileiros e viajantes. Não se trata de ficar aqui comparando os contos de Joyce e as crônicas destes quatro amigos, mas sim de tentar entender como a palavra pode ser utilizada para reconhecermos melhor o lugar em que vivemos e as pessoas com quem interagimos todos os dias. Nas histórias do Athos a memória flerta com um desejo de modificar rapidamente o mundo. Acompanhamos seu olhar sobre situações banais: a rotina de uma casa bancária; os encontros de boleiros saudosistas, os causos de mateadores e churrasqueiros sempre listos. Leio suas histórias e penso no duro silêncio de uma roda de chimarrão. Já nas histórias do Orlando encontramos o registro da vibrante vida deste início de século, dos horários apertados que seguimos, das correrias pelas quais passamos. Atarefados deixamos de refletir sobre o que fazemos, mas ele congela em seu texto situações que identificamos rapidamente como acontecidas, ou conosco, ou com um vizinho, ou com um parente, como não? Tânia por sua vez usa sua memória de certos diálogos, de certas situações, de certos compromissos e os transforma em belas histórias que lemos com prazer. O mundo das mulheres, claro, se apresenta mais contundente pela voz de Tânia, sempre observadora. Por fim o Candinho é aquele cronista que “fala” mais diretamente com o leitor, tentando seduzi-lo para seu campo, para suas idéias (e quase sempre conseguindo). Suas histórias têm a força de quem quer entender e contribuir para modificar a realidade. Fico feliz por estas crônicas, enfeixadas como em um buque de flores, prontas para serem lidas e também prontas para homenagear o velho James Joyce neste Bloomsday santa-mariense de 2009. [início 10/05/2009 - fim 16/06/2009]
"Pra começo de conversa: crônicas santa-marienses", Tânia Lopes, Antônio Candido de Azambuja Ribeiro, Athos Ronaldo Miralha da Cunha, Orlando Fonseca, editora Manuzio (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 112 págs., ISBN: 978-85-7782-076-4

sexta-feira, 3 de julho de 2009

vidas escritas

Há três ou quatro anos Roberto Cataldo me indicou este livro, dizendo que eu deveria conhecer Javier Marías. Mas foi só em 2007 que o comprei. Foi na FNAC de Madrid em um dia estival. Cristina e eu flanávamos como se deve fazer sempre que possível, especialmente nas cidades caras a nossa alma. Ganhei dela um outro Marías (o "Todas las almas", poderoso, já resenhado aqui) e dei de presente a ela um Coetzee talvez pesado demais, mas assim é a vida e os sucessos com os amigos. Mas é incrível que eu tenha deixado para lê-lo somente agora, tanto tempo precedido por outros projetos. Paciência. Neste "Vidas escritas" Javier Marías incluiu vinte curtas biografias ou mais bem relatos biográficos de escritores fortes e seminais do século XX (Faulkner, Conrad, Joyce, Stevenson, Mann, Nabokov, Rimbaud, apenas para citar uma terça parte de uma longa lista). Os textos foram escritos originalmente para uma revista espanhola (Claves de Razón Práctica) e são mesmo objetivos, claros, bons de ler. O livro inclui também seis relatos de uma natureza diferente. Ele fala de seis mulheres que foram escritoras, mas que se tornaram mais bem arquétipos de mulheres fortes, dominantes, à frente de seu tempo. Este seis textos são um tanto irregulares. Por fim há três outros elementos curiosos: uma série de quase quarenta fotografias de escritores, brevemente comentadas; um curto ensaio à título de epílogo onde Marías descreve a profissão e o engajamento natural dos escritores à sua arte e por fim uma completa e definitiva bibliografia que pode servir de guia para qualquer efebo em busca de informações sobre os escritores apresentados no livro. Enfim, este livro é uma maravilha, um pequeno guia para entendermos um tanto sobre um bom punhado dos melhores escritores do século XX. Na sessão onde ele descreve as fotografias é difícil não se surpreender com a capacidade de invenção de Marías. Mesmo quando ele é factual e objetivo vislumbramos o poder do gênio criativo. Curiosamente Marías sempre descreve as circunstâncias, a data, o local (detalhes um tanto mórbidos) da morte de todos os escritores e escritoras retratados. Caso eu fosse um editor perdulário gostaria de criar uma versão do poderoso "Tumbas", de Cees Nooteboom, com todas aquelas fotos maravilhosas dos túmulos de escritores, acompanhando estes excelentes textos de Marías (sem desmerecer os textos de Nooteboom, claro). Excelente livro, excelente escritor. [início 05/06/2009 - fim 10/06/2009]
"Vidas Escritas", Javier Marías, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2007, brochura 13x19, 331 págs. ISBN: 978-84-8346-287-4

