Achei este livro de Rosa Montero em um sebo, já há tempos, mas só agora engatei de ler. Na versão original foi publicado em 1997. É um romance curioso, ela escreve ora em primeira pessoa, ora em terceira pessoa; a personagem principal tem algo da biografia da própria autora (uma personagem, Lúcia, é uma escritora de livros infanto-juvenis no início do livro) e até mesmo, metalinguísticamente, mas como Cervantes já nos ensinou a fazer, cita Rosa Montero vez ou outra como um contraponto a sua carreira e escolhas literárias. Inegavelmente ela escreve bem, sabe conduzir o leitor e mantê-lo atento a trama, que tem aventura e lirismo, algum humor e também um tanto de sexo, mas eu não gostei muito na verdade. Pode ser que eu esteja obsecado, mas há algo de homenagem a Manuel Vazquez Montalbán, como se ela quisesse emular um livro no estilo dele (ficando devendo um tanto, a meu juízo.) Um dos personagens principais é chamado Roble, a forma espanhola de designar Carvalho, que é o nome do personagem principal da série de livros de detetives de Montalbán; há a típica mistura Montalbán entre a história recente espanhola, reflexão sobre as transformações pelas quais passou e passa a Espanha e as mirabolantes perseguições dos romances policiais. Lembrou-me também um tanto "Berenice procura", de Luiz Alfredo Garcia-Roza. Mas o que me incomodou foi a enxurrada de temas: anarquismo, tauromaquia, guerra de independência do Saara Espanhol, franquismo, corrupção governamental, psicanálise, terrorismo, máfias européias, velhice e juventude, sexo e por aí vai. No final o livro encontra seu tom: a título de fechamento ela faz uma reflexão muito boa mesmo sobre os processos de separação, sobre o amadurecimento e crescimento pessoal, sobre o papel da mulher na sociedade moderna, da função do amor, da maternidade e do sexo, na vida das mulheres em particular. Sobre o enredo não há muito o que escrever. Um sujeito é sequestrado por um grupo terrorista, sua mulher tenta resgatá-lo seguindo as instruções dos sequestradores. Há muito dinheiro envolvido no sequestro, dinheiro que ela jamais associara ao marido. Aos poucos dois vizinhos incomuns, um velho senhor anarquista e um jovem desempregado a ajudam nas tratativas com os sequestradores. A história de vida do velho senhor, um resumo dos percalsos dos grupos de esquerda no século XX, é contada no livro, alternando-se com os relatos envolvendo os sequestradores, a polícia e o judiciário (uma juíza incomum também, para dizer o mínimo.) Não que seja um livro ruim, mas eu acho que Rosa Montero ainda vai encantar-me mais em outros romances.
"A filha do canibal", Rosa Montero, tradução de Joana Angélica d'Avila Melo, editora Ediouro, 1a. edição (2007) brochura 15.5x23cm, 332 pág. ISBN: 978-85-00-01885-5