Este livro de Manuel Vázquez Montalbán foi publicado originalmente de forma seriada no jornal espanhol El País em meados de 1994. É fantásticamente inspirado em Luis Roldán Ibáñez, um político espanhol ligado ao PSOE e que foi durante um certo tempo diretor geral da "Guardia Civil Espanhola", o equivalente de nossa Polícia Federal. Ele foi conhecido por seu desempenho na luta contra o grupo terrorista ETA nos anos 1980 e também por um famoso escândalo de corrupção já no início dos anos 1990. No final do governo socialista de Felipe González (1982-1996) várias membros ativos e importantes do governo sofreram acusações por enriquecimento ilícito e mal uso de verbas públicas. Aparentemente Roldán usava as verbas secretas destinadas a luta contra o terrorismo (o que envolvia o não controle público de seu uso). Feita a denúncia contra Roldán, quando já havia provas irrefutáveis dos desvios praticados, este não comparece a uma audiência do julgamento e desaparece. Por cerca de três anos seu destino era desconhecido até que a Interpol o localiza na Tailândia e o entrega às autoridades espanholas. Aqui há uma coincidência com as coisas do Brasil, pois foi para lá que o glorioso testa de ferro do ex-presidente Collor refugiou-se. Cabe lembrar que nosso PC Farias foi preso, trazido ao Brasil mas logo depois foi convenientemente assassinado. Já Roldán amargou uma pena de 31 anos de prisão, foi multado e devolveu boa parte do dinheiro desviado, sua família e testas de ferro foram igualmente presos e condenados, sem perdão (e sem queima de arquivo, claro). Aliás ele continua preso até hoje. Manuel Vázquez Montalbán usa esta mirabolante história para fazer uma análise ficcional da história de Roldán e dos estertores do governo socialista espanhol da época. Até a publicação do último capítulo na forma seriada e mesmo quando eles foram publicados na forma de livro o paradeiro de Roldán ainda era desconhecido. Montalbán cria então uma fábula onde dezenas de sósias do sujeito são recrutados e espalhados pela Espanha (e até pelo oriente médio). Para os personagens o objetivo deste subterfúgio é confundir a opinião pública enquanto outros corruptos em escalões políticos mais altos, talvez mais experientes, apagassem as marcas de seus próprios desvios. Realidade e fucção se misturam, personalidades históricas conversam com o investigador e seu ajudante (e também com o leitor). Biscuter e Carvalho trilham pistas diferentes, caem em armadilhas mas ao final se encontram nos subterrâneos (talvez melhor dizendo, cloacas morais e éticas, mas subterrâneas) da plaza de Sant Jaume, no centro de Barcelona. Diferentes políticos, grupos econômicos, jornalistas, serviços secretos dos mais variados naipes têm interesse em que Roldán siga desaparecido, longe do olhar e da curiosidade do público. O fino é mais ou menos frouxo. Não é um livro espetacular, mas aprendi um tanto mais sobre a cultura política espanhola e sobre o estilo irônico de Montalbán. Nem tudo o que ele escreve pode ser tomado literalmente a sério. Há mais ironia neste sujeito que eu sabia até agora. Ainda tenho um par de livros da série Carvalho para ler e resenhar. Veremos. Há outra coincidência neste livro, pois ele faz-me lembrar de alguns gênios da raça brasucas que teimam em defender certos gastos públicos, como os generosos aportes financeiros utilizados pelo gabinete da atual presidência da república. Para estes curiosos vestais da "res pública" nosso atual guia genial deve ser blindado, pois sua vida é um segredo de estado secretíssimo e inviolável, mas esta é apenas mais uma triste história deste miserável Brasil acossado internamente por bárbaros.
Roldán, ni vivo ni muerto, Manuel Vázquez Montalbán, editorial Planeta, 1a. edi ção (1994) brochura 15x23cm, 173 pág., ISBN: 974-84-08-05957-8
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