terça-feira, 27 de outubro de 2020

despedida

"Despedida: Poemas en tiempos del virus" é o volume mais recente de poemas de Cees Nooteboom. Foi lançado há pouco, em julho. O título e o tom remetem, claro, à morte, ao fim, à uma última vez, ao adeus, mas Nooteboom sabe brincar com o leitor, e sabe que nada está predestinado, nada é finito, mesmo estando todos nós vivendo o impacto desta pandemia dos diabos. Nooteboom nasceu em 1933. À exemplo de seu volume anterior de poemas (Ojo de monje), encontramos nesse "Despedida" 3 conjuntos de 11 poemas, ou seja, 33 poemas, 33 quartetos todos eles (a edição é bilíngue, mas ao menos na tradução que li, em espanhol, são quartetos não rimados, onde faz-se uso notável de enjambement). Os enjambement dos últimos versos dos poemas capturam o olho do leitor e forçam uma interrupção extra na leitura (esperamos um pouco mais antes de virar a página, pensamos no efeito daquela frase truncada, antes de começar o poema seguinte). Os poemas começam na fundamental Menorca de Nooteboom, na cidade de Sant Lluís, em novembro de 2019. Como todos nós, ele e seus poemas foram capturados pela pandemia, de forma que os últimos deles foram compostos em sua Holanda natal, em Hofgut Missen, em abril deste 2020. No primeiro conjunto o narrador do poeta vê-se em seu jardim espanhol, não no verão luminoso das ilhas Baleares, mas já no inverno. Ele cuida das plantas, vê fotografias antigas, lê jornais, lembra de seus dias de criança, da segunda grande guerra, da morte do pai, dos seres que passam pela cidade ou marchando em triunfo ou arrastando a dor da derrota. Dois eus surgem e o narrador vê-se como uma garça. No segundo conjunto o narrador reflete sobre o entorno, sobre os personagens criados pelo autor, os mortos, o sentido da vida, o ofício do escritor. No terceiro conjunto os poemas falam de como as pedras são o melhor substrato para a verdade, lembra de sua ilha, daquilo que se perdeu, das perdas, da velhice, de como Orfeu tentou mas não conseguiu seguir sem olhar para trás, do medo de se perder a voz poética. A palavra que mais aparece no livro é "cabeças". Difícil dizer o quê são. Serão as gentes, os personagens dos livros, os inventados? Serão os amigos, os senhores dos mundo, os atores da realidade? Serão os mortos-vivos, os escravos mentais, a maldita gente má que nos sufoca? Em algum momento se pergunta: "Cuántos misterios puede uno suportar?". No final, um réquiem: "Ahora el silencio / es la distancia restante, / sin memoria / no hay vida. // He dejado de oír / mis pasos, / lo que me rodea / permanece oculto. // A ciegas prosigo mi camino, un pálido perro / en el frío. Debe de ser aquí, / aquí me despido de mí mesmo / y lentamente me transmuto en // nadie". Eu - e o Daniel Dago, certamente - vamos esperar mais coisas de Cees Nooteboom, vamos esperar algo mais deste adorável viajante dos sentidos, deste sensível e antenado senhor. Evoé don Cees, Evoé. Vale!
Registro #1583 (poesia #135)
[início/fim: 14/10/2020] 
"Despedida: Poemas en tiempos del virus", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal Madrid: Visor Libros (coleccíon Visor de Poesía #MCIX), 1a. edição (2020), brochura 12,5x19,5 cm., 88 págs., ISBN: 978-84-9895-409-8 [edição original:  Afscheid: gedicht uit de tijd van het virus (Amsterdam: Uitgeverij Karaat) 2020].

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