Comprei este "La música del hambre" em um sebo barcelonês, onde uma senhora e seu neto conversavam amigavelmente, mas quase aos berros, enquanto eu fazia o censo dos livros e decidia o que comprar. Le Clézio havia acabado de publicar este livro na França quando recebeu a notícia de que tinha ganho o prêmio Nobel do ano passado. Esta tradução espanhola foi publicada no início deste ano. O livro é quase um conto de fadas, uma história de reminiscências da segunda grande guerra, mas com o tratamento que a memória dá aos sucessos e venturas de um passado distante. Ao longo do livro há algumas menções a teoria musical e no fim parece que o autor gostaria que terminássemos de ler o livro ouvindo o Bolero de Ravel. Cabe lembrar que Bolero é aquela peça musical composta para um balé onde a melodia uniforme é produzida pela repetição de um número pequeno de compassos, alcançando um final vibrante. A história gira em torno de um núcleo familiar de emigrantes mauricianos (daí valer a pena a meu juízo ler-se antes "O Africano" e "A Quarentena", dois outros livros dele onde se explica um tanto a história deste grupo de pessoas). A personagem principal é Ethel Brun (ou Soliman), uma jovem que acompanha a decadência financeira de sua familia e a vertigem associada a forma degradante como a França caiu sob a dominação alemã na segunda grande guerra, ou seja, de como o cerco alemão se fecha não militarmente, mas antes abstratamente no coração da população, instigando divisões, gerando segregacionismo, em um processo de lento convencimento e dominação, como se o mal não pudesse ser evitado. Ethel é filha única de um casal de emigrantes da Ilha Maurício. Através dela ficamos sabendo um tanto da sociedade parisiense dos anos 1920, 1930. Aos poucos os temas fúteis e pretensamente intelectuais dos salões mantidos pelos membros de sua família são contaminados pelo um nome novo, progressivamente dominante, Hitler. Le Clezio mais do que analisar ou justificar o comportamento dos personagens ou mesmo de querer detalhar passagens da história da segunda grande guerra, retrata os movimentos de um grupo pequeno de pessoas, deste núcleo familiar que está condenado a sucumbir nas mãos dos nazistas. Uma história familiar é sempre mais rica que a história das nações. Se é que eu conheço a história de Le Clezio, Ethel é uma personagem que representa sua mãe, uma de suas avós ou outro alguém muito próximo dele, que também teve de fugir dos nazistas durante a ocupação da França, que também passou por dificuldades mil, que também teve seu passado material destruído e seu futuro imediato envolvido no mar de incertezas de um grande conflito. É um bom livro afinal de contas, um conto de fadas terrível - como sempre são os contos de fadas - mais ainda assim um bom livro. [início 24/08/2009 - fim 21/09/2009]
"La música del hambre", J.M.G. Le Clézio, Tusquets editores (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 210 págs., ISBN: 978-84-8383-153-3
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