quinta-feira, 2 de julho de 2009

indignation

Comprei este "Indignation" do Philip Roth em um dia paulista com Renato Cohen e Luiz Melo. Gostei da edição, impressa com letras grandes e em papel reciclado. Logo após de terminar o "Questões de honra" decidi que era hora de enfrentar mais um Philip Roth (e comparar Begley e Roth uma vez mais). A história é curta, mas intensa, e leva o leitor a refletir um bocado. Acompanhamos uns poucos meses da vida de um jovem estudante universitário americano do início dos anos 1950 (mais exatamente no início da guerra da Coréia, a mesma Coréia que ultimamente tem merecido destaque nos jornais por conta de seus planos de dominar o ciclo de produção de armas atômicas e desenvolvimento dos vetores balísticos que as transportem o mais longe possível). Esta guerra entre os Estados Unidos e a Coréia do Norte tecnicamente ainda não terminou, apenas está em uma longa fase de armistício tácito. O rapaz, Marcus Messner, um judeu filho de um açougueiro kosher, acabou de entrar na universidade, o típico ritual de ascenção social que frequentemente encontramos nos livros de Roth. Mas Marcus é um sujeito mais complexo que apenas um alpinista social que usa sua inteligência. Ele é persecutório e paranóico do início ao fim do romance. Usa a entrada na universidade para se afastar fisicamente e intelectualmente dos pais, mas após o primeiro ano se transfere para uma universidade ainda mais afastada de sua Newark (New Jersey) natal, indo para uma universidade conservadora e cristã no estado americado de Ohio. Tanto no primeiro ano quanto no segundo ano da universidade ele tem experiências limite, principalmente nos campos do convívio social, da iniciação sexual, do compromisso acadêmico, de sua saúde física e mental e das relações afetivas com seus pais. O que paira sobre ele e todos os demais acadêmicos é a certeza de somente serem poupados de irem à guerra, ou seja, de serem convocados para a guerra da Coréia, pelo fato de serem estudantes universitários. O romance se desenvolve rapidamente, mas logo descobrimos que Marcus está morto e o texto é uma longa reflexão sobre sua nova condição, imediatamente após ter sido abatido na guerra. Como ele foi parar lá? É isto o que o romance descreve. Philip Roth nos mostra como pequenas, bobas, impensadas decisões, sobre temas banais, têm repercusões incontroláveis, inimagináveis sobre nossas vidas. Por mais articulados, espertos ou inteligentes que possamos ser a história de nosso tempo e os fatos exteriores a nós sempre irão nos tragar sem remissão. A idéia do livro ser escrito por alguém moribundo "under morfine", como ele coloca no título do longo primeiro capítulo (que domina praticamente todo o livro), ou já morto, como podemos inferir do pequeno segundo capítulo "out from under", faz uma curiosa simetria com a dicotomia entre o mundo real e o nossa leitura interna deste mundo real. A meu juízo neste livro Roth nos diz que o mundo real está para nossa mente, nossa consciência enfim, como a consciência e a memória estão para o mundo de além morte. Podemos ficar ali um tempo infinito refletindo sobre um único ato, uma única fala, um único devaneio e imaginarmos as infinitas possibilidades que estes gestos teriam sobre nossas vidas. "Indignation" é mesmo mais um bom soco na boca do estômago do leitor. Não dá para ficar indiferente à ele. [início 29/05/2009 - fim 31/05/2009]
"Indignation", Philip Roth, editora Random House (1a. edição) 2008, brochura 12,5x19, 356 págs., ISBN: 978-0-7393-2811-8

quarta-feira, 1 de julho de 2009

questões de honra

Li já uns quatro livros do Begley e gostei de cada um deles. Ele sempre fala de sujeitos endinheirados, suas relações com o sucesso e o fracasso, com o sexo e o amor, com a vida e o temor da morte. Este "Questões de honra" é ambientado neste mesmo universo, mas desta vez acompanhamos a educação e a vida de uma pessoa (mas bem de um grupo de pessoas) e não os sucessos de um adulto já formado, como nos livros anteriores que li dele. O livro começa no início dos anos 1950, quando três rapazes se encontram em um dormitório da tradicional universidade Harvard. Samuel, o narrador, e Archie, um filho de militares, são os "wasp" padrão dos romances de Begley. O terceiro colega de quarto, Henry, é um judeu polonês inteligentíssimo, que certamente serve como alter ego do próprio Begley. As escolhas, as descobertas compartilhadas, as disputas e o exercício de companheirismo ao longo de décadas entre os três são descritos suavamente, organicamente, sem reviravoltas inverossímeis. A importância da amizade e das origens de cada um, bem como o papel da lealdade entre amigos domina todo o livro. Lembramos claro, das nossas próprias relações e histórias. Eu, particularmente, lembrei das minhas amizades que suportaram o tempo e a distância: Sibele, Beth, Katya, Samuel, França, Renato, Toninho, Pérciles e Fernando. No livro há boas reflexões sobre judaísmo, sobre a política americana dos últimos quarenta ou cinquenta anos, sobre os mistérios das relações entre pais e filhos, a vida universitária, as tentativas de ascenção social, a psicanálise, a advocacia, o sexo. Difícil não lembrar de Philip Roth ao ler Louis Begley, mas este último sempre perde na comparação por ser educado, polido demais ou ainda visceral, agressivo de menos. Trata-se enfim de um belo livro, que todo aquele interessado no modo de pensar da elite intelectual e cultural americana, ou seja, os donos do poder econômico de lá, sempre lerão com prazer (pois o sujeito - um advogado que tardiamente se dedicou a literatura - escreve bem à beça). [início 26/05/2009 - fim 29/05/2009]
"Questões de honra", Louis Begley, tradução de Sergio Tellaroli, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 423 págs., ISBN: 978-85-359-1417-7