Joseph Conrad publicou em revistas londrinas, entre 1904 e 1906, já aposentado do mar, aos 48 anos, uma série de reflexões sobre sua experiência no mar, na vida dura e venturosa a bordo dos veleiros ainda funcionais da última quarta parte do século XIX. O leitor é transportado, como em um transe, para um mundo aquático, salgado, repleto de brumas, nuvens e sol faiscante, onde mais que a força bruta (necessária porém insuficiente) é o conhecimento técnico, a experiência e a memória dos ventos, das correntes e das marés que dá aos homens alguma chance de sobreviver longe da segurança em terra firme. Em "El espejo del mar" encontramos 14 capítulos temáticos, que tratam de aspectos variados das experiências náuticas: Conrad conta o que diferencia a navegação de cabotagem (perto da costa) daquela em alto mar; como se cria a camaradagem entre os marinheiros e os capitães; como se adestra um sujeito ao uso das cordas, velas e âncoras; como se distribui a carga em um veleiro; fala sobre o caráter distinto dos muitos ventos, das correntes marítimas, dos perigos que o mar oferece, das tempestades; fala do respeito devido às regras e à hierarquia quando a bordo de um navio; lamenta os infortúnios possíveis: encalhar, perder-se, afundar; louva o fiel rio Tâmisa; descreve estaleiros e prisões (para navios e homens, respectivamente); fala de mitologia e do mar ideal para a navegação, onde essa nobre arte começou: o mar Mediterrâneo; conta sua primeira experiência em um barco, traficando armas entre a França e a Espanha, aprendendo conhecer a bruxuleante alma de seus semelhantes; canta sua iniciação mais importante: aquela do primeiro contato com a morte. Por mais que seja um livro recheado de termos técnicos, que utiliza um vocabulário específico e raro, trata-se de algo que encanta o leitor. A prosa é riquíssima, descobrimos logo que Conrad é um leitor arguto, dos clássicos gregos e de Shakespeare. Ele sabe nos informar sobre um tema árido, mas nos deleita com passagens muito inventivas. Conrad lembra várias vezes que o amor dos homens pelo mar nunca será correspondido, que há uma poderosa e perene presença grega nos homens afeitos a vida no mar. A tradução é de Javier Marías, que assina também o prefácio. Seu mentor, Juan Benet, assina um curto prólogo, onde fala, entre outras coisas, do quão respeitado foi "El espejo del mar" para escritores como Kipling, Henry James ou H.G. Hells. Por fim, "El
espejo del mar" é um livro maravilhoso, que fez-me desejar estar a
contemplar uma vez mais o mar, a sentir novamente o ar salgado no rosto, a experimentar de
novo meus olhos a um horizonte muito mais vasto que o oferecido nos campos gaúchos, cá onde vivo, no Rio Grande do Sul, uma espécie da terra dos Tesprotos, aquela descrita por Homero, na qual os habitantes desconheciam totalmente os remos e os barcos.
[início 30/07/2012 - fim 05/08/2012]
"El espejo del mar: Recuerdos e impresiones", Joseph Conrad,
tradução de Javier Marías, prólogo de Juan Benet, Barcelona: ediciones Orbis (Biblioteca del mar, vol.1), 1a.
edição (1988), capa-dura 13x20,5 cm, 218 págs.
ISBN: 84-402-0601-1 [edição original: The Mirror of the Sea (Londres: various magazines 1904-6) Methuen Publishing 1906]