Ler poesias sempre é um desafio. Talvez por conta das aulas pedestres de literatura que tive ou de minha pouca familiaridade juvenil com a gramática, demorei para um dia me encantar com aquilo que à diferença da prosa a poesia nos oferece: a potência das imagens e a sedução dos sons, o intrincado que estimula as sinapses, a eventual epifania que espouca na memória. Mas o treino e a eventual paciência nos ensina que os prazeres que a poesia oferece fazem a alma um grande bem. Este belo livro de Marcelo Tápia pertence a classe daqueles que servem para a simples fruição dos pequenos poemas que contêm e também para demonstrar a maquinaria das construções mentais de um autor forte. Nos poemas Tápia dialoga com filósofos, com prosadores e poetas, mas o que nos oferece parece burilado para esconder sua erudição instrínsica, como se ele quisesse atingir o leitor em um nível mais fundamental, mais primitivo, de nossa consciência. No livro encontramos duas séries de poemas: "Des-enganos" e "Aquém-emulações, intervenções e além-traduções", precedidos por um poema-epígrafe e um poema-preâmbulo que achei muito poderosos, instigantes mesmo. Pois o preâmbulo começa com um "Fui e sou servidor de muitos senhores" que magnetiza e estimula o leitor. Como sempre com as poesias fico a pensar se não deixei passar detalhes, se não interpretei corretamente uma passagem, se não fui inteligente e ágil o suficiente. Mas talvez seja isto mesmo que as palavras fortes devem fazer: forçar o leitor a expressar o algo novo que já estava ao alcance de nossos sentidos e teimávamos não perceber. A edição é muito bem cuidada . Este é mesmo um livro para se lembrar. É tempo. [início 01/03/2010 - fim 25/03/2010]
"Valor de uso", Marcelo Tápia, editora Annablume, 1a. edição (2009), brochura 16x23 cm, 90 págs. ISBN: 978-85-63141-02-6
Um comentário:
Incrível seu cartaz do Bloomsday pra esse ano, Guina! O detalhe de Ulysses na última página é quase melhor que os pés da musa. Abraços!
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