Foi Sílvia Serra, amiga querida, desde sua fundamental Barcelona, quem falou-me de Xavier Theros, um conterrâneo seu, escritor e antropólogo, que recentemente recebeu um prêmio literário. Encomendei alguns livros dele e comecei por "Barcelona: Secretos a la vista", publicado em 2015. São 90 crônicas, publicadas originalmente no jornal espanhol El País, e que podem ser consultadas no site deles: clika! Cada crônica é acompanhada de uma fotografia, sendo que no livro elas estão em preto e branco, e no site do jornal, em cores (fotografias assinadas por Tamara López Seoane). Não são textos ligeiros, escritos para atrair turistas ou para mitigar saudades em quem um dia deambulou por aquela bela cidade. Theros parte de pequenos detalhes arquitetônicos, de esculturas, de cartazes de propaganda, de grafites, de objetos que vê perdidos nas ruas (dentre tantos outros vestígios urbanos) para contar histórias de lugares, evocar o passado, capturar a passagem do tempo, descrever as metamorfoses da cidade. Xavier
vai a museus e praças, a bares e restaurantes, visita fábricas antigas e
cemitérios, percorre estações de metrô, rememora séries e filmes de sua
juventude, conta notícias que se transformaram em fábulas urbanas, vaga
pelos bairros de todo o entorno da cidade (do Besòs ao Llobregat, da orla do Mediterrâneo à Serra de Collserola), conta anedotas e causos bizarros. O autor procura ensinar aos leitores o prazer de descobrir nas pequenas coisas algo transcendental, mágico, algo que guarda, ainda não corrompida, a verdade de um tempo, de uma sociedade, de uma cultura. Apesar o lirismo das evocações, não há melancolia nelas. Trata-se de um exercício cerebral, de uma educação dos sentidos, de uma desaceleração, que permite a cada um entender a urbe e a si mesmo. A experiência pessoal de Xavier é intransferível, mas seu método não. Podemos aplicá-lo em nossas cidades, em nossos bairros; procurar, nos escolhos de nossa memória, a mesma magia que ele alcançou registrar em seus relatos; devemos nós também louvar nossas cidades, por mais defeitos e problemas que tenham. Lembrei-me de um poema do catalão Joan Maragall, "Oda nova a Barcelona", que termina assim: "(...) Tal com ets, tal te vull, ciutat mala: és com un mal donat, de tu s'exhala: que ets vana i coquina i traïdora i grollera, que ens fa abaixar el rostre. Barcelona! i amb tos pecats, nostra! nostra! Barcelona nostra! la gran encisera!", [(...) Eu te quero do jeito que você é, ó cidade má / tu és como um mal imposto, que emana de ti, porque és vaidosa e travessa e traiçoeira e rude, que temos que baixar nossos olhos / Barcelona! com todos os seus pecados, é nossa! é nossa! / Nossa Barcelona! A grande feiticeira!]. Que saudades tenho da velha feiticeira, da especialmente bela Barcelona. Vale!
Registro #1559 (turismo #15)
[início: 19/07/2020 - fim: 28/07/2020]
"Barcelona: Secretos a la vista", Xavier Theros, fotografias de Tamara López Seoane, Barcelona: Editorial Comanegra, 1a. edição (2015), brochura 16,5x23,5 cm, 217 págs. ISBN: 978-84-16033-74-4
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