Ao finalizar a leitura de
“Homens elegantes”, romance mais recente de Samir Machado de Machado, escrevi
numa rede social que se tratava do romance mais “camp” que eu já havia lido,
acrescentando pouco depois que era uma narrativa que merecia leitura por bons e
variados motivos. De fato “Homens elegantes” é um romance divertido; exagerado; repleto de
amalucadas e criativas citações; povoado de personagens extravagantes; recheado
com uma miríade de informações (aquele tipo de informações que quanto mais irrelevantes e tolas, mais
saborosas são, pois fazem festa nos sentidos do leitor). O que Samir Machado oferece é um jogo, onde cabe ao leitor
descobrir até qual camada de entendimento ou associação é capaz
de alcançar. Na mais superficial das camadas o que temos é a paródia de um romance
histórico (que se passa na segunda metade do século XVIII). Nele
acompanhamos os sucessos de um jovem oficial brasileiro que é enviado à
Inglaterra para descobrir a origem de um contrabando muito peculiar, o de
livros pornográficos. Portugal é um capricho inglês, portanto os ingleses são o único aliado confiável. O que parecia apenas contrabando revela-se uma bizarra conspiração que envolve interesses cruzados dos serviços secretos de várias nações europeias. Os planos mirabolantes do vilão da história envolve associar sodomia a terremotos (como o que havia destruído Lisboa em 1755), alardear o fim dos tempos, influir nos planos jacobitas na tomada do trono inglês, provocar insurreições separatistas em cidades brasileiras para facilitar que o Brasil fosse tomado de Portugal pela coroa espanhola. A chave de leitura do livro é mesmo o humor, mas as digressões de Samir Machado oferecem ideias interessantes ao leitor. Apesar de ser um livro longo para o padrão das edições brasileiras, ele deixa-se ler rapidamente. O ritmo é continuamente acelerado. O intervalo entre a chegada do protagonista a Londres e o desfecho do livro, numa curiosa batalha naval no estuário do Tâmisa, é de apenas poucas semanas (como sempre acontece num romance ou filme de aventuras ou espionagem). Mas há tempo de sobra para o narrador explorar a geografia de Londres, visitar bordeis e teatros, seduzir e ser seduzido, mostrar suas habilidades de espadachim e sua invulgar cultura. O que mais positivamente me surpreendeu no livro é a forma como Samir Machado trata do homossexualismo e da cultura LGBT, com total desembaraço, sem afetação ou hipocrisia. O protagonista da história e praticamente todos os demais personagens relevantes são abertamente gays e interagem homoeroticamente sempre que uma brecha na narrativa permite. O livro também é um manual de mundanidade, onde aprendemos algo da linguagem dos leques; dos
passos de danças de salão; das gírias e procedimentos de sedução gays; de etiqueta, vestuário, esgrima e moda; das variedades de chá e as técnicas de seu
preparo; de atores shakespearianos; do valor da tipografia e do design na produção de livros; da arte da confeitaria; dos problemas de tradução e autoria nas obras de ficção; de
receitas de drinks; de teoria musical e de óperas; dos jogos de cartas e das trapaças possíveis; da literatura de
entretenimento; de religião e milenarismo; de geopolítica e historiografia; das piadas típicas do humor judaico; da tecnologia da impressão, edição e distribuição de livros. Todos esses mimos são incorporados naturalmente à trama. De resto, saber quantas citações contemporâneas de cinema, literatura e música, da cultura pop e dos games, do universo gay ou sobre a sociedade brasileira estão entranhadas no livro, só o Samir Machado poderá um dia responder. Muito original (mas como a ficção pode competir com a realidade quando temos notícia de que há quinze dias um padre acusou gays pela cólera divina que provocou um terremoto no centro da Itália?) Enfim. Bem escrito, "Homens elegantes" parece ter sido produzido à medida para ser filmado ou por um Baz Luhrmann (numa versão light) ou um John Waters (numa versão hardcore). Logo veremos.
[início: 30/10/2016 - fim: 05/11/2016]
[início: 30/10/2016 - fim: 05/11/2016]
"Homens Elegantes", Samir Machado de Machado, Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (2016), brochura 16x23 cm., 574 págs., ISBN: 978-85-325-3040-0
2 comentários:
Sua resenha me deu uma vontade danada de ler esse livro! Abraços.
Esse livro é realmente fascinante. Quando você pensa que haverá uma período de tranquilidade, algo inusitado acontece e a história toma rumos muito interessantes. Suavidade e sutileza, na minha opinião, traduzem a ideia desse romance.
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